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5 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

5.3 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO

Vergueiro (2009) apresenta um panorama do início do uso dos quadrinhos no ensino, afirmando que, desde o início do desenvolvimento das HQs no Brasil, já surgiram algumas com conteúdo educativo e religioso. O Tico-Tico, de 1905 (Figura 36), primeira publicação infantil de quadrinhos brasileira, continha conteúdo moral e ensinava sobre o bom comportamento. Em seguida, surgiram os de conteúdo religioso.

Figura 36 – O Tico-tico

Fonte: Portal da Arte (online).

Durante os anos de 1950, segundo o autor, o objetivo era criar uma boa imagem dos quadrinhos, que eram discriminados nessa época, com base na crença de que

prejudicavam as crianças no desempenho escolar, no comportamento e na capacidade de pensar logicamente. “A barreira pedagógica contra as histórias em quadrinhos predominou durante muito tempo e, ainda hoje, não se pode afirmar que ela tenha realmente deixado de existir” (VERGUEIRO, 2014a, p. 16).

Inicialmente, eles tinham como mercado preferencial o público mais jovem, o que fez com que movimentos contra eles os desqualificassem, nos anos de 1940 e 1950. Isso se trata, na concepção de Vergueiro (2013), de uma deturpação histórica, pois serem exclusivos de determinada faixa etária nunca foi o objetivo dos quadrinhos. Existe, de fato, uma grande produção voltada para o público infantil e juvenil, mas há também HQs protagonizadas por crianças, as quais apresentam dupla leitura, para atingir também outros públicos, como é o caso de Calvin, Mafalda e Charlie Brown. Esses quadrinhos permitem que a criança faça uma leitura mais simplificada; e o adulto, uma análise mais aprofundada, relacionando os fatos das tirinhas à sua prática social.

Ao lado da produção voltada para a grande massa, há aquelas voltadas para a transmissão de conhecimentos específicos de educação popular: cuidados com higiene e saúde, ensinamentos religiosos e outros que capacitem para a vida em sociedade; sendo essa uma produção descentralizada e desorganizada, por isso muitos as desconhecem.

Segundo Vergueiro e Ramos (2013), as HQs, gradativamente deixaram de ser vistas como leitura exclusiva de crianças e passaram a ver vistas como forma de entretenimento e transmissão de saber para diversos públicos, de diferentes faixas etárias.

Os autores afirmam que antes elas eram vistas apenas como forma de lazer, superficiais e com conteúdo insuficiente para utilização na escola. Esse conceito começa a mudar com o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, que inseriu o conhecimento de “formas contemporâneas de linguagem”, e, mais especificamente, no ano seguinte, quando as HQs são citadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), de 2006, também contribuiu com esse processo de utilização dos quadrinhos no ensino, pois distribuiu para bibliotecas públicas escolares, entre outras

diversas obras, diversos exemplares de HQs. Outro fator que contribuiu significativamente foi a exploração desse gênero no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Muitos acreditam que os quadrinhos só se destinam às séries iniciais, mas, segundo Vergueiro (2013), a maioria deles pode ser utilizada em qualquer faixa etária, cabendo ao professor selecionar os que se adequam aos seus objetivos educacionais.

Vergueiro (2014a) aponta que, inicialmente, as HQs eram pouco utilizadas no ensino e serviam apenas para ilustrar conteúdos específicos das matérias. Essa utilização teve bons resultados, e os quadrinhos passaram a ser incluídos com maior frequência em materiais didáticos. Hoje eles estão presentes em quase todas as áreas não só para tornar as aulas mais atrativas, mas também para favorecer o ensino e a discussão de temas específicos.

O autor apresenta algumas razões para o uso dos quadrinhos no ensino: os estudantes gostam de lê-los e se interessam por eles, o que os motiva à leitura; palavras e imagens, juntas, ensinam de forma mais prazerosa, ampliando a compreensão; eles têm um nível alto de informação; seus recursos variados possibilitam maior familiaridade com o gênero; eles enriquecem o vocabulário e estimulam o exercício do pensamento para compreender o que não está expresso; sua temática tem caráter globalizador; eles podem ser usados em qualquer série, com qualquer tema. Além dessas razões, o autor inclui duas outras muito importantes: sua acessibilidade, pois são facilmente encontrados, e seu baixo custo.

