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Os vícios das medidas de pobreza baseada na renda

2. O OLHAR DE NIEMIETZ SOBRE A POBREZA

2.3. As falhas e a omissão das medidas baseadas na renda e das medidas relativas consoante

2.3.1. Os vícios das medidas de pobreza baseada na renda

Tanto as linhas de pobreza absolutas quanto as relativas atribuem um papel central ao indicador renda. Assim, para além das fragilidades que podem ser imputadas ao método da formulação das linhas de pobreza e das diferentes formas de agregar as informações num único índice, elas estão sujeitas às fragilidades inerentes ao uso da variável renda.

Em breve síntese, os focos do nono capítulo do estudo empreendido por Niemietz (2010, p. 123 e ss.) são (i) destacar as falhas encontradas nas medidas de pobreza que se fundam nos rendimentos; e (ii) sustentar que a formulação das estatísticas acerca da pobreza passem a se fundar em dados sobre as despesas.

Sobre o primeiro ponto, as luzes do autor vêm no sentido de revelar que as estatísticas de renda são sensíveis:

a. ao período contábil escolhido para a recolha dos dados;

b. à extensão do período contabilizado – quanto maior o período, menor os

índices de pobreza e quanto menor o período, maiores os índices;

c. aos grupos com alta volatilidade de renda; e

d. à maior dinâmica da economia.

Assim, em razão das profundas flutuações que podem ocorrer na renda, ao longo do tempo, a renda familiar, em um dado momento, não representará o rendimento familiar típico.

Ademais, para Niemietz, a renda é um indicador pouco informativo quanto aos padrões de vida das camadas que ocupam a parcela inferior da distribuição de rendimento. A corroborar com esse entendimento está a conclusão de Brewer et al. (2009a apud Niemietz, 2010, p. 123) de que a influência da renda sobre o padrão de vida diminuiu com o tempo e que só se torna relevante em duas condições: (i) se dois agregados familiares desfrutam do mesmo padrão de vida em outras medidas de pobreza e (ii) se os padrões de vida aumentaram de forma linear com a renda. Nenhuma dessas duas condições, contudo, sustenta-se na metade inferior da distribuição

Para que se tenha ideia das incongruências que se pode ter quando se leva em conta a renda para interpretar padrões de vida, Niemietz (2010, p. 126) explica que da metade da distribuição para baixo os padrões de vida caem – como era de se esperar. Porém, à medida que se aproxima do fundo, os padrões crescem novamente. Isso ocorre, no entender do autor, porque na metade inferior da distribuição os (mesmos) padrões de vida se espalham para qualquer nível de rendimento.

O reconhecimento dessas impropriedades leva Niemietz a defender o uso de medidas de pobreza baseadas na despesa. Ele aduz que, ainda que as estatísticas baseadas na despesa possam padecer de algumas das mesmas falhas que as baseadas na renda e tenham suas próprias deficiências, elas estão menos sujeitas às influências da volatilidade da renda, da escolha do período e da extensão da recolha de dados.

Essas vantagens são, inclusivamente, amparadas pela “hipótese da renda permanente” de Friedman segundo a qual “[...] os padrões de vida não flutuam com mesma magnitude que a renda” (Niemietz, 2010, p. 126, tradução nossa). Assim, ao estabelecerem-se estatísticas baseadas em dados de despesa, um novo panorama se desenha sobre a narrativa da pobreza do Reino Unido. Nele se reconhece uma linha ascendente quase linear ao longo do tempo e que só recentemente se achata.

Para o décimo inferior, as diferenças do panorama também são marcantes. Em vez das variadas oscilações da renda no decorrer do tempo, observa-se uma evolução considerável, mas sem grandes oscilações.

Laderchi, Saith e Sttewart (2003, pp. 8-9) e Rocha (2006a) parecem concordar com Niemietz, tanto assim que defendem que melhor que medir a renda seria medir a despesa ou o consumo pelos mesmo motivos invocados em A New Understanding of Poverty. Rocha (2006a, p. 45) relaciona cinco motivos que ratifica a defesa do uso de dados relacionados ao consumo/despesa/orçamentos das famílias pobres. São eles:

i. permite melhor compreensão da condições de vida, a partir da distribuição da despesa;

ii. as despesas das famílias refletem suas rendas permanentes;

iii. melhor estimativa da pobreza;

iv. subestimação das rendas informadas em Censos e pesquisas domiciliares;

v. permitem melhor caracterização sócio-econômica dos pobres (ex: acesso a serviços

básicos, moradia, inserção no mercado de trabalho).

Laderchi, Saith e Stewart (2003, p. 8), como Niemietz, circunstanciam que, como as medidas baseadas na renda incluem apenas recursos privados, elas acabam por omitir as rendas sociais. Em que pese essa omissão, os autores consideram que incluir as rendas sociais para mensuração da pobreza, através de linhas de pobreza, poderia levar a um enviesamento nas escolhas políticas em

favor da geração de renda privada ou a um enviesamento na identificação do pobres de modo a direcioná-la para fins privados.

De acordo com Laderchi, Saith e Stewart (2003, p. 13), uma outra falha das medidas baseadas na renda é a de que elas têm uma natureza individual, ou seja, apenas refletem as rendas decorrentes de realizações individuais. Essa constatação faz com que concluam que essa abordagem exclui ou utiliza mecanicamente as interações sociais e suas interdependências, (assim, por exemplo, excluem as economias de escala que podem se estruturar entre as famílias).

Ainda no que concerne ao uso da renda como medida da pobreza, Rocha (2006a, p. 17) menciona que os indivíduos, ao informar as suas rendas, tendem subestimá-la, o que implica superestimar a incidência de pobreza.