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As guerras de independência de Angola e Moçambique na memória de luso-africanos

residentes no Brasil

Isabel de Souza Lima Junqueira Barreto*

Introdução

No ano de 1975, o Brasil recebeu um grande contingente de imigrantes vindos das ex-colônias Angola e Moçambique, sobretudo da primeira. A causa desse grande fluxo migratório está nas independências das antigas colônias portuguesas e no início de suas guerras civis. Outro fator de importância é a Revolução dos Cravos, em Por- tugal. O dia 25 de abril de 1974 marcou o fim do Estado Novo em terras lusas.

Em abril de 1974, com a queda do regime autoritário, são cria- das as condições para uma rápida descolonização. O caráter abrupto das mudanças então desencadeadas, a incapacidade de o Estado português assegurar um controlo (sic) eficaz do pro- cesso de transição para a independência bem como, em alguns casos, a situação de guerra civil e o confronto racial visando a uma rápida “africanização” do poder econômico e político, vão provocar, durante o ano de 1975, o êxodo dos portugueses radi- cados nas colônias (...)1

As comunidades luso-africanas imigraram para três destinos principais: Por- tugal, Brasil e África do Sul. Os estudos acerca do tema, tanto no Brasil como em Portugal, são poucos. Para a inserção de luso-africanos no Brasil temos os estu- dos de Zeila Demartini e Daniel Cunha e a dissertação de mestrado de Cláudia Cardoso,2 todos do Departamento de Sociologia da USP. Os primeiros apontam, em

um de seus artigos sobre o tema, que, no período considerado, chegaram em torno de 20 mil Imigrantes. Muitos desses, na contramão dos que para cá vieram após um período na metrópole, se dirigiram para Portugal.

* Doutoranda do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.

1 PIRES, Rui Pena. “O regresso das colônias”, in BETHENCOURT, Francisco e CHAUDURI, Kirti

Chauduri (orgs.), História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, p. 184.

2 CARDOSO, Cláudia Raquel Espinha. Diáspora e regresso: os imigrantes luso-angolanos no

Brasil. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, 2008.

Embora não existam dados precisos sobre o número de colonos portugueses exilados e refugiados de Portugal e África para o Brasil nesse período, sabe-se que desembarcaram aos milha- res em solo brasileiro (OITENTA ANOS, 1992). Como recordam alguns de nossos entrevistados vindos de Angola na altura das independências de Moçambique e Angola, em 1975 chegaram ao Brasil em torno de 20 mil pessoas fugindo dessas ex-colônias; muitos dos que para cá vieram decidiram depois ir recomeçar suas vidas na antiga metrópole ou em muitos outros países. A ausência ou indisponibilidade de dados oficiais no Brasil sobre tais fluxos é um grande problema.3

Na historiografia brasileira, não há notícias de trabalhos acerca dessa temá- tica. A pesquisa que se inicia procura dar continuidade aos estudos iniciados em São Paulo. Como não há muitas fontes disponíveis sobre o tema, dado seu caráter recente, a pesquisa se pautará na história de vida desses imigrantes.

A colonização portuguesa

Propomo-nos a pesquisar esse grande fluxo migratório de portugueses e/ ou seus descendentes para o Brasil, um dos seus possíveis lugares de destino, e recuperar a memória das guerras de independência e do êxodo. Nosso foco principal é a cidade do Rio de Janeiro. Em Portugal, os estudos de Margarida Calafate Ribeiro4, Rui Pena Pires5 e Cláudia Castelo6 problematizam a história

desse grupo. A primeira foca no retorno dos colonos a Portugal. A segunda, na imigração lusa para Angola e Moçambique em fins do século XIX até o início dos anos 1970. Vale a pena citar também a contribuição de Rui Pena Pires à histó- ria da expansão portuguesa7 e um artigo da antropóloga portuguesa Cristiana

3 DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri e CUNHA, Daniel de Oliveira. “Os colonos da África Portu-

guesa sob o regime colonial e seu deslocamento para o Brasil no pós-independência”, in Cadernos CERU, v. 19, n. 1, São Paulo, 2008, p. 122.

