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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO (páginas 146-152)

II. Apresentando a Pesquisa

3.3 O Direito à Educação na Diversidade Cultural: o contexto brasileiro

3.3.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: alterações introduzidas

3.3.3.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

seu Plano de Implementação

E há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor, flor e fruto!106

Uma lei publicada, por si só não opera mudanças, contudo requer ações que potencializem sua implementação, com vistas à sua real efetivação. É nesse contexto de regulamentação e proposições que se situa o Parecer CNE/CP 03/2004 e Resolução CNE/CP 01/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira - DCNs. A professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva escreveu esse Parecer, aprovado por unanimidade em 2004, pelo Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, o que revela o grau de relevância que possui. A sua construção foi feita em diálogo107 com o Movimento Negro, Conselhos

de Educação, estaduais e municipais, professores, pais, alunos, o que traduz o

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“Coração de Estudante”, composição musical de Wagner Tiso e Milton Nascimento.

107

“[...] foi feita consulta sobre as questões objeto deste parecer, por meio de questionário encaminhado a grupos do Movimento Negro, a militantes individualmente, aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a professores que vêm desenvolvendo trabalhos que abordam a questão racial, a pais de alunos, enfim a cidadãos empenhados como a construção de uma sociedade justa, independentemente de seu pertencimento racial. Encaminharam-se em torno de mil questionários e o responderam individualmente ou em grupo 250 mulheres e homens, entre crianças e adultos, com diferentes níveis de escolarização. Suas respostas mostraram a importância de se tratarem problemas, dificuldades, dúvidas, antes mesmo de o parecer traçar orientações, indicações, normas” (Brasil, 2004a: 10).

caráter democrático empreendido nesse processo. Sua concepção tem como premissa a constatação da realidade de desigualdade que afeta a população negra, e a necessidade de adoção de medidas de reparação, reconhecimento e valorização, necessárias para “superar a desigualdade étnico-raciais presente na

educação escolar brasileira” (Brasil, 2004a:12). Fugindo das formulações teóricas que proclamam a valorização e o reconhecimento da diversidade, descoladas de proposições que possibilitem sua realização, o texto das DCNs não deixa dúvidas quanto ao significado que é atribuído ao que se entende por reconhecimento, e quais as implicações práticas que disso decorrem. Logo, para além de questões formais, reconhecimento implica ação, que foi devidamente traduzido nas DCNs. Assim, reconhecimento significa:

a) Implementar ações e estratégias de política educacional que contemple a diversidade;

b) Questionar as relações étnico-raciais baseadas nos estereótipos depreciativos em relação aos negras e negras;

c) Valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência dos africanos escravizados e dos negros e negras na contemporaneidade;

d) Exigir que seja valorizada e respeitada a descendência africana das pessoas negras, o que implica em buscar compreender seus valores, culturas e histórias;

e) Que as instituições possuam instalações, equipamentos atualizados e professores preparados e “comprometidos com a educação de negros e

brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação” (Brasil, 2004a: 12).

O papel do Estado na implementação de políticas públicas, voltadas para a garantia dos objetivos expressos nas DCNs, é pontuado, que por meio dos sistemas de ensino deverão convertê-las em práticas. Assim, as esferas de comprometimento e os sujeitos da ação são bem delineados, visando o êxito em sua concretização.

O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende

necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações étnico- raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações ético-raciais não se limitam à escola (Brasil, 2004a:13).

Merece destaque nas DCNs a importância dada aos processos formativos, para subsidiar as ações das equipes escolares e dos professores. Esse relevo dado à formação dos profissionais tem a finalidade de que as práticas implementadas não sejam improvisadas, sendo pontuado, ainda, a importância do diálogo com estudiosos da área e com o Movimento Negro.

