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As uniões homoafetivas no Brasil: omissão legislativa e ativismo judicial

4. AS RELAÇÕES JURÍDICAS FAMILIARES DE TIPO HORIZONTAL:

4.1 O casamento

4.1.3 O casamento entre pessoas do mesmo sexo: a eliminação do requisito de

4.1.3.2 As uniões homoafetivas no Brasil: omissão legislativa e ativismo judicial

Contudo, no Brasil a situação é diferente de Portugal, pois o casamento homoafetivo289 ainda não foi tipificado pela legislação existente290. Não existe proibição, mas também nenhum tratamento específico para o tema. O único dispositivo legal que suscita proibição da união homoafetiva é o art. 1723 do CCB que regulamenta a união estável e estabelece que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Neste sentido, Maria Berenice Dias assevera que a proibição e falta de legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil afronta o princípio da igualdade previsto na CFB. Porque a CFB proíbe a discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade ou qualquer outra forma de discriminação expressamente em seu art. 3º, IV. Trata-se do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, e dos princípios da igualdade e da liberdade. A norma constitucional do art. 226 é inclusiva, apenas podendo excepcionar as relações homoafetivas como entidades familiares se houvesse previsão expressa para isto. Pois “não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões de pessoas do

289 Expressão utilizada pela doutrina brasileira para determinar a união entre casais do mesmo sexo, porque o termo afetivo retira o caráter sexual que possui a palavra homessexual, demonstrando a prevalência da afetividade entre estes casais.

290 Tramita no Senado Federal Brasileiro o Projeto de Lei nº 612, de 2011, de autoria da Senadora Marta Suplicy, que tem como objetivo alterar os arts. 1723 e 1726 do CCB para permitir o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em 08/03/2017.

mesmo sexo infringe o princípio da igualdade, escancarando postura discriminatória ao livre exercício da sexualidade”291

Diante da omissão legislativa, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão inédita292, julgou procedente ação, com efeito erga omnes e vinculante, para que o art. 1.723, do CCB, seja interpretado em consonância com a CFB, reconhecendo como entidade familiar a relação pública, contínua e duradoura entre pessoas do mesmo sexo, sendo sinônimo de “família”.

Nesta esteira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento na dignidade da pessoa humana, no princípio da liberdade, igualdade e solidariedade, admitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois “a dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade, e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias da proteção jurídica representada pelo casamento”293.

Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a Resolução nº 175/2013294, para que todos os cartórios brasileiros promovessem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, mesmo diante da omissão legislativa, no Brasil, é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo em plenas condições de igualdade295.

Neste sentido, Marianna Chaves refere que, diante da omissão do Poder Legislativo brasileiro em legislar sobre um tema tão importante como as uniões homoafetivas, o Poder Judiciário foi chamado para atender “a demandas da sociedade que não puderam ou não quiseram ser cumpridas pelo Legislativo em searas de grande repercussão, como foi o caso das uniões homoafetivas”296. Assente que:

Não se pode dizer, em momento algum, com razoabilidade que o Judiciário usurpou o que era tarefa do Legislativo. O Judiciário simplesmente agiu,

291 DIAS, Maria Berenice. A invisibilidade das uniões homoafetivas e a omissão da justiça. In: Escritos de Direito das Famílias: uma perspectiva luso-brasileira. Coordenação Maria Berenice Dias e Jorge Duarte Pinheiro. Porto Alegre: Magister, 2008, p. 11-13.

292 STF, Ac. Unân. Tribunal Pleno, ADIn 4277/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 05.05.2011, DJe 14/10/2011.

293 STJ, Ac. 4ª T., REsp. 1.183.378/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 25/10/2011.

294 A Resolução nº 175/2013, do CNJ, determina em seu art. 1º: “É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

295 CHAVES DE FARIAS, Cristiano, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias, 8ª ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2016, p. 178-179.

296 CHAVES, Marianna. O reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a questão do ativismo judicial. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº2, p. 746.

enquanto o Legislativo se fingia de morto e sonegava direitos a uma imensa parcela dos cidadãos brasileiros297.

Existem inúmeros projetos de lei tramitando perante o Poder Legislativo que buscam regulamentar as uniões homoafetivas desde 1995, contudo até hoje nenhum deles foi aprovado. Sendo assim o Poder Judiciário foi chamado pela via processual para se manifestar sobre a questão, contudo os magistrados não possuem a faculdade de se manifestar ou não sobre o tema. Na verdade o que se discute, foi o ativismo judicial298 do STF ao decidir sobre tema que deveria ser abordado pelo Poder Judiciário, se estaria afrontando o princípio da separação dos poderes299.

Sendo assim, Marianna Chaves argumenta que o eventual ativismo judicial nesta decisão do STF é justificado pela omissão legislativa em relação à questão das uniões homoafetivas. Assevera que “deve-se fazer uso do ativismo judicial apenas em último caso, mas, na situação em tela, nada mais parecia poder ser feito”, pois estavam sendo desrespeitados e sonegados direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, pois o maior papel do STF é a promoção e proteção dos direitos fundamentais de todos300.

Portanto, o STF, por possuir responsabilidade institucional e o poder de proteger as minorias contra abusos de grupos majoritários, ou ainda contra omissões praticadas pela maioria contra a minoria, mostra-se relevante e plenamente

297 CHAVES, Marianna. O reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a questão do ativismo judicial. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº2, p. 746.

298 Luís Roberto Barroso ensina o seguinte sobre o ativismo judicial: “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de

políticas públicas” (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em:

<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em 08 de mar. de 2017).

299 CHAVES, Marianna. O reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a questão do ativismo judicial. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº2, p. 750.

300 CHAVES, Marianna. O reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro e a questão do ativismo judicial. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Ano 1 (2012), nº2, p. 752-753.

pertinente a decisão que concedeu direitos às uniões homoafetivas301. Por fim a autora assegura que

Assim, não há como se contestar a legitimidade jurídico-constitucional da decisão proferida pela Corte constitucional brasileira, que se traduz em um prestígio pela Lei Fundamental e pelos princípios nela insculpidos, e na materialização do verdadeiro Estado Democrático de Direito302.

Assim, mesmo diante da omissão legislativa brasileira no que diz respeito às uniões homoafetivas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo atualmente é permitido pela intepretação dos tribunais, e pelo ativismo judicial praticado pelos magistrados, na medida em que buscou-se potencializar a CFB, para cumprir o pressuposto da dignidade da pessoa humana, baseado nos princípios da liberdade, igualdade e solidariedade.

Por isso, mesmo no silêncio e inércia do legislador, o STF cumpriu o seu papel e garantiu igualdade de tratamento aos casais homoafetivos.