• Nenhum resultado encontrado

As implicações das idades da vida para a sabedoria e a saúde

CAPÍTULO 3: Os Aforismos para a sabedoria de vida e seus ensinamentos

3.2 As implicações das idades da vida para a sabedoria e a saúde

A partir da reflexão sobre a importância em manter o corpo saudável e ater-se a uma conduta mais prudente, vemos como as máximas e exortações dos Aforismos deveriam ser lidas desde a mais tenra idade, pois quanto mais novo se é, menos atenção se dá tanto à saúde mental quanto física, assim como se é mais imprudente, deixando que as paixões sejam as condutoras das ações. No último capítulo dos Aforismos, Da

diferença das idades da vida, que se destina, como o título já diz, a mostrar como à cada

idade corresponde uma forma de ver e se comportar no mundo, com suas fragilidades e engenhos próprios a cada fase da vida, Schopenhauer diz que é mais difícil encontrar um velho satisfeito com a vida do que um jovem, pois aquele quanto mais tenha vivido maiores serão seus anseios para tornar a vida feliz: ―[...] toda limitação, até mesmo a intelectual, é favorável à nossa felicidade. Pois quanto menos estímulo para a vontade, tanto menos sofrimento‖216

. As crianças sofrem menos justamente por terem um tempo menor de vida; não tiveram a oportunidade de conhecer muitas coisas, muitas pessoas e, por conseguinte, terem grandes aspirações. O presente tem grande importância para a

vida da criança, tudo é pensado a partir dele e nele conhecemos verdadeiramente o mundo, pois o intelecto, responsável pela abstração conceitual nos afasta mais da essência em vez de nos aproximar217

.

Na juventude, a ânsia em satisfazer todos os desejos bem como a proliferação deles, muitas vezes sem direção certa, e a impetuosidade que lhe é própria ocasiona aos jovens muito sofrimento: ―O que turva o resto da primeira metade da vida, possuidora de tantas vantagens sobre a segunda, o que faz da juventude um período infeliz é a caça à felicidade, na firme pressuposição de que ela tem de ser encontrada na existência‖218. Só com a maturidade teremos sabedoria para entender que a felicidade é um estado negativo, uma ilusão que os mais jovens tomam como real e nisso empregam toda sua força para alcançar. Os jovens procuram empregar o tempo sempre na busca do que lhes proporcione prazer, pois o confundem com a felicidade. Não são simpatizantes do ócio, o consideram ―perda de tempo‖. A idade infantil, que corresponde à idade que vai até os quinze anos, é, segundo Schopenhauer: ―[o] Período mais longo da vida, [...] o mais rico em lembranças [...] as crianças precisam constantemente de passatempo, seja pelo jogo ou pelo trabalho; se o passatempo para, são de imediato assaltadas por um tédio terrível‖ 219

. Em contrapartida, a vida lhes parece bem mais longa do que verdadeiramente é, assim fazem muitos planos, na perspectiva de que disporão de tempo para concretizá-los. Segundo Schopenhauer, são características desse período: conhecer a vida ―apenas a partir do seu ponto de entrada‖: ―há mais concepção [...] encontramo- nos na condição de fazer muito com o pouco que conhecemos. [...] dá-se a colheita dos materiais para o próprio conhecimento‖220

. O conhecimento de si e do mundo resulta do todo da vida, incluindo dessa colheita feita na infância, muito embora não se dê tanta importância a essa fase.

Já na segunda metade da vida, na maturidade: ―[...] pelo menos os caracteres prudentes aspirarão mais à mera ausência de dor e a um estado sem distúrbios do que ao

217 Nas crianças tem mais destaque o conhecimento intuitivo do que o intelectivo: ―Eis a razão de a nossa

infância ser uma poesia ininterrupta, pois a essência da poesia, como de toda arte, consiste na apreensão, em cada coisa isolada, da ideia platônica, isto é, do que é essencial e comum a toda a espécie, sendo assim, cada objeto aparece como representação desta, e um único caso vale por mil‖. Cf. SCHOPENHAUER, 2002, p. 248.