4 RIBEIRO, Margarida Calafate. Uma história dos regressos: império, guerra colonial e pós-

-colonialismo. Porto: Edições Afrontamento, 2004.

5 PIRES, Rui Pena. Os Retornados. Um Estudo Sociográfico, Lisboa, Instituto de Estudos para

o Desenvolvimento, 1987; PIRES, Rui Pena. “O regresso das colónias”, em Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (orgs.), História da Expansão Portuguesa, volume 5, Lisboa, Círculo de Leitores, 1999, pp. 182-196 e 212-213, entre outros.

6 CASTELO, Cláudia. .Passagens para a África: o povoamento de Angola e Moçambique com

naturais da metrópole. Porto: Edições Afrontamento, 2007. E CASTELO, Cláudia. O modo portu- guês de estar no mundo. O luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 1999.

Bastos sobre o princípio da colonização do planalto sul de Angola na década de 1880.8 Assim sendo, para a melhor problematização do objeto da pesquisa é

imperativo recorrermos à história da colonização branca, bem como à montagem da estrutura de dominação colonial após as “guerras de pacificação” de Angola e Moçambique, para que possamos compreender o êxodo e a escolha do Brasil como destino final de uma parte desses colonos.

A década de 1880 foi o primeiro período de grande fluxo migratório para as colônias africanas. Nessa década, migrantes empobrecidos foram mobilizados pelo governo português da Ilha da Madeira para ocuparem regiões de fronteira e garan- tir a Portugal a posse do território sul de Angola, mais especificamente as regiões de Moçamedes, Benguela, Malange e da Huíla, que, assim como Moçambique, era alvo de disputas entre Estados europeus na competição pela África,9 Na década de

1920, deu-se o fim das “guerras de pacificação”, como eram chamados os conflitos que visavam a conquista pelas autoridades portuguesas. Como uma consequên- cia direta da ação militar promoveu-se a instalação de uma administração colonial efetiva. Esta, por sua vez, formulou políticas de colonização para o recebimento de colonos em caráter permanente. Angola e Moçambique eram as principais colônias portuguesas no continente africano a caracterizar-se como núcleos de povoamen- to. Juntas, as duas ex-colônias atraíam 90% da migração para todo o ultramar.10

Nas décadas de 1950 e 1960,11 que seriam o ápice do Terceiro Império Português

(1825-1975), houve um aumento significativo do número de colonos imigrados de- vido a políticas de incentivo. Esta nova leva de imigração era diferente daquela que se destinava ao continente negro nas primeiras décadas do século XX, marcada- mente camponesa e analfabeta. Diferente daquela, a mão de obra era agora em grande parte qualificada e imigrava não apenas por subsistência, mas também por oportunidades que prometiam realização pessoal. Para isso contribuiu a procura desse tipo de trabalhadores que se estendeu pela década de 1970.

Já a orientação da emigração para a África não era consensual. Embora te- nha crescido no início do século XX, o contingente de imigrantes rumo ao ultramar nunca ultrapassou a corrente para o Brasil, permanecendo até meados dos Nove- centos um destino secundário. Apesar das indecisões e ambiguidades da política

História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, vol. 5, 1998.

8 BASTOS, Cristiana. “Maria Índia, ou a fronteira da colonização: trabalho, migração e polí-

tica no Planalto Sul de Angola”, in Horizontes Antropológicos, vol. 15, n. 31. Porto Alegre: Jan\jun. 2009, p. 51-74.

9 Op. cit., p. 51.

10 CASTELO, Cláudia. Passagens para a África: o povoamento de Angola e Moçambique com naturais da metrópole. Porto: Edições Afrontamento, 2007, p. 3.

de colonização branca, entre meados do século XIX e 1920 a evolução do número de brancos em Angola (sobretudo) e em Moçambique foi positiva. Na década de 1920, o primeiro contava com 20.700 imigrantes e o segundo, com 11 mil.12

Após a Primeira Guerra Mundial, registrou-se um boom de colonização bran- ca para ambas as colônias. Os imigrantes que para lá se dirigiram, num primeiro momento, eram no geral pessoas sem especialização, analfabetas e desprovidas de capital. Isso levou o governo de Lisboa a crer que eles deveriam ser sustenta- dos pelo orçamento colonial.13 Chegando ao seu destino, os colonos viam-se num

meio desconhecido, enfrentando a hostilidade das populações locais e entrando em choque de interesses com a metrópole.