Para garantir a sua divulgação junto aos sistemas de ensino, têm sido empreendidas várias ações pelo Ministério da Educação, por ONGs vinculadas ao Movimento Negro e educadores de diversas instituições de ensino superior, e conforme indica a professora Petronilha Silva em seu parecer, “temos, pois,

pedagogias de combate ao racismo e a discriminação por criar. É claro que há experiências de professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar” (Brasil, 2004a: 15). Estamos vivenciando esse processo, e a implementação dessas DCNs ainda é um desafio.

Nessa direção, e com o objetivo de fortalecer e institucionalizar as orientações contidas nesse documento, o Governo Federal, por meio do MEC e da Secretaria

de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD, publicou em

maio de 2009 o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, doravante denominado Plano, contando com a participação dos movimentos sociais em sua elaboração.108 Sua

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“O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-

raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003, documento ora

apresentado é resultado das solicitações advindas dos anseios regionais, consubstanciada pelo documento

Contribuições para a Implementação da Lei 10639/2003: Proposta de Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – Lei 10639/2003, fruto de seis encontros denominados Diálogos Regionais

sobre a Implementação da Lei 10639/03, do conjunto de ações que o MEC desenvolve, principalmente a partir da fundação da SECAD em 2004, documentos e textos legais sobre o assunto. Cabe aqui registrar e agradecer à UNESCO, aos técnicos do MEC e da SEPPIR, aos movimentos sociais e ao movimento negro,

finalidade, portanto, provém da necessidade de institucionalizar a implementação das DCNs dessa temática, visando potencializar a atuação dos sujeitos envolvidos nessa ação, sistematizando suas orientações e estabelecendo níveis de competências e responsabilidades (Brasil, 2009c: 10).

A publicação desse Plano insere-se no conjunto das iniciativas que se destinam à garantia da implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08, partindo da constatação de que não houve a adoção de medidas mais concretas para que houvesse a universalização dos pressupostos contidos nas diretrizes que as normatizam. Assim sendo, vale à pena citar os seus objetivos, pois se traduzem em ações propositivas, que implicam na participação de vários atores. Isso evidencia que o sucesso de sua implementação não está somente no âmbito da escola, ou de seus professores, mas requer uma ação articulada e interdependente.

Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais [sic] e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da Lei 10639/03, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/CP 03/2004, e, onde couber, da Lei 11645/08;

Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação de professores, a fim de proporcionar o conhecimento e a valorização da história dos povos africanos e da cultura afrobrasileira e da diversidade na construção histórica e cultural do país;

Colaborar e construir com os sistemas de ensino, instituições, conselhos de educação, coordenações pedagógicas, gestores educacionais, professores e demais segmentos afins, políticas públicas e processos pedagógicos para a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08;

Promover o desenvolvimento de pesquisas e produção de materiais didáticos e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura afrobrasileira e a diversidade;

Colaborar na construção de indicadores que permitam o necessário acompanhamento, pelos poderes públicos e pela sociedade civil, da efetiva implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana;

Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores do Plano Nacional para disseminar as Leis 10639/03 e 11645/08, junto a gestores e técnicos, no âmbito federal e nas gestões educacionais estaduais e municipais, garantindo condições adequadas para seu pleno desenvolvimento como política de Estado (Brasil, 2009c: 22).

Observamos que a temática da diversidade perpassa os objetivos do Plano, bem como a necessidade de se promover a educação das relações étnico-raciais.

ao CONSED e à UNDIME, além de intelectuais e militantes da causa antirracista pelo forte empenho com que se dedicaram à tarefa de avaliar e propor estratégias que garantam a mais ampla e efetiva implementação das diretrizes contidas nos documentos legais já citados” (Brasil, 2009: 9-10).

Como bem pontua Gomes (2008), é importante não se reduzir as ações voltadas à história e cultura sobre a África, por exemplo, apenas na perspectiva de ensinar conteúdos específicos, e ressalta que os mesmos se inserem numa dimensão maior – o da educação das relações étnico-raciais, que proporcionam a reflexão sobre as condutas éticas na condução da ação pedagógica.

