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As hipóteses explicativas sobre a formação do português brasileiro

HISTÓRIA SOCIOLINGÜÍSTICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

2.2 A VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E O PROCESSO DE SUA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

2.2.1 As hipóteses explicativas sobre a formação do português brasileiro

Atualmente, duas posições têm norteado o debate sobre a formação do português brasileiro, principalmente na sua modalidade popular: uma que defende a deriva natural da língua e outra que defende a sua crioulização prévia.

Os defensores dessa primeira hipótese argumentam que as diferenças entre o português brasileiro e o português europeu são oriundas da deriva secular das línguas românicas.

Esta concepção apóia-se na teoria da deriva, postulada pelo lingüista norte- americano Edward Sapir (1954.p: 151), segundo qual “a linguagem move-se pelo tempo em fora num curso que lhe é próprio. Tem uma deriva.”

Desse modo, as sementes de mudanças já estariam, de certa forma, prefiguradas na própria estrutura interna da língua. E, para que tais mudanças

ocorram, vários fatores entram em ação: o fonético, morfológico, sintático e avaliação dos falantes. O contexto social dos usuários da língua é completamente desconsiderado.

Muitos estudiosos (Silva Neto, Chaves de Melo, Houaiss, Cunha e Câmara Jr.) têm se valido dessa concepção para explicar as modificações ocorridas no português brasileiro. Apesar de contraditoriamente, admitirem a existência de crioulos ou semicrioulos provenientes do contato do português com as línguas indígenas e africanas, no início da colonização, afirmam que estes teriam desaparecido posteriormente. Veja-se, por exemplo, o que dizem Silva Neto (1960, p: 18) e Houaiss (1985, p.119):

Como se sabe há uma deriva indo-européia que caminhava no sentido da simplificação das flexões. Apenas no caso do aloglota, a simplificação é brusca e extrema, é uma dinâmica que realiza de chofre o que só se daria no curso de várias gerações.

Houve no Brasil uma tendência reducionista pan-brasileira de tipo crioulizante, mas há dúvidas quanto as causas: influência do substrato, adstrato indígena, substrato africano, por ambos os casos, ou será por causa das derivas portuguesas?

Apesar de sua orientação sociolingüística, esta é a concepção defendida por Anthony Naro e Marta Scherre (1993, 2001). Para eles, as características atuais do português brasileiro são oriundas das tendências estruturais já existentes no português europeu, antes mesmo do descobrimento do Brasil, e que o contato entre línguas só fez acelerar esse processo, constituindo-se numa “confluência de motivos”.

Segundo Naro & Scherre (1993, p. 442), a variabilidade na regra de concordância verbal – tida como de origem crioula - teria suas origens em uma mudança fonológica, ou seja, a desnasalização da sílaba final não acentuada: comem > come; dormem > dorme. Posteriormente, por questão de analogia, esta simplificação se estenderia para outros contextos mais salientes do tipo: comeram > comeu; venderam > vendeu; são > é. Neste caso a diferença não é mais fonológica, consistindo na substituição de uma desinência verbal por outra. Desse modo, “a redução morfológica de concordância seria um desenvolvimento mais tardio, criado a partir da redução fonológica”.

Quanto à concordância nominal, para estes autores, suas origens estariam fundamentadas “no português dialetal da Europa, que, por sua vez, estava dando continuidade a uma deriva pré-românica”, ou seja, o enfraquecimento e queda do –s final já registrado no latim clássico. Mais uma vez o componente fonológico seria o propulsor da mudança. Assim, estes fenômenos “teriam uma explicação européia, sem sofrer influências externas do tipo ameríndia ou africana”. ( Naro e Sherre, 1993, p. 443).

A hipótese da crioulização prévia do português brasileiro é defendida pelo lingüista norte americano Gregory Guy (1981,1885). Para ele, as condições nas quais se deu a implantação do português no Brasil foram favoráveis para processos de crioulização da língua, nos primeiros séculos de colonização. Para provar sua tese, Guy considerou aspectos da realidade sócio-econômica da época, bem como a análise de duas variáveis lingüísticas: a concordância nominal no interior do sintagma nominal e a concordância sujeito-verbo.

De acordo, com essa hipótese, inicialmente ocorreu a perda das regras de concordância, em conseqüência do processo de crioulização prévia, pois, houve

posteriormente, um processo de re-aquisição de tais regras proveniente do contato do português popular com o português culto, configurando-se em um “processo de descrioulização”, no qual o português brasileiro estaria mudando em direção à língua alvo, ou português europeu.

Fernando Tarallo (1993a) discorda dos argumentos apresentados por Guy. Para ele, o português brasileiro estaria se distanciando do português europeu. Baseando-se na análise de dois fenômenos lingüísticos: as construções relativas e a retenção pronominal nas sentenças encaixadas e matrizes, (sujeito lexical vs. objeto nulo; estratégias de relativização: padrão, cortadora e com pronome lembrete), este autor vai afirmar que, o panorama lingüístico brasileiro representa justamente o caminho oposto do que é proposto por Guy. Desse modo, as mudanças operadas no português brasileiro estariam caminhando não para a aproximação da língua alvo, o português europeu, mas, sim para o seu distanciamento.

Esta proposta será refutada por Lucchesi (1994, 2001), a partir de uma outra linha argumentativa. Segundo ele, as conseqüências do processo de aquisição do português, como segunda língua, por milhares de negros africanos, não foram suficientemente fortes para originar uma outra entidade lingüística, ou seja, um pidgin ou crioulo, mas, sim, processos de transmissão lingüística irregular do tipo leve, provocando erosão em partes da gramática da língua alvo, a exemplo das regras de concordância nominal e verbal. Estas seriam recompostas, posteriormente, de acordo com o contato das futuras gerações com estruturas mais próximas da língua alvo.

A realização das regras de concordância nominal e verbal por pessoas mais jovens, com maior grau de escolaridade ou que mantiveram contato com padrões lingüísticos semicultos, é um fenômeno que indica que o português brasileiro está

caminhando em direção à norma culta, um modelo mais próximo do português europeu, como têm demonstrado várias pesquisas sociolingüísticas, inclusive as realizadas por Lucchesi, em seu reconhecido trabalho de busca de vestígios descrioulizantes em comunidades rurais de afro-descendentes, no interior do Estado da Bahia.

Apesar das divergentes concepções de se analisar os fatos, evidências históricas comprovam que, de alguma forma, o contato entre línguas afetou a realidade lingüística brasileira. Este contato, porém, não foi uniforme em todos os setores e regiões do país, atingindo mais a fala das camadas populares e/ou residentes no interior, que, não por coincidência, são as mais excluídas do processo de desenvolvimento do país. Este fato porém, não descarta a atuação da hipótese de deriva da língua, nos processos de mudanças ocorridas na norma culta.

Os efeitos da escolarização, dos meios de comunicação de massa, a integração das pessoas nos espaços de cidadania têm contribuído para um maior nivelamento lingüístico, diminuindo com isso os efeitos da bipolaridade lingüística como evidenciada, primeiramente, por Silva Neto e mais recentemente, por Lucchesi.

Diante disso, tornar-se pertinente a afirmação de Teyssier (1997, p. 98) de que no Brasil, “as diferenças na maneira de falar são maiores, em determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originário de duas regiões distantes uma da outra.”

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