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4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.4 As Distintas Condições dos Alunos

O fato de os nove alunos que compunham o grupo, J, JS, MA, LE, G, V, C, R (meninos) e LA (menina), ainda não estarem alfabetizados, não os tornava de modo algum um grupo homogêneo em relação às suas dificuldades. A história pessoal de cada um dos sujeitos da pesquisa, articulada aos seus históricos escolares, ajudou a compreender os diferentes desafios que tinham pela frente.

Segundo a professora M, JS tinha dificuldades na escrita, porque ainda era de difícil compreensão, a mãe dele, sabendo de suas dificuldades, pediu à professora que ele fosse com os outros alunos para o grupo. JS já sabia ler, uma leitura silabada, sem entonação, desconsiderando pontuação e diferenças entre gêneros textuais, já conseguia decifrar pequenos textos, fazer adição, subtração e sequência numérica.

R conseguia ler e escrever palavras formadas por sílabas simples, seus pais se mostravam bastante preocupados com seu desempenho e temiam que ele

terminasse o ano sem saber ler e escrever. Essa ação da escola mobilizou ainda mais o investimento no filho, compraram livros e gibis para ele, quando não vinha tarefa da escola os pais propunham atividades para o filho, cópia de um pequeno texto, tabuada, escrita dos números, etc. R era filho único, morava com os pais e uma tia que também se preocupava com seu desempenho e o ajudava a estudar em casa, propondo exercícios. Seu pai era pedreiro e sua mãe diarista. Como todos em sua casa trabalhavam fora, R passava as tardes com os avós que também se preocupavam com seu desempenho escolar.

J ainda não conhecia todas as sílabas simples e precisava de ajuda da professora para fazer a correspondência fonema/grafema para ler e escrever palavras simples, ainda não dominava a adição e a subtração. J morava com seus pais e o irmão de 15 anos, seu pai era marceneiro e sua mãe dona de casa. No início do ano letivo, a professora reparou que J tinha dificuldade para enxergar o que estava escrito no quadro e comunicou à família, alertando que seria importante levá-lo ao oftalmologista. A professora M ressaltou que, assim que J começou a usar os óculos, ainda no grupo maior, seu comportamento mudou muito, ficou mais calmo, menos agressivo com os colegas. Seus pais estavam preocupados com seu desempenho, ajudavam-no nas tarefas, mas, segundo J, não havia livros e gibis em sua casa, passava suas tardes brincando com vídeo game. Seu pai prometia recompensar seus avanços com brinquedos que ele desejava ganhar.

MA lia e escrevia palavra simples, entretanto ainda confundia algumas sílabas, ainda não dominava subtração, adição e sequência numérica. Morava com a mãe e mais três irmãos (de 11, cinco e um ano e seis meses), seu pai faleceu quando ele ainda era pequeno. MA relatou que fazia as tarefas sozinho, e, quando tinha alguma dúvida, recorria à mãe. Lia espontaneamente alguns livros que tinha em casa e a página de esportes do jornal. Segundo a professora, foram poucas as vezes que teve oportunidade de falar com a mãe dele, que trabalhava como ajudante de cozinha em um restaurante.

LE fazia subtração e adição com facilidade, mas ler e escrever era algo totalmente desmotivante para ele, visto que tinha consciência de que ainda não conseguia fazê-lo, lia e escrevia palavras simples com o auxílio da professora. LE faltava muito às aulas, e já, em setembro, tinha reprovado por falta. Segundo a professora, sua mãe nunca apareceu na escola. LE morava com sua mãe e seus dois

irmãos (14 e cinco anos), LE relatou que faltava muito às aulas porque sua mãe estava grávida e passando mal e, como seu irmão mais velho não parava em casa, ele a ajudava. Seus colegas, no entanto, diziam o contrário: que sempre o viam brincando na rua ou jogando sinuca em um bar perto de sua casa. Seu pai morava em outro estado e, segundo LE, fazia muito tempo que não o via.

