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4. AS QUESTÕES EDUCATIVAS NO SÉCULO DA MODERNIDADE

4.1 As ideias de progresso

“Ficava desse modo por demais transparente a relação entre o desenvolvimento cultural e crescimento material, no transcurso das transformações operadas no cenário europeu em torno da década de 1870. O estabelecimento de uma vanguarda científica na área do conhecimento, centrada ao redor das Ciências Naturais, esteve por trás de toda uma série de fenômenos que revolucionaram a sociedade do Velho Mundo. Mais ainda, foi essa vanguarda que definiu os três saltos imensos que mudariam o destino de praticamente toda a humanidade nos anos que se seguiram. Em primeiro lugar, ela proporcionou uma nova explicação de totalidade para o surgimento, a existência e a condição da espécie humana através da teoria darwinista. Não só essa interpretação alternativa dispensava a tutela tradicional do clero e dos filósofos, sendo facilmente haurida em opúsculo de ampla divulgação como logo; em virtude mesmo da sua acessibilidade elementar, foi vulgarizada como uma teoria geral do comportamento e da ação humana (darwinismo social, struggle for life) tornando-se o credo por excelência da Belle Époque. Em segundo lugar, os avanços na área da microbiologia permitiram a Revolução Sanitária, promovendo a explosão demográfica e a escalada maciça da urbanização. Em terceiro, suas pesquisas no campo da física e da química aplicadas forneceram as bases da II Revolução Industrial, também chamada, por isso mesmo, de Revolução Tecnológica. É fácil verificar que o sucesso e as decorrências das duas últimas cadeias de fenômenos reforçaram a primeira”. (SEVCENKO, 1998 p. 91)

Abordaremos o termo “moderno”, a experiência da modernidade, como um momento de rupturas, de tensões e processos ambivalentes historicamente projetados na cultura da população com o intuito de moldá-la a exemplo dos países europeus de primeiro mundo e aos Estados Unidos, pelo lado ocidental. A produção do escritor cearense será aqui considerada um ponto de inflexão na vida intelectual brasileira não só por representar um paradigma de nosso movimento romântico e de suas implicações, mas especialmente por manifestar atitudes críticas – atitudes de modernidade, de antimodernidade e da criação de conceitos culturais – talvez sem precedentes, em nossa história cultural e literária.

A preocupação com o perigo representado pela pobreza também esteve nas cabeças dos homens do Executivo, como podemos perceber nas palavras do Presidente da Província do Rio de Janeiro, em 1841. Para ele, era necessário converter aptidão de ébrios e mendigos, vadios, arruadores turbulentos, jogadores de profissão, órfãos desvalidos, filhos sem pai, moços sem ofícios, donzelas sem amparo, tido como parasitas da árvore social, em trabalho, que é riqueza. (GONDRA;SCHUELER, 2008 p. 115- 116)

Dentro desse projeto de progresso e civilização – civilização que no XIX significava ficar em pé de igualdade com a Europa no que se refere a cotidiano, instituições, economia, e idéias liberais - o país se via diante de uma outra questão importantíssima para tal caminhada: a abolição do sistema escravista. Elevar o nível de instrução e acabar com a escravidão foram pautas muito discutidas no campo político e social no século XIX (FARIA FILHO, 2000).

Dentro dessa discussão, um dos pontos mais obscuros e de difícil definição foi exatamente, de um lado, a apreensão do significado dos termos educar e instruir e por outro lado, as acepções das palavras civilização e progresso na sociedade oitocentista. Essas considerações são de extrema importância na medida em que o grau de instrução revelaria o nível de educação do país:

“Este é um desejo [derramar a instrução sobre toda a população] que será frequentemente lembrado, para demonstrar a necessidade de novas intervenções na arena educacional, o que pode ser explicado pelo fato de se conferir à instrução o estatuto de condição mais que necessárias para elevar o Império à condição de Estado moderno e civilizado.” (GONDRA; SCHUELER, 2008).

