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As famílias democráticas e plurais: o modelo brasileiro

3. AS FAMÍLIAS, O DIREITO AO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA

3.1 O direito fundamental de constituir família: liberdade de escolha

3.1.2 As famílias democráticas e plurais: o modelo brasileiro

Pela interpretação da CFB, com base no direito fundamental de constituir família, podemos afirmar um modelo democrático e plural brasileiro de família, que pressupõe uma pluralidade de arranjos familiares possíveis, na medida em que nenhuma família deverá ter hierarquia superior, pois todas representam o mesmo potencial de desenvolver suas funções, como cuidado, educação e solidariedade151.

Nesta esteira, Paulo Lôbo refere que são muitos os tipos de organizações familiares pela interpretação da CFB, além daquelas estabelecidas constitucionalmente. A tipicidade das relações familiares é aberta, compreendendo, entre outras, as seguintes situações: a) um casal heterossexual casado e os filhos biológicos (a chamada família nuclear); b) um casal heterossexual casado e os filhos biológicos e adotivos, ou somente adotivos; c) um casal heterossexual vivendo em união estável com os filhos biológicos; d) um casal heterossexual vivendo em união estável com os filhos biológicos e adotivos, ou somente adotivos; e) comunidade monoparental, formada pela mãe ou pai e os filhos biológicos; f) comunidade monoparental formada pela mãe ou pai e os filhos biológicos ou adotivos, ou somente adotivos; g) comunidade formada por parentes, sem pai ou mãe; h) comunidade de pessoas sem parentesco que vivam juntas permanentemente, unidas pelos laços de afetividade, sem caráter sexual ou econômico; i) uniões de pessoas do mesmo sexo; j) união concubinária, na existência de impedimentos para o matrimônio, de um ou ambos componentes, com ou sem filhos; l) comunidade

150 PAMPLONA CORTE-REAL, Carlos. O conceito de família e as famílias no direito português. In: Atas da conferência Famílias no plural: alargar o conceito, alargar o preconceito. Lisboa: ILGA Portugal, 2013. p. 155-156.

151 BODIN DE MORAES, Maria Celina. A Família Democrática. In: ANAIS V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/31.pdf>. Acesso em 13 de fev. de 2017.

composta com os chamados “filhos de criação”, sem laços biológicos ou adoção regular152.

Contudo, na ordem constitucional brasileira encontram-se apenas tuteladas as hipóteses mencionadas de a) a f), o casamento, a união estável e a família monoparental. Portanto, resta saber se as demais hipóteses encontram guarida para sua proteção jurídica no sistema jurídico brasileiro153.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenval argumentam que para analisar esta questão deve-se levar em conta o preâmbulo constitucional da CFB, que traduz o compromisso de assegurar os princípios e garantias fundamentais e sociais dos cidadãos, sendo que todo texto constitucional deve ser interpretado à luz dos princípios da liberdade e da igualdade, tendo sempre como “pano de fundo” o princípio da dignidade da pessoa humana154.

Por isso, referem que o art. 226 da CFB deve ser interpretado como não taxativo, na medida em que se busca proteger outras entidades familiares que não tipificadas, garantindo sua proteção. Porque afastar a proteção jurídica à uma família que não encontra tipificação constitucional, é ir contra os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, além de se tratar de uma discriminação à opção familiar de qualquer indivíduo155.

Neste plano, Rodrigo da Cunha Pereira sustenta a existência de um princípio da pluralidade das formas de família na ordem jurídica brasileira, porque o art. 226 da CFB garantiu proteção constitucional à todas as formas de família, independente de sua formação. Pois “a vida como ela é vem antes da lei jurídica”, eis que a CFB não denominou todas as formas de entidades familiares, sendo sua enumeração apenas exemplificativa156.

152 LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e cidadania: o novo CCB e a vacacio legis. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em 19 de jul. de 2016.

153 LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e cidadania: o novo CCB e a vacacio legis. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em 19 de jul. de 2016.

154 CHAVES DE FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias, 8ª ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2016, p. 73-74.

155 CHAVES DE FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias, 8ª ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2016, p. 74-75.

156 CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. São Paulo, Saraiva, 2012, p. 193-194. Neste sentido também Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que o princípio da pluralidade familiar é a marca do Direito de Família contemporâneo, decorrente dos valores democráticos e plurais introduzidos na maior parte dos ordenamentos jurídicos que decorrem das tradição romano-gemânica (NOGUEIRA DA GAMA, Guilherme Calmon.

Assim também concorda Maria Berenice Dias, ao afirmar que houve um alargamento constitucional do conceito de família, que não possui mais uma visão singular. Afirma a autora que “a consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operam verdadeira transformação na família”. A CFB reconheceu outras entidades familiares além das matrimonializadas, reconhecendo visibilidade jurídica às uniões estáveis e às famílias monoparentais, sendo este rol meramente exemplificativo. Por isso, não há como deixar de garantir visibilidade jurídica às uniões homoafetivas, bem como a família constituída pelos filhos sem a presença dos pais, entre outras formas de família157.

Ainda neste sentido, Renata Barbosa de Almeida e Walsir Rodrigues Junior assentem que para interpretar o Direito de Família brasileiro atualmente é importante verificar o verdadeiro significado de família, que deve ser visto como “um precioso instrumento voltado à tutela existencial das pessoas”. Pois “família é família desde que, satisfeitos os respectivos requisitos, concorra para a tutela da pessoa humana, não importando nem sua forma nem sua origem”158.

Portanto, as entidades familiares que preencham os requisitos de grupo de pessoas unidos por um tendencial afeto e pela virtual perdurabilidade do vínculo, diante de um vínculo público e socialmente relevante, serão constitucionalmente protegidas, pois a CFB tutela um conceito de entidade familiar aberto e inclusivo. Cada entidade familiar tem seu estatuto jurídico próprio, não encontrando-se equiparada ou subordinada à requisitos de outra159. Neste sentido, Paulo Lôbo afirma que:

Não se pode enxergar na Constituição o que ela expressamente repeliu, isto é, a proteção de tipo ou tipos exclusivos de família ou da família como valor em si, com desconsideração das pessoas que a integram. Não há, pois, na Constituição, modelo preferencial de entidade familiar, do mesmo modo que não há família de fato, pois contempla o direito à diferença. Quando se trata

Princípios constitucionais de Direito de Família: Família, Criança, Adolescente e Idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 136-137).

157 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 40-41.

158 BARBOSA DE ALMEIDA, Renata, RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson. Direito Civil: Famílias. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 45-46.

159 LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e cidadania: o novo CCB e a vacacio legis. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em 19 de jul. de 2016.

de família está a referir-se a qualquer das entidades possíveis. Se há família, há tutela constitucional, com atribuição idêntica de dignidade160.

Atualmente o modelo brasileiro de família é representado pela a família democrática e plural, diante da intepretação da CFB. Pois toda e qualquer entidade familiar que preencha os requisitos de tendencial afeto e virtual perdurabilidade do vínculo, diante de um vínculo socialmente relevante, merece proteção jurídica, garantindo-se assim a proteção da dignidade da pessoa humana, a liberdade e o livre desenvolvimento da personalidade dos membros da relação jurídica familiar, bem como a autonomia da vontade para a livre escolha entre os modelos familiares existentes.