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2.2 O II PLANO DE OBRAS

2.2.2 AS ESTRADAS DA PRODUÇÃO

No final de agosto de 1959, passados poucos meses do início de sua gestão, o governador Leonel Brizola aprovou o Plano de Pavimentação e Construção de Estradas do II Plano de

Obras.131 O Plano, a ser executado no decorrer do governo, era ambicioso. Previa o asfaltamento de 2,5 mil quilômetros de estradas e a construção de mais mil quilômetros de novas rodovias dentro do Estado, priorizando as áreas produtivas do RS. Seu custo estimado total inicial (sem contar juros e amortizações) foi de Cr$ 8 bilhões (oito bilhões de cruzeiros, em moeda da época), obtidos mediante financiamentos e recursos decorrentes da Taxa de Transportes, do Fundo Rodoviário Nacional, do Fundo Nacional de Pavimentação, e incluídos nas destinações do II Plano de Obras. O destaque do Plano era a chamada Estrada da Produção, depois conhecida como Estrada da Produção Norte, cujo traçado incluía a ligação entre a zona produtiva do Norte do Estado (a partir do Vale do rio Uruguai) e a Capital, Porto Alegre. A outra frente a ser atacada era a Estrada da Produção Sul, no trecho entre as cidades de Pelotas e Santa Maria. No Plano constavam ainda outros 14 trechos de rodovias, que passavam por cidades notadamente importantes, como Passo Fundo, Erechim, Farroupilha, Osório, Torres, Vacaria, Lagoa Vermelha, São Borja e outras.

Dentro do Plano de Pavimentação, as chamadas Estradas da Produção, devido a sua importância para o desenvolvimento de determinadas regiões e o escoamento da produção, foram consideradas e anunciadas durante e após o governo de Leonel Brizola como mais uma das marcas de sua gestão, no sentido de promover o desenvolvimento econômico do Estado por meio de investimentos pesados em infra-estrutura. Como se sabe, a construção de sistemas de transporte, sejam eles rodovias, ferrovias ou hidrovias, é apontada inclusive nos dias atuais como fundamental na promoção do desenvolvimento econômico e social, porque por meio de uma rede de transportes eficiente é possível, por exemplo, garantir o abastecimento de gêneros primários ou produtos industriais, fomentar intercâmbio de populações, culturas e informações. Da mesma forma, rodovias em boas condições de uso são apontadas como um dos fatores que influenciam a economia uma vez que a rapidez do transporte e a minimização de perdas contribuem para a conquista de mercados e pesam sobre a composição dos preços dos produtos.

Neste item, portanto, será exposto o Plano de Pavimentação, com destaque para as Estradas da Produção. O objetivo, como vem sendo apontado ao longo de todo este trabalho, é, mais uma vez, mostrar que também em relação a esse projeto, que trata sobre desenvolvimento econômico, matriz produtiva, infra-estrutura e prioridades do governo, a gestão de Leonel Brizola

131

ANAIS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RS. v. 131. p. 481-483. Pronunciamento de Justino Quintana (PTB). O deputado apresenta na Assembléia o Plano aprovado pelo governador. 137ª sessão, em 26/08/59.

não pode ser vista sob uma ótica simplista, que leva em conta apenas os projetos anunciados, sem realizar uma comparação com os dados mostrados pelos deputados de oposição ou aqueles constantes nas próprias prestações de contas apresentadas pelo Executivo estadual. Mais uma vez, a documentação pesquisada mostra a necessidade de estudos mais detalhados a respeito desse período da história e o quanto ainda se tem por estudar.

Desde já cabe uma ressalva no sentido de que os dados que seguem estão longe de esgotar o tema. Também não é o objetivo aqui desacreditar por completo os investimentos realizados em infra-estrutura, fazendo uma espécie de terra arrasada sobre as realizações do governo. Em relação a obras rodoviárias, como é possível constatar ao longo de diversos períodos históricos, inclusive o atual, é difícil precisar quando determinados projetos são concluídos porque, não raro, rodovias são inauguradas por trechos, recebem novos nomes, os trabalhos se arrastam por anos, a falta de recursos e outras questões, como as que envolvem a própria infra-estrutura, paralisam as obras. Assim, por exemplo, é possível constatar nas mensagens enviadas pelo Executivo à Assembléia Legislativa, que alguns trechos já estavam previstos como recebedores de melhoramentos ou pavimentação quando do I Plano de Obras, em 1953, voltando a aparecer no Plano anunciado em 1959. Por isso, não será exposto aqui um estudo minucioso a respeito de quando as obras começaram ou terminaram. O trabalho limita-se a mostrar, de forma sucinta, o que o governo concluiu do que prometeu, aliando a este ponto informações sobre os montantes empregados.

