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3 APROXIMAÇÕES SOBRE OS CONDICIONANTES E AS MÚLTIPLAS

3.3 As estratégias para permanência

Nesta seção serão identificadas as estratégias voltadas para garantir ou auxiliar a permanência de jovens e adultos no processo de formação, materializadas através das políticas educacionais vigentes e a relação com as tendências das pesquisas na qual expressam os motivos e perspectiva do abandono. Optou-se por caracterizar as estratégias mais recorrentes nas políticas educacionais brasileiras como: socioassistencial de articulação intersetorial, pedagógica de caráter socioeducativa.

A estratégia de caráter socioassistencial de articulação intersetoriais são as que diante da situação de vulnerabilidade socioeconômica vinculam recursos financeiros diretos e indiretos como condicionalidade da frequência do educando em sala.

No âmbito do governo federal, a intersetorialidade se expressa na gestão compartilhada de ações entre dois ou mais ministérios ou duas ou mais secretarias. O Ministério da Educação, conjuntamente com os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério do Trabalho e

Emprego implementam o Projovem13; ainda com o Ministério do Desenvolvimento Social na implementação do Programa Bolsa Família, e com o Ministério da Saúde na execução do Programa Olhar Brasil, são exemplos de tal estratégia.

O Programa Bolsa Família14 está entre uma das políticas de governo que configuram em suas ações, a estratégia para permanência do educando. No entanto, sua ação na EJA não é determinante por restringir um limite de cobertura condicionada apenas aos jovens de 15 a 17 anos. Acima desta faixa etária não se aplica a condicionalidade de forma direta para o educando. Jovens e adultos acima desta faixa etária não são beneficiários, mesmo em situação de vulnerabilidade, pelo fato de estar estudando. Recebe o benefício, se tiver filhos em idade escolar (0 a 17 anos) regularmente frequentando15.

Cabe ao Ministério da Educação (MEC) o acompanhamento da frequência escolar desses alunos com base nas regras definidas pela Portaria Interministerial MEC/MDS nº. 3.789, de 18/11/2004. Com esta política, o MEC/MDS objetiva interferir no problema da evasão e estimular a progressão escolar pelo acompanhamento individual das razões da baixa frequência ou abandono da escola. Com esse monitoramento, pretende-se diagnosticar o que está dificultando a vida escolar do aluno. Com base nesses dados, o Poder Público deve definir ações para estimular a permanência e o sucesso escolar dos beneficiários.

O Programa Olhar Brasil configura-se entre as políticas socioassistenciais de articulação intersetorial entre o MEC/MS. Instituído a partir da Portaria Normativa Interministerial nº. 15/ME/MS, de 24 de abril de 2007, apresenta como objetivo “identificar e corrigir problemas visuais relacionados à refração, visando reduzir as taxas de evasão escolar, bem como facilitar ao acesso da população idosa à consulta oftalmológica e de aquisição de

13 Instituído pela Lei nº. 11.129, de 30 de junho de 2005, e regido pela Lei no 11.692, de 10 de junho de

2008, o Projovem tem como órgãos responsáveis pela sua coordenação, nas modalidades: Projovem Adolescente – Serviço Socioeducativo coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Projovem Urbano pela Secretaria-Geral da Presidência da República, o Projovem Campo – Saberes da Terra pelo Ministério da Educação e o Projovem Trabalhador pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

14 O Programa Bolsa Família, criado pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto

nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, destina-se à transferência de renda direta às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Ao serem incluídas no programa, as famílias assumem o compromisso de matricular e garantir a permanência das crianças e jovens na escola.

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Os estudantes de 6 a 15 anos devem obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal. Já os estudantes de 16 e 17 anos, que participam do Benefício Variável Jovem (BVJ), precisam frequentar ao menos 75% das aulas. O benefício é de R$ 33 mensais para até dois estudantes por família. A frequência escolar e os motivos de baixa assiduidade são informadas pelas secretarias estaduais e municipais de educação ao MEC, que repassa os dados ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pela gestão do Programa Bolsa Família.