218 SCHOPENHAUER, 2002, p. 251. 219

SCHOPENHAUER, 2002, p. 262.

prazer‖221. Para o homem mais velho, o tempo se torna mais escasso e, por conseguinte, sobra menos tempo para o tédio assim como os dias são melhor aproveitados: ―[...] ele [o tédio] é o companheiro apenas dos que não conheceram outros prazeres a não ser os sensuais e os da sociedade, deixando de enriquecer o próprio espírito e desenvolver as próprias faculdades‖222

. Isso também provoca, segundo o filósofo, uma certa dose de misantropia: ―De resto, cada um amará ou odiará a solidão, ou seja, a própria companhia, segundo a grandeza do seu valor íntimo‖223

. É então que o homem se volta à reflexão filosófica, exigente de uma acuidade intelectual maior: ―Na juventude rege a intuição, na velhice, a reflexão; dessa forma, aquela é a idade para a poesia, esta, mais para a filosofia‖224

. Com a velhice o homem: Adquire uma ideia completa e pertinente da vida, pois tem uma visão geral do seu conjunto e do seu curso natural; há mais juízo, penetração e meticulosidade e torna-se mestre do material para o conhecimento, colhido na juventude.

A jovialidade e a coragem de vida, características da juventude, devem-se em parte ao fato de estarmos subindo a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. [...] Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.225

221 SCHOPENHAUER, 2002, p. 252. ―Quando, nos meus anos de juventude, soava a campainha da

minha porta, eu ficava contente, pois pensava que tivesse chegado a hora. Mas nos anos ulteriores, na mesma situação, minha impressão estava muito mais próxima do terror, e eu pensava: ‗Agora chegou‘‖. Cf. SCHOPENHAUER, 2002, p. 252. Tal constatação se deve, provavelmente, ao fato de a velhice para Schopenhauer ter sido aparentemente mais amena do que seus anos de juventude.

222

SCHOPENHAUER, 2002, p. 270.

223

SCHOPENHAUER, 2002, p. 255. Ainda sobre a solidão do homem sábio: ―O homem inteligente [...] após travar algum conhecimento com aqueles que chamamos de homens, escolherá o retraimento e, no caso de um grande espírito, até a solidão. Pois, quanto mais alguém tem em si mesmo, menos precisa do mundo exterior e menos também os outros podem lhe ser úteis. Por isso, a eminência de espírito conduz à insociabilidade‖. SCHOPENHAUER, 2002, p. 26.

224 SCHOPENHAUER, 2002, p. 263. Segundo o filósofo, é comum aos grandes escritores produzirem

suas obras já em idade madura. Diz ele: ―A juventude permanece a raiz da árvore do conhecimento, embora só a coroa porte os frutos.‖ Cf. SCHOPENHAUER, 2002, p. 265. E ―Em sentido mais amplo, pode-se dizer também que os primeiros quarenta anos da vida fornecem o texto, e os trinta seguintes o comentário que nos ensina o sentido verdadeiro e a coesão do texto, bem como sua moral e todas as suas sutilezas.‖ Cf. SCHOPENHAUER, 2002, p. 266. No entanto, o próprio Schopenhauer publicou sua obra maior, O mundo como vontade e como representação, ainda no início de sua terceira década.

225 SCHOPENHAUER, 2002, pp. 255-256. ―[...] a maior vantagem que traz consigo a chegada de uma

idade muito avançada é a eutanásia, isto é, uma morte extremamente fácil, sem ser precedida por doença alguma, sem ser acompanhada de convulsão, uma morte que não se sente‖. Cf. SCHOPENHAUER, 2002, p. 272. Muito embora tomasse a velhice como a fase em que o homem se torna mais sábio, não é descartado por Schopenhauer o horror desperto pela ideia de aproximação da morte. Ainda assim, sendo esta inevitável, desejava que fosse leve. Safranski, ao narrar os últimos instantes da vida do filósofo, conta que, em 1857, após este sofrer uma queda em um dos passeios que dava com seu cão, além de um ferimento na testa, passou a ter algumas palpitações e sensações de sufocamentos (não há clareza se em decorrência da queda), até que aos 21 de setembro de 1860, foi encontrado morto, reclinado no braço do

Fica compreensível que a velhice pode ser vista como o período mais propenso à uma vida sábia e, logo, ao melhor aproveitamento dela. Conhecer melhor os outros homens, capacita para a contemplação mais aflorada e consegue-se distinguir com mais precisão a realidade das ilusões: ―Na velhice sabe-se melhor prevenir as desgraças; na juventude, suportá-las‖226. Para uma velhice suportável, aconselha-se que ao longo dos anos, antes que ela chegue, os cuidados com a saúde e com os bens materiais sejam tomados, de modo a não faltarem na época em que for tarde para recuperá-los.