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CAPÍTULO IV – O UNIVERSO DA PESQUISA

4.6 As Impressões dos Comerciantes

Conceito introdutório

Recentemente, duas importantes instituições divulgaram pesquisas que apontam o mesmo fenômeno: o surgimento de uma nova classe média no Brasil. A Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e o IPEA falam em algo como 20 milhões de brasileiros que melhoraram seu poder aquisitivo e somaram-se à parcela que hoje representa metade da população brasileira.

A classe média brasileira ganha em média R$ 2.600,00 e na grande maioria dos casos estudou a vida toda em escola pública.

A Fundação Getulio Vargas em reportagem da revista Exame em 21/09/2010, revela que o aumento do poder de compra das camadas menos favorecidas é sustentado por quatro fatores que, ao menos em um horizonte próximo, não deverão ser alterados:

1 – FATOR DEMOGRÁFICO: As classes C, D e E são, em geral, muito mais jovens que as classes A e B. Ou seja: se hoje as classes C, D e E já são maioria, serão ainda mais no futuro.

2 – FATOR SALÁRIO MÍNIMO: Nos últimos 10 anos o Brasil vem promovendo aumento real no salário mínimo, o que faz com que – ao menos na base da pirâmide – a massa de renda cresça acima da inflação. Com isso, sobra mais dinheiro para o consumo.

3 – FATOR CRÉDITO: Hoje, as classes C, D e E detêm 67% dos cartões de crédito. O crédito consignado e as prestações e financiamentos a perder de vista são uma realidade que torna possível o consumo da maioria dos produtos. Mesmo assim, o índice de endividamento do brasileiro ainda é muito inferior ao dos outros países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

4 – FATOR BOLSA FAMÍLIA: O maior programa de distribuição de renda do governo federal injetará R$ 11 bilhões na economia. Sem entrar no mérito do programa nem dos produtos que são comprados com esse dinheiro, o fato é que os beneficiários do Bolsa Família gastam esse dinheiro no pequeno comércio do bairro (que pertence, em geral, a comerciantes da classe C), que, por conta disso, contratam mais e compram mais da indústria, criando um circulo virtuoso na economia.

VIII. Em comparação há alguns anos, o (a) senhor (a) tem notado algum tipo de mudança nos hábitos de consumo da população?

Em Tócos do Moji, o volume de assinantes de TV por assinatura cresceu, segundo o comerciante do estabelecimento “B” que possui uma loja do mesmo ramo de negócio. Enquanto alguns fazem poupança, outros estão aproveitando os incentivos fiscais do governo para comprar materiais de construção, financiamentos de veículos (automóveis, caminhões, tratores e motos) e, conforme dito, geladeiras e fogões

[...] ha dois, três anos atrás eu fazia prestação de serviços e não tinha loja. Eu tinha uma loja de consertos e fazia prestação de serviços na área de instalação de antenas parabólicas, depois quando começaram vir os morangueiros, percebi que melhorou e falei: agora eu já posso ter uma loja, posso ter empregado, posso pagar aluguel, porque aumentaram as

vendas [...]. (Entrevistado: Estabelecimento Comercial “B”)

[...] Para você ter uma idéia eu vou ao bairro Fernandes toda semana. Se você observar a quantidade de carro novo lá, você não acredita. Carro é difícil, você vai comprar um carro novo é difícil, hoje moleque de 18 anos

Havíamos relatado sobre o aumento do consumo na fala do agricultor Antônio Claré e a relevância dá-se pelo fato de que esse comportamento mercadológico e de consumo das pessoas não era percebido até a chegada do cultivo do morango na cidade. Este foi um dos fatores que nos motivou a fazer uma investigação mais profunda nos hábitos de consumo da região, resultando em um modelo de comportamento próprio para aquela região.

[...] Se não houvesse morango aqui no município de Tócos do Moji, certamente estaríamos em uma situação de miséria [...]. (Entrevistado: Estabelecimento Comercial “A”).

Uma constatação forte e sincera. No momento em que iniciamos a gravação, a fala foi o fato que marcou todo o transcorrer da pesquisa e que, de certa forma, resume os sentimentos no que tange à importância do morango para a cidade.

Vários estudiosos da contemporaneidade destacam que a sua principal característica é o consumo. Consumo esse que reduz o indivíduo à sua condição de consumidor em conseqüência da automatização do sistema de produção.

