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AS IDEOLOGIAS E O PODER SIMBÓLICO QUE PERPASSAM AS

6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.4 AS IDEOLOGIAS E O PODER SIMBÓLICO QUE PERPASSAM AS

Os topônimos como “recortes de uma realidade vivenciada” (DICK, 1998, p. 97) guardam a memória, os valores culturais e identitários da comunidade que os criou. O reconhecimento das relações existentes entre o significado do nome e o que ele representa ou representou para a comunidade possibilita a apreensão da ideologia dominante da época da denominação, “revelando padrões motivadores vigentes e suas influências objetivas ou subjetivas” (DICK, 1998, p. 97).

A partir das concepções de ideologia de Althusser (1985) e Fiorin (1990), sistematizadas no referencial teórico do capítulo 2, pode-se compreender que o conceito de ideologia está vinculado às ideias dominantes da comunidade que prevalecem em um dado

tempo e são envoltas de um poder simbólico, refletindo os valores e os modos de ser e de pensar dos indivíduos.

É o poder de mando (dominante) e o da sujeição (dominado) que também pode se tornar visível no momento do estabelecimento de um topônimo, preservando valores ideológicos. Como já citamos, de acordo com Dick (1998, p. 100) “em função do dominante, definem-se situações reveladoras, pelos nomes empregados, de poder, autoridade, opressão; e, no plano do dominado, submissão, obediência ou acomodação”.

Dessa forma, as denominações fariam parte de um jogo de relações de poder entre diferentes autores sociais e o ambiente em que se inserem (BOURDIEU, 1996). Algumas das denominações das escolas de Bento Gonçalves foram impostas pelo poder político local, outras foram solicitadas pela própria comunidade, como foi o caso do topônimo José Farina, que analisamos anteriormente. Por trás dessas escolhas pode haver uma relação de poder simbólico para atender alguma forma de interesse material ou simbólico.

Embora a maior parte dos decretos oficiais que denominaram as escolas de Bento Gonçalves não apresentem justificativas ou esclarecimentos sobre a razão das escolhas, essas explicações são reveladas por meio do contexto histórico em que ocorreram as denominações e na representatividade que as personalidades homenageadas tiveram para a comunidade local. Geralmente, são levados em consideração aspectos de, como também observaram Frosi, Faggion e Dal Corno (2010, p. 165), “pioneirismo, trabalho, benevolência e dedicação à sociedade em sentido amplo, pertença a alguma religião, mormente à católica, produção de riqueza e outros motivos similares”.

Pela história das denominações das escolas perpassaram ideologias. Ao denominar escolas com nomes de vultos históricos brasileiros, principalmente, no período que marcou a Campanha de Nacionalização da Educação, a partir da década de 1930, como foi relatado anteriormente, além da preservação da identidade nacional, percebe-se o estabelecimento de um ideal nacional, no qual os elementos da cultura do dominado (imigrantes italianos) são menos valorizados que os da cultura dominante.

Depois, a formação da identidade regional, que é verificada através das denominações que homenageiam pessoas que viveram ou que se dedicaram profissionalmente à cidade, revela, como constatamos, a valorização do trabalho. Conforme Faggion, Misturini e Dal Pizzol (2013, p. 22), “exalta-se o valor do trabalho, a marca cultural que os descendentes de imigrantes tomam como característica. Trata-se de uma marca cultural importante na Região de Colonização Italiana”.

Considerando o corpus composto de trinta e três antropotopônimos e axiotopônimos, destacamos as principais ocupações desempenhadas pelas personalidades que foram homenageadas. Na Figura 11 podemos verificar o gráfico com o percentual das profissões.

Figura 11 – Percentual das profissões das personalidades homenageadas nos antropotopônimos e axiotopônimos

Fonte: Elaboração da autora.

