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CAPÍTULO 1 – Princípios teóricos

2.4 As filmagens e as fotos

A filmagem das práticas escolares e das conversar/entrevistas foi considerada instrumento privilegiado. Além de ter a flexibilidade para rever alguma cena, ou algum dado, também possibilitou o registro das diversas formas de linguagem, impossíveis de serem transcritas com tantos detalhes durante o momento de observação. Goulart (2005), em sua pesquisa de doutorado, relata que “a complexidade do que ocorre no momento em que o observador está coletando o dado é outro argumento que milita a favor do uso do vídeo, que captura o evento de maneira muito mais precisa que outras formas de notação” (p. 87). Corroborando com essa hipótese, Corsaro (2011) nos diz que:

a gravação audiovisual é útil para documentar as culturas infantis porque muitas de suas brincadeiras são não verbais, mas rápidas e altamente complexas. Como resultado, é muito difícil capturar a densidade e a complexidade das brincadeiras em notas de campo (CORSARO, 2011, p. 67).

Assim como Corsaro (2005/2011) nos aponta, também consideramos as demais práticas vivenciadas no ambiente escolar complexas e de difícil apreensão para utilizarmos apenas o registro escrito. Uma vez que, ao iniciar a pesquisa de campo, ainda não tínhamos definido qual seria a prática escolar em que aprofundaríamos nosso olhar, pudemos, através das filmagens, resgatar os detalhes ocorridos durante quaisquer práticas. Caso não tivéssemos

lançado mão das filmagens, seria praticamente impossível o registro de tantos detalhes em uma determinada prática escolar.

A filmagem, assim como a fotografia, é para Kramer (2002) “um constante convite à releitura, a uma forma diversa de ordenar o texto imagético. Pode ser olhada, muitas vezes, em diferentes ordens e momentos, pode ter outras interpretações” (p. 52). Assim, decidimos pela utilização de filmagens, o que facilitou bastante nossas descrições, interpretações e análises.

Começamos a fazer uso do registro por filmagem tão logo tivemos o consentimento dos responsáveis pelas crianças daquela turma, bem como da professora, da auxiliar e da direção da Escola, assinados através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – (APÊNDICE C). Inicialmente, buscamos registrar todas as práticas vivenciadas pelo grupo. Ao passo que ia filmando, íamos discutindo sobre elas e uma possível seleção de práticas escolares para um melhor direcionamento da pesquisa. E assim, após o primeiro mês de filmagem, já fomos direcionando mais o olhar e o que filmaríamos.

Descartamos filmagens em espaços fora da sala de aula, onde as crianças não tinham um direcionamento sistemático, nem a presença da professora, ou seja, onde as crianças se expressavam mais livremente e estavam sob o olhar de outro profissional,21 sem ser a professora regente. Nossa intenção era apreender cenas de práticas escolares mais preponderantes dentro do contexto da sala de aula.

Os profissionais da Escola BV já faziam uso habitual de filmadoras e máquinas fotográficas durante as diversas práticas desenvolvidas pela escola. Muitos dos registros feitos pela professora sobre alguma prática escolar ou desenvolvimento da turma eram realizados através de filmagens. Esses registros de imagens eram usados de diferentes formas na escola: para socialização de trabalhos entre professores ou entre turmas, para compor o mural externo da sala de aula, em reunião de pais, em discussões nas reuniões de professores e demais possibilidades vislumbradas pela escola. Dessa forma, o uso da filmadora por mim em sala de aula era familiar ao grupo e foi extremamente tranquilo.

Ao filmar alguma prática, as crianças agiam como se aquela filmagem fizesse parte dessa atividade devido ao uso recorrente que a escola já fazia de tal instrumento em sala de aula. Raramente alguma criança pedia para ver o que eu estava filmando e em nenhum momento houve a pergunta: “O que é isso?” ou “O que você está fazendo?”, diferentemente de outros relatos de pesquisa com crianças (NEVES, 2010; DOMINICI, 2014; SANTOS,

2013). As perguntas mais frequentes durante a filmagem eram: “O que você está filmando?”; ou alguma criança já chegava para me contar sobre o que estavam fazendo durante minha filmagem, pois sabiam que minha intenção era entender o que elas faziam em sala de aula. Assim, apesar de ainda pequenas (4 ou 5 anos de idade), a familiarização com instrumentos de filmagem em sala de aula era um recurso cotidiano para as crianças.

Com essa aproximação entre as crianças e o uso de filmadora ou máquina fotográfica em sala de aula, pude transitar melhor na sala e entre os grupos de crianças durante as práticas escolares. Contudo, mesmo com essa facilidade, também fizemos uso, em alguns poucos momentos, de uma câmera fixa, lançando mão, assim, de duas câmeras simultaneamente. A utilização da câmera fixa acontecia quando havia vários grupos engajados em uma prática que poderia ser reveladora para o nosso estudo. Assim, na tentativa de não perder oportunidades de captura de dados em situações consideradas interessantes, lançamos mão do recurso da câmera fixa. Com as filmagens em mãos, também pudemos utilizar determinados eventos de filmagem realizada como artefato para tentar desencadear uma conversa com a criança sobre uma prática específica. Acreditamos que, ao se verem falando sobre algo, poderiam explanar melhor suas ideias, como exemplificamos anteriormente a conversa entre a pesquisadora e a criança Anderson sobre o jogo “Quantos tem”.

As fotos, usadas como registro de informação ou análise de dados, foram capturadas de imagens congeladas de alguma filmagem ou foram feitas a partir de máquina fotográfica. A opção por usar máquina fotográfica foi devido à sua melhor qualidade, em relação às imagens obtidas pela foto da filmadora. Um exemplo de foto feita a partir de máquina fotográfica foi quando utilizada para ilustração do registro da rotina já finalizado no quadro para compor um dos quadros para análise desta pesquisa.

Por fim, ao utilizar nossos instrumentos de pesquisa, privilegiamos as considerações de Ana Cristina Delgado e Fernanda Muller (2005) sobre a dimensão ética:

o uso de fotografias ou filmagem, as entrevistas com crianças e as análises dos dados segundo um ponto de vista adulto é algo autoritário. Podemos negociar com as crianças todos os aspectos e etapas das investigações: a entrada no campo e nossos objetivos, quais crianças querem realmente participar da pesquisa e contribuir com a coleta de dados. Alderson (2000) convida-nos a entender que crianças também são produtoras de dados, e podemos negociar com elas a divulgação das informações que obtemos nas pesquisas (DELGADO e MULLER, 2005, p. 355).

Esse respeito para com as crianças como objeto de pesquisa tem sido elemento de preocupação há mais de uma década (KRAMER, 2002). Sendo assim, acompanhamos essa preocupação e nos esforçamos para respeitá-la em todos os âmbitos.