Conforme o estabelecido na Mensagem enviada pelo governador à Assembléia em 1960, a Estrada da Produção Norte (Porto Alegre – Vale do Rio Uruguai) possuía extensão total de 321,6 quilômetros e incluía nove subtrechos (RS-3/Estrela, Estrela/Forquetinha, Forquetinha/Barra do Fão, Barra do Fão/Soledade, Soledade/Carazinho, RS-13/Passo Fundo, Caí/Feliz, Acesso à Barragem do Fandango e Cruz Alta/Ijuí). A Mensagem informa ainda que, da extensão total, haviam sido concluídos até aquele momento apenas 15 quilômetros. Em relação à Estrada da Produção Sul o documento informa apenas que dos 48 quilômetros do subtrecho entre Pelotas e Canguçu (a rodovia toda se estendia de Pelotas a Santa Maria) estavam concluídos 9,4 quilômetros.132 Os dados constantes na Mensagem do governador à Assembléia em 1962 indicam

a conclusão de 60,2 quilômetros de partes de quatro dos nove subtrechos previstos. Além disso, 132 GOVERNO DO ESTADO DO RS. Mensagem à Assembléia Legislativa. Apresentada pelo Governador do

Estado, Engenheiro Leonel de Moura Brizola, por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1960. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, 1961. p. 235-236.

conforme o documento, das 26 obras de arte integrantes do projeto (como pontes e bueiros) 24 seriam concluídas no decorrer de 1962. Quanto à Estrada da Produção Sul, dos 48 quilômetros previstos, 20 são apontados na Mensagem como concluídos.133 Os dados existentes nas próprias

mensagens indicam que o governo não concluiu as obras inicialmente previstas quando da implantação do Plano de Pavimentação, entre as quais as Estradas da Produção eram apontadas como as mais importantes, apesar de os recursos do II Plano de Obras destinados a área de Transportes serem bastante significativos. Conforme mencionado anteriormente, a lei de criação do Plano em 1958 previa que 24,29% dos seus recursos fossem aplicados em Transportes e Armazenagem e, ao final do governo, o item havia consumido 30,39% dos valores, percentual inclusive superior aquele aplicado na Educação, de 29,86%.

Mas, além das informações contidas nas mensagens, os pronunciamentos dos parlamentares no Legislativo, em especial do deputado Cândido Norberto, que solicitou a instauração de uma Comissão de Inquérito para averiguar as condições dos contratos e das obras, apontam para a existência de diversos problemas. O mais grave diria respeito ao superfaturamento das obras, aliado a não conclusão de uma série de trechos134. Conforme

informações levadas a plenário por Norberto no final de 1961 e início de 1962 enquanto o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner) ao final de 1961 contratava obras por valores entre Cr$ 63,00 e Cr$ 69,00 o metro cúbico, as Estradas da Produção estariam sendo feitas por um custo entre Cr$ 200,00 e Cr$ 400,00 o metro cúbico.135 As investigações da

133 GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Mensagem à Assembléia Legislativa. Apresentada pelo

Governador do Estado, Engenheiro Leonel de Moura Brizola, por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1962. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, 1963.

134 ANAIS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RS. v. 159. p. 52. Pronunciamento de Cândido Norberto (MTR).

“Quando se fala em Estradas da Produção, tem-se a impressão de que são estradas pavimentadas, de alto gabarito, como diz o Sr. Governador, mas são estradas de terra batida e mal batida, precaríssimas estradas iniciadas e não concluídas, não ligando nada com nada.” 73ª sessão, em 06/08/62.

