Tivemos já oportunidade de referir que se conhecem três edições do Indiculo Universal:
aquela que consideramos edição princeps, de 1716, a segunda edição, de 1754, e a terceira e
última, de 1804. Não vamos aqui ter em conta uma outra hipotética (embora possível) edição,
que seria a primeira, feita antes de 1700, com sugere Sommervogel (
95) porque, a ter existido,
perdeu-se.
Para além da edição princeps, que serve de base a este trabalho, consultámos com algum
cuidado as duas edições posteriores e não encontrámos significativas diferenças. Há apenas
algumas actualizações ortográficas, que são mais importantes na terceira edição. Nesta, a
página de rosto tem também várias alterações relevantes. De resto, a cópia de uma para outra
edição é tão completa que até algumas “gralhas” e erros de numeração se mantêm.
Não há qualquer acrescento ou revisão marcante de edição para edição, no que diz
respeito ao conteúdo do texto principal, apesar de Inocêncio e até Sommervoguel nos
respectivos dicionários bibliográficos fazerem menção disso no tocante à edição de 1804.
Mesmo assim, convém assinalar como alteração notória a que encontramos na página 266
desta última, quando se faz uma descrição da província do Alentejo «na qual estão Evora
segunda Cidade do Reino, a quem ennobrecem Arcebispado opulentissimo, Universidade
Real, fundada pelo Senhor Cardeal Rei D. Henrique, na qual teve origem a Sciencia Media tão
applaudida em todo o mundo; foi sugeita á Companhia de JESUS». Esta forma do verbo “ser”
não estava no pretérito perfeito na edição de 1716 (nem na de 1754) e, sim, no presente:
«Universidade Real, fundada pello Senhor Cardeal Rey D. Henrique, na qual teve sua Origem
a Sciencia Media tam applaudida em todo o mundo; he sugeita à Companhia de JESUS».
Seguem-se reproduções dos rostos das 2ª e 3ª edições e uma caracterização comparativa
do respectivo texto.
Segunda edição
Página de rosto da 2ª edição do Indiculo Universal (1754),
I N D I C U L O
U N I V E R S A L
Contêm distinctos em suas classes os nomes de
quazi todas as couzas, que há no mundo,
e os nomes de todas as Artes
e Sciencias.
I N D I C U L U S
U N I V E R S A L I S
Continet nomina rerum ferè omnium, quae in mun-
do sunt, Scientiarum item, Artiumque nomi-
na aptè, breviterque Colligit.
Feito Francez Latino
Pelo P. FRANCISCO POMEY
da Companhia de JESUS.
Impresso em breve tempo muitas vezes, e vertido em outras
Linguas com grande proveito dos Estudantes, porque com pouco
trabalho se fazem por elle eruditos, e noticiozos de quazi to-
das as couzas, e nomes, que tem no Latim. Contêm em seus
lugares Frases, e modos singulares da lingua Latina
Feito novamente Luzitano Latino, e accrescentado,
como mostraõ as estrellinhas, pelos Religio-
zos da Companhia de JESUS, Estudantes
de Rhetorica; no anno de 1697, pera
o seu uzo de fallar Latim.
No fim tem Indice Portuguez, cujo numero he o das margens.
E V O R A ,
Na Officina da Universidade Anno de 1754.
Com todas as licenças necessarias.
Como de imediato se pode ver pela página de rosto, o texto da edição 1754 permanece
quase igual à de 1716. Há, apenas, algumas actualizações ortográficas e/ou tipográficas: a nota
tironiana “&” passa a “e”; a palavra “
tẽpo” passa a ser escrita “tempo”; “phrases” > “Frases”
(embora mantendo o “s” longo); “lingoa” > “lingua”; “mostram” > “mostraõ”. Nas páginas
interiores, também com pouca diferença, repete-se todo o texto anterior. A principal
actualização parece ser a da nota tironiana, mas só na parte em português (e nem sempre), já
que em latim mantém-se tudo igual ou muito parecido. Mantêm-se algumas abreviaturas
(como, por exemplo “q” em vez de “que”), nas mesmas palavras ou em palavras diferentes
mas utilizando critérios semelhantes. Mantém-se também alguma instabilidade ortográfica que
já existia na primeira edição. A palavra “regiam” passa a “regiaõ”, por exemplo.
Se compararmos uma página das duas edições, a página 195, já a meio do volume,
notamos a quase coincidência, mesmo na mancha gráfica, entre as duas. Se não fosse alguma
variação na ortografia, quase poderíamos dizer que ambas pertencem à mesma edição.
No exemplo que se segue, em que se reproduz mais uma página das duas edições
(página 270), é visível ainda maior coincidência.
Terceira edição
Página de rosto de um exemplar da 3ª edição do Indiculo Universal (1804)
existente na Biblioteca Pública Municipal do Porto.