Nesse contexto das HQs no ensino, Ramos (2013) aponta que as tiras cômicas – textos de humor curtos com final inesperado – podem contribuir com o ensino para trabalhar o processo de construção do sentido, pois “[...] para depreender o humor da tira, o aluno tem que recuperar obrigatoriamente os elementos verbais e visuais presentes no texto” (RAMOS, 2013, p. 199). Essas tiras são facilmente encontradas em jornais e na internet, sendo em sua maioria voltadas para o público adulto, quebrando a ideia de que quadrinhos são apenas para crianças. Calazans (2004) destaca a importância deles, por captarem o interesse dos alunos, e a necessidade

de o professor procurar identificar o gosto dos estudantes, para que ele seja o direcionador do material a ser utilizado, e não a imposição do gosto do professor.

Logicamente, as HQs não devem ser o único recurso utilizado no ensino, elas se constituem em mais um recurso disponível. Diante de todos os argumentos apresentados, a utilização de quadrinhos mostra-se bastante produtiva no ensino. Sendo bem trabalhadas na sala de aula, elas têm muito a contribuir. Vilela (2013) corrobora essa afirmação, defendendo que

[...] já existem professores no Brasil elaborando e aplicando bons projetos envolvendo o uso de quadrinhos em sala de aula, mas essas práticas precisam ser mais divulgadas para que haja troca de ideias entre os profissionais da educação e, o mais importante, o compartilhamento de boas ideias e experiências. [...] É preciso que um número maior de professores se familiarize com as histórias em quadrinhos e tenha disposição para aproveitar o uso dessa linguagem no seu trabalho docente (VILELA, 2013, p. 98).

São inúmeras as possibilidades de utilização dos quadrinhos no ensino, e o limite de sua utilização será sempre o da criatividade do professor, que pode explorar sua rica linguagem de diversas maneiras, para trabalhar diversos temas e conteúdos, de forma diferenciada e atrativa para os alunos. O que não deve acontecer é a utilização dos quadrinhos para trabalhar apenas conteúdos gramaticais, ou para ilustrar outros conteúdos escolares, trabalhando apenas seu texto, sem haver uma reflexão sobre o mesmo, como na atividade abaixo (Figura 37), em que são feitas apenas perguntas sobre a gramática presente na tirinha – o tipo de sujeito das formas verbais, as orações com sujeito indeterminado e o emprego da variedade padrão. Ignora-se, assim, a grande contribuição que os quadrinhos podem trazer para o ensino, através da leitura crítica, explorando o código escrito, mas também o imagético, compreendendo-os como uma forma de linguagem que foi produzida com alguma intenção, para comunicar algo a alguém.

Figura 37 - Atividade em que os quadrinhos são utilizados apenas para trabalhar gramática

Fonte: Português – Linguagens, 7ª série (2006).

Santos Neto (2011) apresenta dez considerações para professores que desejam trabalhar com HQs. Dentre elas, destacamos alguns pontos importantes:

 é preciso saber escolher um material adequado para o objetivo proposto;  a escolha dos quadrinhos deve ser compatível com os valores e com o

projeto pedagógico defendido pelo professor e pela escola;

 é necessário considerar também a realidade social e cultural dos alunos;  deve-se ter o cuidado para evitar a didatização dos quadrinhos, explorando

pontos muito específicos, limitando suas possibilidades e riquezas;

 cada professor deve criar sua própria metodologia, pensando na prática educativa;

 o trabalho com HQs exige formação do professor, que precisa conhecer e dominar sua linguagem.

Obviamente, a utilização dos quadrinhos no ensino não será suficiente para resolver os problemas da educação, bem como nenhuma outra forma de linguagem tem essa

capacidade, entretanto fica claro que as HQs têm muito a contribuir, se utilizadas de forma adequada pelos professores. É preciso também que se invista em sua formação, para que eles saibam selecionar bem os materiais a serem trabalhados e a melhor forma de explorá-los, levando os alunos à reflexão crítica e ao posicionamento diante do que leem, indo além da decodificação e da interpretação e evoluindo para o nível da compreensão do que leem, como propõe Orlandi (2012), com relação à formação do leitor crítico. Além disso, tanto os professores quanto os alunos precisam conhecer os elementos que compõem a linguagem dos quadrinhos, os quais apresentaremos no capítulo a seguir.