135

ANAIS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RS. v. 153. p. 184. Pronunciamento de Cândido Norberto (MTR). “Aqui tenho, senhor Presidente, um comparativo de preços [...] calculado por engenheiros, por técnicos, com base em informações oficiais que estão aqui na Assembléia a espera que os mesmos cálculos sejam feitos por engenheiros solicitados pela Comissão ao DAER e ao DNER. 161ª sessão, em 13/12/61. v. 154. p. 19-20. Pronunciamento de Cândido Norberto. “ Dos três bilhões já comprometidos nas tais ‘estradas da produção’ sabidamente mais de um bilhão foi gasto desnecessariamente[...] e agora vem mais Cr$ 650.000.000,00; e a esses Cr$ 650.000.000,00 fatalmente serão somados mais 40%, que deverão ser financiados pelo tal Banco da lavoura de Minas Gerais, no negócio mais escandaloso já realizado entre um estabelecimento de crédito e o Estado. [...] O DNER vai pagar [...] porque recentemente realizou concorrência para obras no rio Grande do Sul, vai pagar por metro cúbico, Cr$ 63,00 ou Cr$ 69,00. [...] Contra esses preços [...] está-se aqui no Estado e pelo Estado – pagando preço mais alto – pagava-se Cr$ 193,95! E contra Cr$ 483,00 de material de terceira categoria, paga o Rio Grande do Sul Cr$ 705,45. [...] Segundo me contou o nobre Deputado Hélio Carlomagno [...] o Sr. Governador do Estado teria lhe dito que ‘quando pensava nesta Estrada da Produção desanimava e perdia a vontade de trabalhar’. Até confesso que fiquei comovido quando pensei que o Governador não tem nada a ver com esse negócio. Mas continua vindo

Comissão, contudo, não chegaram a ser conclusivas e, em seguida, Meneghetti substituiu Brizola à frente do Executivo. As discussões a respeito do programa no Parlamento acabaram por se esvaziar.

Mesmo que o discurso da oposição em relação a estas obras deva ser relativizado, considerando-se, conforme já exposto, sua movimentação dentro do jogo político (que, por sua vez, inclui sempre os aspectos relacionais e a demarcação de posições a partir também de antagonismos); e mesmo que as obras realizadas na área de Transportes, e principalmente as relativas às Estradas da Produção ainda precisem ser melhor analisadas, também neste caso a idéia central deste trabalho pode ser aplicada. Os dados existentes nas Mensagens enviadas ao Parlamento indicam que as obras não foram concluídas, apesar dos montantes empregados. De acordo com os dados constantes nos Balanços Gerais do Estado, com a Taxa de Transportes, por exemplo, foram arrecadados, entre 1959 e 1962, Cr$ 10.281.126.594,10. Mais uma vez, entre o que o governador anunciou como um excelente programa para sanar um problema estrutural significativo acabou por não ter os resultados previstos. E, mais uma vez, o valor dos recursos empregados foi alto, demonstrando que não foram as questões financeiras que impossibilitaram uma ação concreta.

dinheiro para fazer o mesmo negócio. E já não me preocupo, já não me emociono mais, me enojo. 1ª sessão da Reunião Extraordinária, em 05/01/62.

3 AS BAPDEIRAS PACIOPALISTAS

No capítulo que segue serão abordadas algumas das ações desenvolvidas durante a gestão de Leonel Brizola, consideradas como francamente nacionalistas e de enfrentamento aos interesses de elites regionais ou de empresas multinacionais. São elas as iniciativas tomadas em relação à alteração da estrutura fundiária do Estado e instalação de projetos de reforma agrária e a desapropriação de duas subsidiárias de empresas multinacionais norte-americanas, a Companhia Energia Elétrica Rio Grandense (Ceerg), pertencente à Bond and Share, e a Companhia Telefônica Nacional (CTN), subsidiária da International Telegraph and Telephone (ITT). A análise dos processos pretende acrescentar elementos para a discussão dos mesmos e da forma como eles vêm sendo abordados, mostrando que há uma série de questões a serem consideradas. Assim, ficará evidenciado que a consideração das ações do governo nas duas áreas – anunciadas ou adotadas com maior intensidade na metade final do governo – apenas como a defesa de bandeiras nacionalistas não dá conta da complexidade dos processos e de suas implicações, sejam elas políticas, sociais ou econômicas.

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