G confundia algumas sílabas, precisava da ajuda da professora para ler, escrever e se concentrar. A mãe de G, no início do ano, comunicou à professora que ele tinha um déficit intelectual, mas não entrou em detalhes, G tinha ataques de fúria e agredia os colegas, exigindo da professora constante monitoramento de seu comportamento e atenção, algumas vezes seu olhar ficava parado, perdido, como se estivesse na aula apenas de corpo presente. Ainda não dominava adição, subtração e sequência numérica. G faltava muito às aulas, menos que LE, mas também já estava reprovado por falta. Morava com a mãe e dois irmãos (24 e 25 anos), sua mãe trabalhava como ajudante de cozinha em um restaurante.

LA precisava de auxílio da professora para ler e escrever palavras simples, confundia algumas sílabas, fazer sequência numérica, resolver adições e subtrações, demonstrava dificuldades de atenção e concentração, precisava de monitoramento constante da professora para não ficar para trás. LA, por vezes, era mais agressiva que os meninos, xingava, incomodava os colegas, batia. Ela morava com os pais, o irmão e a irmã, seu pai trabalhava como carpinteiro e a mãe era dona de casa. Às vezes, LA chegava na escola bastante atrasada e, quando os colegas tentavam brincar com isso, a professora logo cortava dizendo, "cada um tem seus problemas". A irmã de LA usava drogas e a preocupação da mãe com a filha que quase morreu de overdose era grande, as vezes em que LA chegava atrasada eram porque sua mãe estava cuidando de sua irmã para que não usasse novamente, o clima em sua casa era tenso e o modo de falar e de agir da mãe era reproduzido por LA.

Já o aluno V precisava do auxílio da professora para ler e escrever palavras simples, fazer adições, subtrações e sequência numérica. V era vizinho de LE e, antes de vir para a escola, passava em sua casa para chamá-lo. V morava com os pais e cinco irmãos, sua mãe era ajudante de cozinha em um restaurante e seu pai fazia serviços de jardinagem. A professora conhecia a mãe de V, viu-a uma vez, mas a escola não tinha seu contato telefônico e ela não comparecia às reuniões. Segundo

V, sua a mãe e seu irmão ajudam-no com as tarefas, sendo este o momento em que estudava em casa.

O aluno C já lia e escrevia palavras simples, confundia algumas sílabas e ainda não dominava adição, subtração e sequência numérica. Muito comunicativo e brincalhão, precisava de uma chamada de atenção para mantê-lo mobilizado. C morava com os pais e duas irmãs adolescentes, tinha ainda dois irmãos mais velhos que já estavam casados, a mãe trabalhava de diarista e o pai criava galinhas, patos e coelhos. Segundo C, ele só estudava em casa quando a professora passava tarefa, sua mãe e sua irmã ajudavam-no, mas assim que terminava de fazer as tarefas saía para brincar no quintal de casa ou com os amigos na rua.

Como G e LE faltavam muito, o grupo quase sempre contava com sete alunos e a professora. Quando a professora M, em uma das suas leituras diárias, contou a história Branca de Neve e os sete anões, MA logo se identificou: "É! Branca de Neve

e os sete anões. A Branca de Neve (apontou para professora) e os sete anões, um, dois, três, ...” (Contou os colegas.).

Os alunos estavam felizes por estarem com a professora M e por causa da condição que os uniu, foram se identificando e aprendendo a respeitar um ao outro, a não zombar do colega quando ele errava, e, quando um episódio destes acontecia, a professora logo chamava a atenção do aluno, ressaltando que ele também tinha dificuldades e por isso não podia falar do outro. A formação da nova turma e, sobretudo, as atitudes tomadas pela professora, bem como suas ações geraram um clima de apoio mútuo: naquilo que um sabia mais, ajudava o colega que estava com dificuldades de forma espontânea.