No caso de Moçambique, no primeiro dos projetos, da década de 1920, op- tou-se pelo plano de construção de uma barragem ao sul do rio Cuija, que ocasio- naria a expansão do caminho de ferro até a Rodésia do Sul. Devido à crise econômi- ca pela qual passava Portugal naquela década, o projeto foi substituído por outro, que previa a exploração de uma área de 70 mil hectares irrigados, a serem traba- lhados por 150 famílias de colonos. O plano previa também a construção de uma central elétrica e 105 quilômetros de ferrovia, além das fábricas de transformação de arroz, cana-de-açúcar e algodão. Este segundo plano deveria ter sua execução iniciada em 1935, mas foi adiado por duas vezes. Na primeira, para ser incluído no plano de fomento do ano de 1937 ― que também foi adiado, pois desenrolava-se então a Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, o primeiro dos dois pro- jetos foi retomado.14

Formularam-se outros três projetos. Um deles previa o desenvolvimento do vale do rio Incomati, incluindo a irrigação de uma área de 95 mil hectares. Um ou- tro projeto visava ao desenvolvimento da bacia do rio Revubwe, próximo à frontei- ra com a Rodésia, e seriam irrigados 30 mil hectares. O último previa a construção, na década de 1960, da barragem de Cabora Bassa, no rio Zambeze, ao norte. Todos esses projetos eram destinados a congregar vários aspectos do desenvolvimento. Forneceriam energia elétrica, sobretudo para a Rodésia e a África do Sul.

Como consequência, haveria a criação de uma infraestrutura de transpor- tes, tais como estradas e ferrovias; a água seria empregada na irrigação e, por fim, as cheias desses rios poderiam ser controladas. Tudo seria impulsionado

12 Ibidem, p. 56.

13 NEWITT, Malin. História de Moçambique. Mem Martins: Biblioteca da História, Publica-

ções Europa América, 1997, p. 404.

com o emprego da mão de obra imigrante oriunda das regiões rurais da metró- pole. Com isso, Salazar planejava reproduzir nas diferentes regiões de Moçam- bique a família católica portuguesa rural, que para ele era onde repousava a força do Estado Novo.15

Já na década de 1940, como não dispunham de meios para arcar com os custos da viagem, os colonos recebiam uma passagem gratuita. Com o desenvolvi- mento dos colonatos ― como ficaram conhecidas as regiões onde foram implan- tados os projetos anteriormente mencionados ―, na década de 1950, os colonos que lá chegaram receberam empréstimos e subsídios para se instalarem. Uma ou- tra característica dessas áreas seria a não exclusividade do branco. Este conviveria com camponeses africanos. Ambos trabalhariam lado a lado. O objetivo disso era a propaganda, mostrar que não havia nas colônias portuguesas a discriminação étni- ca presente nas colônias britânicas da Rodésia e do Quênia. Outro objetivo era criar uma classe de agricultores oriundos das populações locais, que seriam, a longo prazo, defensores do regime após terem sido assimilados por meio da educação.

A sociedade colonial era hierarquizada. Os fundamentos desse regime se as- sentava, desde os tempos da Geração de 1895,16 no trabalho como meio mais efi-

caz de “civilizar” o africano e, dessa forma, obter “gradualmente e com suavidade a transformação de seus usos e costumes, a valorização da sua atividade e a sua integração no organismo e na vida da colônia, prolongamento da mãe pátria”.17

Esses princípios foram recuperados no Acto Colonial de 1930, que era composto por quatro títulos principais: “Garantias Gerais”, “Indígenas”, “Regime Político e Ad- ministrativo” e “Garantias Econômicas e financeiras”. O Acto iniciava-se com uma justificativa:

