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As falhas das medidas de pobreza identificadas por Niemietz no contexto brasileiro

4. AS POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA NO BRASIL: DOS ANOS 1970 ATÉ OS

4.5. Algumas considerações sobre a política social brasileira

4.5.5. As falhas das medidas de pobreza identificadas por Niemietz no contexto brasileiro

As demais falhas das medidas relativas, registradas em A New Understanding of poverty, parecem também poder ser identificadas no contexto brasileiro; e, em certa medida, corroboram os argumentos de Niemietz (2010).

Segundo Niemietz (2010, pp. 147-148), o argumento que sustenta o domínio das medidas relativas também se justifica pela suposta capacidade de demonstrar a pobreza como um fenômeno fruto de um específico contexto nacional e histórico. Para o autor, esse intento se perde na linha de pobreza que, simplesmente, tem o condão de registrar uma média estatística da renda; e não a pobreza em si.

Afinal, o simples registro da modificação da distribuição de renda não demonstra as eventuais mudanças que ocorrem em relação às normas sociais e nos custos de participação social. Demais disso, as linhas de pobreza relativas baseadas no rendimento médio são sensíveis a um pequeno número de renda elevadas e, por isso, menos adequadas para dar uma noção do que é um rendimento médio (Niemietz, 2010, p. 149).

Ao descrever as falhas relacionadas à questão geográfica, Niemietz (2010) afirma que, quando utilizam o rendimento médio de todo um território nacional, as medidas relativas podem dar uma impressão de que o nível de vida depende de fenômenos nacionais. Essa impressão, no entanto, é falsa. Mas justifica a adoção de políticas igualitárias baseadas na redistribuição de renda unidas a um baixo crescimento.

No caso brasileiro, em razão da grande concentração de renda, a pobreza relativa brasileira é normalmente medida pelo coeficiente de Gini e não por um rendimento médio nacional. Esse detalhe técnico, contudo, não reduz o impacto que esse argumento tem sobre o contexto brasileiro.

Num país de fortes desigualdades regionais como o Brasil o nível de vida não será homogêneo em todo o território nacional. Do mesmo modo, os efeitos da redistribuição de renda não terão seus efeitos distribuídos em proporções equânimes por todo território nacional. A divulgação da retração do coeficiente de Gini transmite essa falsa impressão.

Também pode conduzir ao entendimento de que as políticas redistributivas aplicadas sem se conciliar com as particularidades regionais ou de estratos de residência atendem ao objetivo para o qual foram concebidos: diminuem desigualdade e pobreza.

Essa falha geográfica pode vir igualmente refletir-se sobre a avaliação dos resultados das políticas de redistribuição de renda. Ao ter-se em conta apenas a diminuição do coeficiente de Gini para todo o território nacional, limita-se a análise e deixa-se de ter em conta as características que particularizam a pobreza no Brasil. É o caso de se pensar, por exemplo, no modo como a pobreza e a desigualdade reagem em diferentes regiões e estratos de residência do país.

De acordo com o entendimento de Niemietz (2010) o padrão de vida e os hábitos de consumo variam de acordo com os grupos sociais analisados. As medidas relativas, no entanto, partem de um pressuposto de que esse padrão típico existe e que eles são determinados pelos hábitos de consumo dos assalariados. Para garantir que aqueles que não conseguem obter esse padrão de vida logrem obtê-lo, utilizam-se mecanismos de redistribuição de renda, mas isso pode não garantir que, numa grande parte das vezes, os beneficiários alcancem o referido padrão de vida. Essas considerações parecem ter aplicabilidade no Brasil, tendo em vista que as desigualdade regionais ajuntam-se aos diferentes custos de vida e à diversidade de hábitos e de culturas de sua população. No entanto, como ressalta Niemietz, considerar as diversidades de padrão de vida pode tornar difícil – ou mesmo impossível – a implementação de políticas no Brasil de combate à desigualdade e à pobreza.

Serve, no entanto, para avaliar as limitações que as medidas redistributivas possuem e que passam desapercebidas no discurso político. Comparando-se, por exemplo, os custos de vida das metrópoles e das residências localizadas em pequenas cidades, pode-se dizer, sem margem para dúvidas, que o impacto das transferências de renda são mais intensos na redução da desigualdade das famílias que moram nas pequenas cidades.

Como, contudo, elas são as políticas públicas dominantes e continuarão a ser adotadas em âmbito nacional, a crítica de Niemietz (2010) pode ser um elemento adicional em termos de avaliação das políticas públicas de modo a permitir observar as localidades onde podem ser estimulados outros mecanismos de combate à pobreza.

No que diz respeito ao mau uso do conceito de pobreza relativa, ela, por certo, existe no Brasil. É, portanto, comum que nos debates políticos a questão da pobreza como insuficiência de renda se confunda com a desigualdade. Afinal, como se disse, há um consenso de que o combate à

desigualdade é o caminho necessário para a erradicação da pobreza brasileira – em especial a absoluta.

O problema apenas deixa de ter as mesmas proporções que as indicadas no estudo de Niemietz porque no Brasil, a medida de pobreza relativa ainda não é um percentual sobre a renda média nacional. Como foi ressaltado anteriormente, com fundamento nos estudos de Barros, Henriques e Mendonça (2000) a concentração da renda brasileira tornaria inviável utilizar esse indicador. Por isso, o indicador para aferir a pobreza relativa é o coeficiente de Gini, que é usualmente conhecido como o mecanismo que mede a desigualdade brasileira e não a pobreza em si.

Ainda assim, é necessário reconhecer que desigualdade e a pobreza absoluta estão relacionados nos discursos dos principais meios de comunicação brasileiros e, igualmente, no discursos políticos. Deve ser ponderado ainda que, num momento em que as políticas de combate à pobreza estão estruturadas num modelo top-down, é difícil afirmar categoricamente que os políticos, especialmente os de nível estadual e municipal, utilizem em seus discursos outras concepções de pobreza que não aquela ditada pelas políticas atualmente vigentes. A política de transferência de renda é plataforma eleitoral daqueles que tem interesse de entrar no poder e daqueles que nele pretendem continuar (Alves & Moreira, 2004).

Como era de se esperar, o mesmo não pode ser dito em relação aos teóricos que analisam a pobreza brasileira. Isso, contudo, não parece ser uma questão isolada no Brasil, mas perceptível nas discussões da pobreza em âmbito mundial. Tal como ocorre nos países em desenvolvimento, a concepção multidimensional e as medidas que objetivam aferir a pobreza consoante essa noção de pobreza ganham espaço no Brasil. Por óbvio que diversas explicações podem contribuir para esse avanço da concepção multidimensional, em especial porque é difícil compreender a pobreza como um fenômeno unidimensional, tal como a insuficiência de renda pressupõe.

Uma hipótese que pode parcialmente explicar esse avanço é o engajamento dos países em desenvolvimento para atingir as metas do milênio traçadas pela Organização das Nações Unidas. No caso brasileiro, ainda que isso não seja uma meta explícita do governo, as ações de combate à pobreza parecem direcionadas para esse intento. É um ideal mostrar para o mundo que o Brasil avançou na economia e no âmbito social. Um elemento a corroborar com essa hipótese foi a ampliação dos programas de transferência de renda com o Plano Brasil sem Miséria, o aumento das transferências federais aos Estados com maiores percentuais de pobreza no Brasil (a exemplo do Maranhão).