Constata-se a predominância de professores (doze topônimos, 36,4%) sendo que a maioria deles lecionou na cidade. Em seguida, são recordados os empresários (seis topônimos, 18,2%) que contribuíram no crescimento socioeconômico do município, lembrando que há duas denominações que remetem a Anselmo Luigi Piccoli. Há também as categorias compostas por políticos (cinco topônimos, 15,1%), militares (três topônimos, 9,1%) e militares e políticos (dois topônimos, 6,1%) que marcam as denominações. Destacam-se os padres (dois topônimos, 6,1%) e o irmão marista (um topônimo, 3,0%), uma representante artística – a poetisa (um topônimo, 3,0%) e o agricultor (um topônimo, 3,0%). Ressaltamos, também, que algumas dessas pessoas exerceram mais do que uma atividade profissional, mas para fins de contabilizar destacamos a principal ocupação de cada uma delas. No Quadro 50, podemos verificar a relação das profissões com as respectivas personalidades relacionadas.

Professor 36,4% Empresário 18,2% Político 15,1% Militar 9,1% Militar e Político 6,1% Padre 6,1% Agricultor 3,0% Irmão 3,0% Poetisa 3,0%

Quadro 50 – Profissões das personalidades homenageadas nos antropotopônimos e axiotopônimos

Profissão Personalidades homenageadas

Professor (12)

Professor Agostino Brun; Professor Félix Faccenda; Professor Noely Clemente De Rossi; Professor Ulysses Leonel de Gasperi; Professora Liette Tesser Pozza; Professora Maria Borges Frota; Professora Maria Margarida Zambon Benini; Professor Angelo Chiamolera; Professora Vânia Medeiros Mincarone; Alfredo Aveline; Pedro Vicente da Rosa; Lóris Antônio Pasquali Reali.

Empresário (6)

José Farina; Ângelo Salton; Luiz Fornasier; Comendador Carlos Dreher Neto; Anselmo Luigi Piccoli (duas denominações).

Político (5)

Senador Salgado Filho; Doutor Tancredo de Almeida Neves; Dona Isabel; Princesa Isabel; Visconde de Bom Retiro.

Militar (3)

General Bento Gonçalves da Silva; General Amaro Bittencourt; General Rondon.

Militar e Político

(2) Floriano Peixoto; Ernesto Dorneles. Padre

(2) Landell de Moura; Mestre Santa Bárbara. Agricultor

(1) Aurélio Frare. Poetisa

(1) Cecília Meireles. Irmão

(1) Irmão Egídio Fabris. Fonte: Elaboração da autora.

A valorização do trabalho, obviamente, é o aspecto mais notável nas denominações das escolas de Bento Gonçalves. Valorizar aqueles que tiveram destaque pela sua ocupação ou que dedicaram seu tempo a trabalhar na construção e no crescimento da cidade parece ser uma das mais recorrentes motivações para o merecimento de uma homenagem através de um topônimo. O já citado Decreto nº 5941, de 17 de março de 2005, que denominou uma escola pelo topônimo Lóris Antônio Pasquali Reali, apresenta em uma das considerações que foram levadas em conta para o estabelecimento da denominação “que é dever do Poder Público perpetuar a memória de seus homens mais ilustres” (BENTO GONÇALVES. Decreto n. 5941, de 17 de março de 2005.).

Os valores religiosos cristãos também estão presentes nas denominações das escolas. Isso pode ser verificado nos hierotopônimos e nos hagiotopônimos e, provavelmente, tenha sua origem na devoção dos imigrantes italianos. Assim, a prática cultural que fora inicialmente utilizada para denominar capelas e localidades, foi também transferida para a nomeação de escolas.

Verificamos, portanto, que existem ideias dominantes que sugerem um poder simbólico sobre a comunidade, essas ideias também podem ser transferidas para os topônimos. O efeito social da denominação atribuída à escola dependerá do grau de

identidade desta com a comunidade local. Isso poderá determinar a permanência ou a alteração das denominações. A partir disso, serão analisadas a seguir as mudanças de denominações das escolas da cidade de Bento Gonçalves.