A ideia de progresso está intimamente ligada com a noção de tempo, mais precisamente, uma linearidade natural. Herman (1999) em A ideia de decadência na história ocidental, reúne o processo civilizatório em quatro aspectos: o refinamento dos costumes, a polidez, o desenvolvimento do comércio e a faculdade de autogovernar-se ou independência. O progresso oferecia assim o gosto pelas belas-artes, pela música e a compreensão científica do mundo.

Nas últimas décadas do XIX, ideias como novo, progresso, ruptura, revolução e outras dessa natureza passam a fazer parte não apenas do cotidiano dos agentes sociais, mas, principalmente, a caracterizar o imaginário, o discurso intelectual e os projetos de intervenção junto a essa nova sociedade imersa num momento de aceleração da industrialização e da consolidação internacional do capitalismo (HERSCHMANN; PEREIRA, 1994).

Nessa perspectiva, a cidade do Rio de Janeiro, capital da corte, apresentava-se como pólo civilizador da sociedade brasileira oitocentista. As demais províncias seguiam,

fluminense. Como capital, o Rio de Janeiro mostrou em todas as suas vertentes as contradições de uma cidade que se queria civilizada de acordo com os parâmetros europeus e ao mesmo tempo sofria de graves problemas sociais, da febre amarela a ruas que mais pareciam charcos de lama, da iluminação à gás a epidemias de cólera. Com objetivos modernizantes, os saberes técnicos se constituíram como base desse paradigma: a medicina como normatizadora do corpo, a engenharia atuando na organização do espaço urbano caótico e a educação atuando como modeladora das mentalidades que giravam em torno das demandas desse mesmo processo de modernidade.

Tais parâmetros civilizatórios poderiam ser alcançados por qualquer raça, branca, amarela, vermelha ou negra, mas dependia de certas circunstâncias, como clima, tipo de governo e educação. Por outro lado, teorias como a de Rousseau (teoria do bom selvagem) condenavam quase todos os aspectos “progressistas”, pois, o refinamento nas artes e na ciência, a polidez nas relações sociais, o comércio e o governo moderno não estavam melhorando os padrões morais dos homens, mas tornando-os cada vez piores. Luxo, vaidade, ganância, egoísmo, interesse particular eram todos grandes derivados da civilização. Ou seja, o século XIX se deparava com um legado ambíguo. Mediante o dilema, como vimos anteriormente, Alencar viveu a ambiguidade do seu século, mas acreditava numa perspectiva dialética, na qual as coisas aparentemente antagônicas são na verdade os estágios iniciais de uma conciliação final ou síntese. Seguindo a teoria spenceriana de evolução do simples para o mais complexo como lei universal da sociedade, governo, indústria, comércio, língua, literatura, ciência e arte, o escritor acreditava no progresso do país ao considerá-lo como uma criança e, como tal, copia tudo o bom e o mau até chegar à autonomia.

Herman (1999) demonstra o problema que acometeu os historiadores oitocentistas para encontrarem um fato que justificasse a soberania europeia:

O verdadeiro problema dos historiadores não consistia em explicar por que a Europa alcançara a primazia, mas por que todos os demais fracassaram ou caminharam para a decrepitude e a decadência. Estudiosos europeus e norte-americanos apresentaram um desconcertante número de explicações para esse fracasso sistemático do restante do mundo. Alguns apelaram para diferenças climáticas e geográficas, outros, famigeradamente, à inferioridade racial e à degeneração fisiológica.

Outros ainda apontaram diferenças na mente coletiva e no papel da religião e das crenças culturais. (p. 46).