15 NEWIT, Malin. Idem.

16 Trata-se de um grupo de oficiais de carreira do Exército português que, no século XIX,

atuavam juntos em Moçambique e foram responsáveis pela conquista do Estado de Gaza, sul do país, em 1895, após uma série de batalhas contra o Exército local, assim traçando as linhas do que viria a ser a política colonialista do Estado português por boa parte do período colonial do século XX. Entre os formuladores dessa política destaca-se: o oficial Eduardo Augusto Ferreira da Costa; Antonio Enes, o único civil do grupo, comissário régio no que é hoje Moçambique e autor do relatório Moçambique 1893, em que mostrava a melhor forma de administrar a colônia e suas populações; Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, o “herói de Chaimite”, como ficou co- nhecido pelo evento da deposição e prisão do último grande soberano que não havia sido subme- tido pelos portugueses, na região de Gaza, sul de Moçambique; Aires de Ornelas; e Caldas Xavier. As ideias desse grupo eram marcadas pelo darwinismo social, corrente do racismo científico. Em sua essência baseavam-se na superioridade branca frente aos demais povos, vistos como natural e irremediavelmente inferiores.

17 LÉONARD, Yves. “O império colonial salazarista”, in BETHENCOURT, Francisco e CHAUDU-

É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é atribuída pelo padroado do oriente.18

Esses princípios mantiveram-se intactos até 1954, quando foi adotado um “novo” estatuto, que seria revogado em 1961, pelo então ministro do Ultramar Adriano Moreira. Essa hierarquização, que é também um modo de assimilação fundada na prática num regime de trabalho forçado, que muito se assemelhava à escravidão, gerou ao longo de toda a primeira metade do século XX tensões entre colonialistas, colonos e as populações locais. Tais tensões eclodiram, na década de 1960, em forma de guerrilhas, que deram início à luta pela independência (1961 em Angola e 1964 em Moçambique).

No caso moçambicano, a imigração da população de origem europeia come- çou após dez anos de guerra, em 1974, como consequência direta do Acordo de Lusaca. Assinado em 7 de setembro de 1974, esse acordo marcou a data da inde- pendência formal de Moçambique para 25 de junho do ano seguinte, e foi assinado entre o novo governo português e a Frente para a Libertação de Moçambique, FRELIMO, reconhecida pelos portugueses como representante legítima do povo moçambicano. Essa postura deixou descontentes outros movimentos que lutavam pela independência, como a COREMO, a UDENAMO e, mais tarde, a RENAMO e movimentos formados por representantes da comunidade branca, como os Fe- deralistas, a Convergência Democrática, a Frente Independente de Convergência Ocidental (FICO) e os Democratas de Moçambique, grupo que, após o abandono de vários fundadores, apoiou a FRELIMO. No fim de outubro, 15 mil colonos haviam se instalado na África do Sul, e calcula-se que, entre 1974 e 1977, dirigiram-se para Portugal cerca de 160 mil colonos.19

No caso angolano entre 1921 e 1924, período em que ocupou o cargo de alto-comissário da república em Angola, Norton de Matos procurou começar a pôr em prática um programa de povoamento mais efetivo da colônia. A missão históri- ca de civilizar os povos africanos, na sua visão, não era possível sem a implantação de colonos brancos naquelas terras, e não só em Angola, mas em toda a África

18 Op. cit., p. 17.

19 PINTO, Antonio Costa. “A guerra colonial e o fim do Império Português”, in BETHEN-

COURT, Francisco e CHAUDURI, Kirti. História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, vol. 5, 1998, pp. 93 e 94.

Portuguesa. Enquanto não houvesse condições estruturais e econômicas para a instalação de famílias no interior, Norton de Matos defendia que se instalassem comunidades de pescadores no litoral, visto que o resultado econômico seria ime- diato. Tal projeto, entretanto, também exigia um grande investimento inicial por parte do Estado. A imigração defendida pelo alto-comissário não deveria ser um processo em massa, mas disciplinado e preparado na metrópole.

Um dos aspectos dos planos de Norton de Matos era a exclusão da mão de obra autóctone nas comunidades de imigrantes lusos. O povoamento branco deveria ser feito com famílias. O projeto imigrantista era defendido também por João de Almeida, ministro das Colônias por alguns dias em 1926, e anteriormente governador da região da Huíla. Por meio da imigração seriam levados também tra- dições, costumes e hábitos que transformariam Angola em um prolongamento de Portugal. A ocupação seria feita via colônias de exploração agrícolas, oficinas e fei- torias comerciais, mediante a expropriação das terras das populações nativas. Mas pouco foi feito de prático. Em 1943, apesar da defesa da colonização branca por parte das autoridades coloniais em Angola, o processo ainda era muito incipiente.