Para Bauman (2001), o atual sistema social envolve os sujeitos primeiramente enquanto consumidores, pois somos guiados pela sedução e desejos voláteis, dos quais se movem as marcas e os símbolos com uma leveza quase imperceptível nas relações sociais, do que na constituição de laços com nossos semelhantes. A lógica do consumo proposta por ele o considera não como um fenômeno que emerge espontaneamente, mas que reflete como o consumo é estruturado na sociedade contemporânea.

É na sociedade capitalista tardia que o signo e a mercadoria se ajuntaram para produzir o que Baudrillard (1980) chama de “mercadoria-signo”, ou seja, a incorporação de uma gama de associações imagéticas e simbólicas, que podem ou não dispor de relação com o produto a ser vendido, sendo que normalmente não a dispõe, tendo a venda, portanto, o lucro como meta. O processo que recobre o valor

de uso inicial dos produtos e torna as imagens mercadorias, cujo valor obnubila os valores de uso e troca e a substância é então suplantada pela aparência. No império do signo, a mercadoria é transformada em signo e o signo em mercadoria. Para o autor, a transformação da mercadoria em signo foi o destino do capitalismo no século XX.

Para o consumo na sociedade contemporânea, os objetos são a verdadeira mola propulsora dos instintos humanos. Assim, os objetos atuais estão perdendo o significado que ainda possuem os objetos antigos, graças à produção em série, a redução da vida útil dos objetos industrializados (obsoletismo planejado), a toda uma manobra científica que mantém a massa sempre em busca de significações que os objetos factualmente não possuem. Esse processo fomenta nos indivíduos em busca por personalização, por identidade: o homem contemporâneo perde-se e frustra-se em busca da autenticidade nos objetos, que ele mesmo, massificado, já não possui.

O comerciante do estabelecimento “A”, que também é um líder comunitário muito conceituado na população local, admite a dificuldade de acompanhar as mudanças dos últimos anos em relação aos hábitos de consumo, bem como o próprio perfil do consumidor. Ele comenta que antigamente (cinco anos), as pessoas que compravam seus produtos não tinham o nível de exigência atual e que, em função disso, ele também foi obrigado a se atualizar, pois a concorrência havia aparecido em seu ramo de negócio e ele não poderia ficar para trás.

Por se tratar de um comércio baseado em produtos e mantimentos basicamente de uso diário, ele conta que foi preciso frequentar um grande hipermercado na cidade vizinha para que pudesse entender melhor o que a população consome e ver as novidades em vista da urgência da adaptação.

O consumidor local, segundo o entrevistado, passou a exigir marca, ou seja, o “novo” consumidor consegue fazer uma relação e uma comparação entre os

produtos de melhor qualidade e o seu preço. Obviamente não podemos afirmar que exista uma relação entre preço e qualidade, porém é sabido que a mídia, de forma geral, estimula o consumo de determinados produtos, ao alegar uma melhor qualidade e ao cobrar mais caro por isso também.

[...] antes se comprava apenas o básico, quer dizer, as pessoas não sabiam que existiam outras marcas. Depois que o morango passou a ser “a bola da vez” aqui, todo dia aparece alguém querendo comprar algo novo que viu na televisão. Tive que correr atrás, não teve outro jeito [...]

(Entrevistado: Estabelecimento Comercial “A”).

Os adolescentes que moram na cidade são os principais atores e também uma fonte de informação desta mudança de hábito. O proprietário do estabelecimento “B” que comercializa produtos eletro-eletrônicos diz que o numero de aparelhos celulares foi quase quadriplicado nos dois últimos anos. A maioria são adolescentes que trabalham nas lavouras de morango de seus pais ou parentes e que graças a essa renda, passaram a consumir produtos da “moda”, mas que certamente fizeram a economia local mudar.

O fato de os comerciantes observarem mudanças nos hábitos de consumo leva-nos a pensar em uma excessiva e perceptível alteração no ato da compra. Essa mudança provoca a necessidade de alteração na compra de produtos a serem comercializados e, por consequinte, a uma maior satisfação dos próprios clientes envolvidos.

[...] celular? Nossa, muitos, todos os dias vendo vários. Teve um dia que venho uma garota de aproximadamente 16 anos aqui, pedindo determinado modelo. Eu expliquei que não tinha, havia acabado. Ele começou a chorar e disse que todas as amigas delas tinham o tal

modelo. Detalhe, o aparelho de celular custava R$ 1200,00 [...].

(Entrevistado: Estabelecimento comercial “B”).