De acordo com as novas perspectivas abertas pelos processos de modernidade, Alencar escreve suas “saudades” em Benção Paterna:

Onde não se propaga com rapidez a luz da civilização, que de repente cambia a cor local, encontra-se ainda em sua pureza original, sem mescla, esse viver singelo de nossos pais, tradições, costumes e linguagem, com um sainete todo brasileiro. Há, não somente no país, como nas grandes cidades, até mesmo na corte, desses recantos, que guardam intacto, ou quase, o passado.

Outro ponto da questão que nos interessa, é a industrialização europeia. Suas fábricas, motores a vapor e chaminés se tornaram “imagens autênticas do inferno” (Herman, 1999 p.48). Aquela imagem iluminista de uma Londres no ápice da “polidez”, da urbanização e da civilização ganha contraste com cenas, nas palavras de Thomas Gray, de “demônios trabalhando”.

Tais imagens serviriam de argumentos para José de Alencar defender que os escravizados aqui desfrutavam de melhores condições do que os operários europeus, logo, ser escravizado era um lucro e não uma privação:

- Eu queria, disse ele concluindo, que os filantropos ingleses assistissem a este espetáculo, para terem o desmentido formal de suas declamações, e verem que o proletário de Londres não tem os cômodos e gozos do nosso escravo.

- É exato, disse Mário. A miséria das classes pobres na Europa é tal, que em comparação com elas o escravo do Brasil deve considerar-se abastado. Mas isso não justifica o tráfico, o repulsivo mercado da carne humana. (Tronco do Ipê, cap. X Batuque).

Para manter a superioridade em relação às demais nações, visto que o imaginário sobre a sociedade europeia estrava em contraste com representações “autênticas do inferno”, a Europa recorreu ao discurso racial com o intuito de manter uma imagem de elevada situação cultural e social. Dessa forma, os europeus, na lógica linear de progresso, jamais figurariam como decadentes, seriam “eternamente” superiores aos demais:

Os europeus logo começaram a usar as diferenças raciais ou fisiológicas para explicar algumas diferenças culturais. Descender de uma

ou outra raça, presumia-se, significava adquirir traços mentais e morais daquele povo, os quais se esgotavam em suas atividades culturais. A civilização, o avanço da barbárie à moderna sociedade civil, parecia assumir uma base nova e empírica: a questão da raça. Para os simpatizantes da ideia no princípio do século XIX, a teoria racial era apenas um prolongamento científico da “história universal” da humanidade apresentada pelo Iluminismo, na qual toda a pompa do progresso humano passar a estar relacionada com uma só causa subjacente. Muito antes de Darwin a teoria racial afirmava que as leis unificadoras do progresso não eram políticas nem econômicas (a exemplo de O capital, Marx), mas biológicas. (Herman, 1999 p. 63)

Inserido na proposta moderna, o ensino de ofícios no Brasil Império merece ser visto também como uma alternativa civilizatória. O artigo de Cunha (2000, p. 90) esclarece ainda que o ensino de ofícios (artesanato e manufatura) afastava a mão-de-obra livre desses segmentos, pois o emprego de escravos

[...] como carpinteiros, ferreiros, pedreiros, tecelões etc., afugentava os trabalhadores livres dessas atividades, empenhados todos em se diferenciar do escravo, o que era da maior importância diante de senhores/ empregadores, que viam todos os trabalhadores como coisa sua. Por isso, dentre outras razões, as corporações de ofício (irmandades) não tiveram, no Brasil Colônia, o desenvolvimento de outros países.