Enquanto isso, em Portugal, na primeira metade dos anos 1950, cerca de 50% da mão de obra dedicava-se ao setor primário, realizando uma agricultura de semissubsistência. A indústria pesada e a produção manufatureira eram pratica- mente insignificantes, o setor consumidor, limitado e, no que se refere às expor- tações, predominavam produtos primários. Por conta disso, segundo dados apre- sentados por Carolina Peixoto, o nível de vida da população era o mais baixo da Europa Ocidental, a taxa de mortalidade infantil era a mais alta do continente e os analfabetos somavam mais de 40% da população.20

A imigração começou a apresentar-se como uma possibilidade de promoção social para o português pobre que vivia em uma situação de invisibilidade social na metrópole.21 Nos anos 1950, entretanto, os brancos correspondiam a apenas 1,9%

dos habitantes de Angola, sendo que representavam 58,2% da população “civiliza- da” em 1950.22 Tal discrepância revela o caráter de fato discriminatório dos planos

da administração portuguesa. Os habitantes locais, na prática, ficavam excluídos do sistema, não recebendo a tão propagandeada civilização da qual os colonos brancos deveriam ser o vetor.

20 PEIXOTO, Carolina. Limites do ultramar português, possibilidades para Angola: o debate

político em torno do problema colonial (1951-1975). Dissertação de mestrado, Niterói: UFF, 2009.

21 Idem, p. 27. 22 Idem, p. 26.

Em Angola, a colonização branca com caráter de povoamento teve início efeti- vamente em duas regiões específicas: o colonato de Cela, no planalto central, e o de Matala, no sul. Na virada para a década de 1960, esse projeto tinha fracassado. A imi- gração ficaria sempre abaixo do pretendido. Apesar disso, na década de 1960 Angola contava com 172.529 colonos brancos. Os brancos somavam naquela ocasião 3,6% do total de habitantes da colônia, o que os tornava a terceira maior parcela branca da África Subsaariana, atrás da África do Sul e da Rodésia do Sul (atual Zimbabwe).23

A expropriação de terras das populações nativas gerou descontentamento e tensões étnicas graves naquelas regiões. Outro foco irradiador de conflitos étnicos entre colonos brancos e a população nativa era a disputa por postos de trabalho nos centros urbanos. Isso se deu porque uma parte dos colonos, ao chegar à colô- nia, não se dirigia para o campo, instalando-se, em vez disso, nas cidades. Assim, ao competir com as populações locais, num contexto colonial, em que o preconceito racial é decisivo, tais colonos levavam vantagem. No entanto, essa situação não duraria muito mais tempo, assim como em Moçambique, no caso angolano, após o acordo de cessar fogo entre os movimentos de libertação e as forças armadas por- tuguesas, a data da independência seria marcada para 11 de novembro de 1975.

A fuga

Ao longo de 1975, chegaram a Portugal por volta de meio milhão de portu- gueses ou descendentes vindos das ex-colônias. Destes, 61% vinham de Angola e 31% de Moçambique. No total, esse número representava 5% da população lusa. Não há, até onde sabemos, um levantamento estatístico desse tipo para os que aqui chegaram. No contexto das guerras de independência e repatriamento de europeus ou descendentes calcula-se que cerca de 4 milhões de indivíduos tenham voltado ao velho continente.24 O movimento de “repatriamento” das antigas colô-

nias portuguesas se encontra entre os mais importantes, por conta do volume po- pulacional recebido pela metrópole. Em termos quantitativos, foi superado apenas pelo repatriamento dos cerca de 1,6 milhão de franceses retornados do Extremo Oriente, da África Ocidental e do Norte. Dentre estes, 1 milhão ficaram conhecidos como pieds-noirs, imigrantes saídos da Argélia no início dos anos 1960.

Outro fator que também contribuiu para esse movimento migratório da comu-