óculos”. Esta é uma das poucas estratégias com abrangência para jovens e adultos acima de 24 anos.

Quanto ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), em suas diversas modalidades, relaciona o benefício ao acompanhamento da frequência escolar, na qual considera 75% de frequência. O benefício faz parte da política do referido Programa, que objetiva em sua portaria:

I - complementar a proteção social básica à família, criando mecanismos para garantir a convivência familiar e comunitária;

II - criar condições para a inserção, reinserção e permanência do jovem no sistema educacional;

As estratégias socioassistenciais e de articulação intersetorial estão pautadas na perspectiva crítica socioeconômica, na qual desvincula de forma sutil o problema da evasão, ao articular ações baseadas na crença de que é a situação socioeconômica que o indivíduo está inserido que dificulta o acesso e permanência, tendo como compensação o auxílio, no qual pode vir a contribuir com a equidade.

A segunda estratégia tem caráter pedagógico e socioeducacional. Estas estratégias procuram responder as determinações do abandono escolar individualizadas no sujeito jovem e adulto e seu contexto familiar e cultural, ou relacionada a fatores ligados à organização e ao funcionamento da instituição escolar e aos sujeitos que nela atuam.

Entre as estratégias que agregam o caráter socioeducacional com a perspectiva intersetorial está o Programa Presente Garantindo o Futuro, lançado no Estado da Bahia, em 2004. Constitui-se numa parceria entre o Ministério Público do Estado da Bahia, por intermédio da Procuradoria Geral de Justiça, o Poder Judiciário, por intermédio da Presidência do Tribunal de Justiça, o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria da Educação, o Fórum Permanente Estadual de Conselhos Tutelares, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (SINEPE) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado da Bahia (UNDIME), e tem como objetivo combater a evasão escolar, promovendo o regresso e garantindo a permanência na escola de crianças e adolescentes, de 7 a 18 anos de idade incompletos, para que concluam o ensino fundamental.

O Programa funciona com base na ação das três instâncias, utilizando um procedimento aqui denominado de Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (FICAI) que,

nos casos de reiteração de faltas, o professor preenche e remete à Direção da Escola, esta ao Conselho Tutelar e este, finalmente, ao Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Entretanto, esta estratégia também está restrita à faixa etária e só contempla os jovens de 15 a 18 anos, que pela própria atuação proposta pelo FICAI, residem com seus pais ou responsáveis. Mesmo com o processo denominado de juvenização da EJA16, e do aumento do número de jovens presentes nesta modalidade, pode-se afirmar que a interferência na vida escolar dos jovens e adultos pela família se dá de forma diferenciada na diversidade geracional.

No caso de jovens que vivem com os pais e dependem financeiramente deles, a interferência é direta por meio de cobrança da obrigatoriedade de estudar. Até os 14 anos os pais podem pagar pelo crime de abandono intelectual. Também para os pais, a escola é vista como meio de ascensão, ou como meio de afastar o jovem da criminalidade. No caso do adulto, ele é o próprio chefe de família, responsável por manter e sustentar o grupo familiar, muitas vezes de filhos, esposas e pais. Em relação ao idoso, é muitas vezes o mantenedor da família ou dependente dos filhos ou parentes próximos.

Estas três relações familiares definem a interferência no processo formativo. A primeira (jovem) interfere por obrigatoriedade e por compreender a importância da escola. A segunda (adulto) acontece quando o educando encontra apoio dos parentes próximos (cônjuge, pais, irmãos), no entanto outros fatores entrarão em conflitos, como a necessidade de trabalhar, de tomar conta dos filhos, e diversas outras. Entre os idosos, o apoio geralmente se dá pelo reconhecimento dos parentes ou filhos do direito que foi negado na infância e juventude.