O caráter civilizador também estava presente nesse seguimento de aprendizagem:

No período do Império, tanto as iniciativas do Estado voltadas para o ensino de ofícios, quanto as das sociedades civis, eram legitimadas por ideologias que pretendiam: a) imprimir a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimento de idéias contrárias à ordem política, de modo a não se repetirem no Brasil as agitações; c) propiciar a instalação de fábricas que se beneficiariam da existência de uma oferta de força de trabalho qualificada, motivada e ordeira; e d) favorecer os próprios trabalhadores, que passariam a receber salários mais elevados, na medida dos ganhos de qualificação. (p. 92)

Segundo Gondra; Schueler (2008), também seguiam esses parâmetros os internatos e asilos no século XIX ao constituírem-se como uma estratégia civilizatória na medida em que, ao incluir os pobres nessa modalidade evitavam-se os perigos representados pela população posta à margem, e, ao mesmo tempo, abastecia os postos de trabalho:

Nesse sentido, as autoridades competentes e o universo da filantropia percebiam os asilos como uma forma de assistência social, mas também como medida de controle social, posto que, frequentemente, a população pobre e desassistida foi representada sob os adjetivos de “arruaceira, capoeira e delinquente”. Deste modo, ao combinar rudimentos de instrução com aprendizagem profissional, assistiam, controlavam o mundo da “desordem” e, por tabela, ofereciam uma mão- de-obra minimamente disciplinada, qualificada e, sobretudo, farta e barata. Educados nestes termos, estariam sendo “úteis a si e a sua pátria”. (p. 108)

Por outro lado, os Colégios e Liceus trabalhavam com outra perspectiva: formar homens para a alta administração pública. Mercadoria escassa no século XIX, o ensino secundário configurava como preparação para os exames superiores e para ingressar em seus cursos não era necessário ter ensino primário.

Dessa forma, consideramos que os discursos, propostas e instituições educativas tiveram importância fundamental como mediadora do almejado progresso do país nos aspectos culturais, morais, tecnológicos entre outros:

A tecnologia de conversão forjada pela modernidade foi a institucionalização maciça da população e, nesse sentido, as chamadas “classe perigosas” deveriam ser disciplinadas, higienizadas, civilizadas. Perigo que vai sendo acentuado com a progressiva alteração no mundo do trabalho, que paulatinamente foi reduzindo o número de escravos. (GONDRA; SCHUELER p. 116)

Mediante o panorama, Alencar reitera as limitações intelectuais dos escravizados e defende a imigração europeia como indispensável para o progresso do país. Seguindo esse raciocínio, entendemos que a educação oferecida a esse grupo entra em debate e as questões educativas gerais tomam maior importância tendo em vista que os negros, mulatos e africanos totalizavam 57% da população na segunda metade do século XIX:

Distribuição étnica no Brasil (séculos XVI-XIX) Etnias- cores/tempo histórico e porcentagem 1538- 1600 1601- 1700 1701- 1800 1801-1850 1851-1890 Africanos 20 30 20 12 2 Negros brasileiros - 20 21 19 13 Mulatos - 10 19 34 42 Brancos brasileiros - 5 10 17 24 Europeus 30 25 22 14 17 Índios integrados 50 10 8 4 2 Fonte: Mussa (1991, p. 163)

Por último, a discussão sobre o que representaria o progresso para José de Alencar pode ser apreendida em um artigo escrito no Correio Mercantil em 3/12/1854, em comemoração ao aniversário de D. Pedro II ocorrido no dia anterior:

O povo brasileiro que, como um filho reconhecido, veio aos degraus do trono para beijar a mão ao pai da Nação, para agradecer-lhe os benefícios recebidos e pedir-lhe ainda a direção, a paz, o trabalho, a instrução, a indústria, a colonização, e todos esses germes de civilização, que o país encerra no seu seio e que serão um dia fecundados pelo pensamento criador de seu governo (apud. Magalhães Júnior, 1977 p. 47)

Para Alencar, a monarquia exercida por D. Pedro II possibilitou ao país a Independência e “a civilização e o progresso que surgiu sob o benéfico governo do Sr. D. Pedro II” (op. cit. p. 50). A instrução, destacada pelo escritor cearense como um item desse processo civilizatório é o aspecto que pretendemos explorar nos próximos capítulos. É importante notar que Alencar “pede” ao Imperador o desenvolvimento desses fatores de progresso, visto que ainda não estavam plenamente elaborados.