Em suma, os sujeitos de uma educação das relações étnico-raciais que se pauta na ética aprenderão a desnaturalizar as desigualdades e, ao fazê-lo, tornar-se-ão sujeitos da sua própria vida e da sua história e aprenderão a se posicionar politicamente (e não somente no discurso) contra toda a sorte de discriminação (Gomes, 2008:83).

Atrelada a uma agenda voltada à justiça social e econômica, o conceito que perpassa a noção de diversidade que concebemos aqui, não se restringe a uma atitude celebratória. Como já nos referimos, McLaren (2000a) vincula essa concepção de diversidade ao que denomina nas linhas de multiculturalismo na perspectiva liberal, onde a diversidade é valorizada, mas não se questiona as desigualdades, que são produzidas historicamente, nas relações de poder, fortemente marcado por processos ideológicos. A concepção multicultural que vincula diversidade com justiça social corresponde às tipologias Critica de

Resistência e Revolucionária (McLaren, 2000a, 2000b), que pressupõe em sua

agenda a transformação da ordem instituída para promover a verdadeira igualdade. A concepção de diversidade nesse Plano apresenta-se alinhada a uma proposta multicultural crítica, evidenciando que a lutas dos movimentos sociais pelo reconhecimento e valorização de suas histórias e culturas, exigem “que o elogio à

diversidade seja mais do que um discurso sobre a variedade do gênero humano” (Brasil, 2009c: 8).

A preocupação com a transformação está implícita no caráter propositivo do

Plano, que indica atribuições e estratégias de ação. Deste modo, em sua estrutura,

são indicadas as atribuições dos sistemas de ensino (Federal, Estadual e Municipal), dos Conselhos de Educação, das instituições de ensino (Educação Básica e Ensino Superior) e dos fóruns e núcleos de estudo. Sua proposta vem ao encontro das necessidades de fomentar políticas públicas e pedagógicas para a efetiva implementação das suas DCNs, e as suas ações, previstas para os sistemas estaduais e municipais de educação, são as mesmas em termos de concepção e

correspondem aos pontos fundamentais para a garantia da implementação dessas diretrizes. Merecem destaque algumas ações expressas nesse Plano, por evidenciar que a responsabilidade de sua aplicação não deve ficar restrita ao âmbito das escolas e dos/as professores/as, e por reforçar o papel do Estado na formulação de políticas públicas voltadas para a diversidade e para a educação das relações étnico-raciais.

Correspondem algumas ações, indicadas na esfera dos sistemas de ensino estaduais e municipais (Brasil, 2009c):109

a) Orientar as equipes gestoras e técnicas das Secretarias de Educação; b) Promover sistematicamente a formação dos profissionais, através de

ações articuladas com outros atores;

c) Produzir materiais didáticos e paradidáticos articulados com a proposta; d) Realizar consultas junto às escolas para acompanhar as ações de

implementação e promover uma cultura de autoavaliação;

e) Instituir nas Secretarias equipes técnicas permanentes para os assuntos relacionados à diversidade e educação das relações étnico-raciais, com condições institucionais e datação orçamentária prevista.

Fruto das mobilizações do Movimento Negro, o citado Plano reflete as ações de implementação da lei 10.639/03 e das DCNs que a regulamenta. Fica implícito, no bojo das formulações desse Plano, o percurso trilhado pelo Movimento Negro, e o papel de sua militância política junto aos órgãos públicos, para não deixar que as conquistas na área dos direitos para a população negra possam se esvair, a exemplo do que ilustra a letra da canção, citada na epígrafe deste item: “e há que se

cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor, flor e fruto”.

109Para maiores informações das ações dos sistemas federal, estaduais e municipais, bem como de instituições,

níveis, modalidades de ensino, dentre outros, sugerimos a leitura do documento do Plano Nacional de

Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, indicado na bibliografia.

No documento DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO (páginas 146-152)