O apoio familiar constitui-se numa estratégia referenciada na perspectiva psicológica, por normalmente buscar soluções para estimular o educando individualmente, sensibilizando através de diálogo e apoio emocional. Ainda tal estratégia costuma sensibilizar através de propagandas, envolvimento de canais de comunicação de massa, de forma a sensibilizar por meio de campanhas publicitárias que estimulem a superação de obstáculos e a valorização de exemplos e experiências tidas como positivas de quem superou as dificuldades.

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Para entender mais este processo, consultar BRUNEL, Carmem. Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos. Porto Alegre, Editora mediação, 2008.

Amparada na perspectiva pedagógica cultural, a estratégia pedagógica de caráter socioeducativa traz a preocupação das escolas em garantir uma educação de qualidade, materiais didáticos que atendam ao contexto e à realidade dos jovens e adultos, discussão de metodologias adequadas para este público, mudanças, flexibilização e adequação de horários e estrutura curricular.

O trabalho Estratégias para auxiliar o problema da evasão escolar desenvolvido por Shargel e Smink (2002) analisou o problema do abandono escolar dentro do contexto da sociedade norte-americana, em especial a estadunidense. Para estes autores, as produções em torno da prevenção do abandono escolar focalizam na transferência da culpa, ora aos pais, ora à sociedade injusta e desigual; outros culpam o próprio jovem ou adulto.

Estas produções indicam soluções rápidas e em curto prazo, muitas atacando sintomas e não as causas. No entanto, os autores defendem a necessidade de uma reforma sistêmica. Na renovação sistêmica são focalizadas as causas básicas, direcionando esforços no sentido de eliminá-las e prevenir sua reincidência. Até hoje os programas buscaram apagar incêndios, ao invés de assumir um projeto de educação que atue na raiz do problema educacional, e na má qualidade dos serviços oferecidos para estes sujeitos inseridos na EJA.

A partir de estudos sobre fracasso escolar na Espanha, os autores Marchesi e Pérez (2004) estruturam suas análises a partir de indicadores, como: contexto econômico e social, contexto familiar, sistema educacional, ensino na sala de aula, centros docentes e disposição dos alunos.

Para estes autores, do mesmo modo que o fracasso escolar é multidimensional, as medidas propostas para reduzi-los também são. Assim, as estratégias indicadas nos estudo de Marchesi e Pérez (2004) correram em torno de propostas sistêmicas que levaram em conta as demandas sociais do futuro, que são: o compromisso da sociedade, intervenção no âmbito social e familiar, a formação e incentivo dos professores, atenção maior para o ensino fundamental, autonomia das escolas, cooperação e participação, mudanças na prática docente. Em síntese, os estudos sobre o abandono e a concepção de estratégias de permanência identificadas nas perspectivas apresentadas, podem ser definidos em duas grandes tendências. A primeira tendência enquadra todas as perspectivas de análise da problemática do abandono e da proposição de estratégias que compreendem a possibilidade de materialização das ações voltadas à permanência, de forma harmônica na sociedade

capitalista. Estas perspectivas propõem mudanças a partir da concepção e defesa de reformas sistêmicas, com ações preventivas, mas sem grandes rupturas com a macroestrutura. De caráter reformista e muitas vezes conservador, elas têm como finalidade última manter a sociedade baseada no modo de produção capitalista e para isso tem como defensores atores nacionais e organizações internacionais.

Outra grande tendência, aqui identificada na perspectiva histórico-crítica, é a que relaciona os problemas de fracasso, abandono e desigualdade educacional ao modo de produção da vida material, logo capitalista, e, por conseguinte, ousam defender a superação do mesmo e propor um projeto de educação e sociedade diferente da atual; que rompa com os principais pilares da desigualdade: a propriedade privada, a divisão do trabalho e outras que agravam e perpetua a miséria, impedindo a efetivação do projeto educativo para as classes trabalhadoras.

CAPÍTULO IV

4 METODOLOGIA: REFERENCIAL E OPERACIONALIZAÇÃO DA