I N D I C U L O
U N I V E R S A L
Contém distinctos em suas classes os nomes de quasi
todas as cousas, que ha no mundo, e os nomes
de todas as Artes, e Sciencias.
I N D I C U L U S
U N I V E R S A L I S ,
Continet nomina rerum ferè omnium, quae in mundo sunt,
Scientiarum item, Artiumque nomina aptè, brevi-
terque colligit.
Impresso em breve tempo muitas vezes, e vertido em muitas Linguas
com grande proveito dos Estudantes; porque com pouco trabalho
se fazem por elle eruditos, e noticiozos de quasi todas as cousas,
e nomes, que tem no Latim. Contém em seus lugares Frases, e
modos singulares da lingua Latina. (
96)
PARA O UZO DE FALLAR LATIM.
L I S B O A
N
AI
M P R E S S Ã OR
E G I A:
ANNO M.DCCC.IV Por Ordem Superior.
(96) Nota-se uma alteração neste texto em relação às primeiras duas edições: em vez de “outras Linguas” aqui temos “muitas Linguas”, pormenor significativo da grande divulgação do Indiculo.
A página de rosto da 3ª edição acima reproduzida é, como se vê, muito diferente das
anteriores. É sobretudo evidente a ausência de toda a informação que pudesse associar a obra
à Companhia de Jesus (que se mantinha proibida). Mais adiante, na página em que se surge a
dedicatória “In Laudem Interpretum hujus Indiculi” não aparece a indicação do autor nem da
sua função no colégio de Évora da “Societatis JESU” como está nas duas edições anteriores.
Também se retiraram desta terceira edição todas as “Licenças”, substituídas pela menção “Por
Ordem Superior” presente ao fundo da página de rosto.
Seria de supor que também se tivessem retirado todas as outras referências aos jesuítas
no texto interior. Mas tal não acontece, como a atrás citada (
97) descrição da província do
Alentejo comprova (com a diferença assinalada). No subcapítulo dedicado às “Casas de cada
Religião” mantém-se todo o texto das edições anteriores, incluindo o seguinte:
«A Companhia de JESUS tem agora dezesete casas, fora o Seminario dos Irlandezes em Lisboa, e o Real Collegio da Purificação em Evora, cabeça a Casa Professa de S. Roque em Lisboa.» (98)
Parece, portanto, que, no texto principal, não foi feita intervenção de grande monta no
que diz respeito ao conteúdo. Nota-se, sim, uma revisão/actualização ortográfica significativa
de todo o texto. A página de rosto pode servir-nos de exemplo em relação a algumas dessas
alterações: “Contêm” passa a “Contém”; “quazi” > “quasi”; “cousas” > “couzas”. A nota
tironiana, assim como o “s” alto ou longo desaparecem completamente desta edição de 1804 e
são substituídos por “e” (texto em português) e “et” (texto em Latim), no primeiro caso, e
pelo “s” actualmente em uso, no segundo. Passa a fazer-se a hifenização: “Podemse” (p. 144
da 1ª ed.) > “Podem-se” (p. 124 da 3ª ed.). O “ç” cedilhado antes das vogais “e” ou “i” é
também alterado: “Adoleçençia” (p. 144 da 1ª ed.) > “Adolecencia” (p. 124 da 3ª ed.);
“Saçerdote” (p. 175 da 1ª ed.) > “Sacerdote” (p. 151 da 3ª ed.).
Do ponto de vista tipográfico, há um aperfeiçoamento que se pode atribuir à evolução
das artes gráficas, natural quase um século depois da primeira edição. O tipo de letra é mais
regular, apresenta uma legibilidade superior, a paginação também é muito diferente, as páginas
(97) Cfr. página 87 desta dissertação.
(98) Indiculo Universal, 3ª edição (1804), p. 272. Lendo apenas este texto, fica a ideia de que a Companhia de Jesus não tinha sido extinta e estava em pleno desenvolvimento das suas actividades. Na verdade, só em 1814 a Companhia de Jesus foi restaurada pelo Papa Pio VII. Os jesuítas regressaram a Portugal apenas em 1829.
não numeradas no início e no fim do volume, passam a sê-lo nesta edição, o alinhamento do
texto é mais perfeito, sendo as listas de palavras apresentadas normalmente em duas colunas
em cada página (à esquerda em portguês, à direita em latim). Aqui ficam em paralelo a página
119 da 3ª edição e a página 138 da edição de 1716, a título de exemplo.
1ª edição (1716)
3ª edição (1804) (
99)
(99) Convém aqui notar o erro de numeração do capítulo que já vem da 1ª edição. Mais um dado que prova não ter havido um grande cuidado ou preocupação na revisão/actualização do texto que fosse para além dos aspectos ortográfico e/ou tipográfico. Em vez de “CAPITULO QUARTO” ou “CAPITULO IV” devia estar capítulo “SEXTO” ou “VI”, como se observa na edição do texto que fazemos, na Parte II deste trabalho.