A necessidade de estar sempre atualizado com as novas tecnologias é o principal motivador dos adolescentes a trocar seu telefone celular. As mudanças com relação à melhora na comunicação entre eles, a maior liberdade e confiança que os adolescentes conseguem junto aos seus pais e a maior tranqüilidade e segurança que os pais adquirem por poderem manter contato constante com os filhos fazem do telefone celular um aparelho indispensável na vida das famílias.

Até quatro anos atrás, não havia telefonia móvel disponível no município. O prefeito municipal esclarece que, em função de um acordo realizado com uma das empresas do segmento que atende a região, foi possível instalar uma antena para atender a população.

A relação entre o desenvolvimento regional e o comércio local, de acordo com pressupostos relacionados em nossa revisão da literatura, indica que não se trata só de fatores extrínsecos, e sim fortemente de fatores intrínsecos ao ser humano. Há autores que defendem fortemente a idéia sobre a questão intrínseca como fator de alteração de hábitos. Entretanto, aspectos do meio acabam interferindo diretamente nas questões que envolvem o fator motivacional.

Este ponto é extremamente importante na análise desta tese, pois a vida da população melhorou com o advento da cultura agrícola do morango, na opinião das pessoas que lidam com o comércio.

[...] Está todo mundo com dinheiro, não dá para negar [...] (Entrevistado:

Estabelecimento comercial “A”)

Assim sendo, e analisando as respostas a esta questão, verificamos uma unanimidade nas respostas. A maioria, atendendo ao esperado, aponta que, em

condições gerais, a vida da população mudou para melhor e isso provoca uma relação direta entre consumo e cultivo do morango.

Para o comércio da região, como para qualquer outro tipo de organização empresarial privada, o planejamento estratégico é fator fundamental de sobrevivência e competitividade. Assim, entendemos que o comércio local terá que se adaptar à nova realidade como linha mestra de um bom encaminhamento estratégico junto aos clientes.

Não obstante, a maioria dos comerciantes externaram a impressão de que a vida da população melhorou, esse fato demonstra que os comerciantes estão vivendo uma realidade inédita. Como são umas das partes mais interessadas no processo em questão, devem, portanto, fazer a “lição de casa” e rever suas possibilidades de comércio de produtos e serviços.

[...] fui obrigado a comprar material de construção, louças e metais sanitários de marca e qualidade melhor. Foram construídas mais de 30 casas no último ano (2009) e eu sou o maior e quase único fornecedor deste tipo de material aqui na cidade. Quando eu não tenho em meu estoque, encomendo e eles me entregam para que eu possa revender depois. Logo terei que abrir uma filial no bairro Fernandes, pois é lá que estão meus melhores clientes [...].(Entrevistado:Estabelecimento comercial “C”).

Adicionalmente a fala do proprietário do comercio “C”, verificamos que durante o dia quase não há pessoas nas ruas. Esse fato corrobora com nossa análise. As pessoas estão todas trabalhando nas lavouras de morango.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), as vendas de materiais de construção no Estado de Minas Gerais cresceram no ano de 2010 em relação ao ano anterior. Segundo dados divulgados, o comércio desses insumos cresceu 5,4% de abril para maio de 2010, reduzindo a queda acumulada do faturamento para 16,1%, ante o mesmo período de 2008. O setor vem registrando alta desde maio, mas a Abramat afirma que o cenário

é animador em relação aos próximos meses e tem expectativa de crescimento de 3% nas vendas até o final do ano, e início de 2011. Acreditamos que os dados valham, em especial, para o município estudado.

Podemos analisar as respostas dos entrevistados da seguinte forma: o tipo de comércio, ou seja, os produtos ou serviços oferecidos podem variar a necessidade de adaptação. Um estabelecimento comercial de eletroeletrônicos, por exemplo, terá que mais rapidamente se adaptar às novas demandas e solicitações. Observa-se no estabelecimento comercial “B” esta questão em função de ser este o estabelecimento que comercializa aparelhos de alta tecnologia.

O apresentado quadro de consumo no município é o ideal para afirmarmos que as mudanças de hábitos estão ocorrendo e, portanto, os estabelecimentos comerciais precisam se adaptar a esta “nova” realidade. De um lado, temos a população querendo consumir coisas novas. De outro, vemos os comerciantes tendo que se adequar à nova realidade. Parafraseando Charles Darwin “Quem irá sobreviver não serão aqueles mais fortes ou os mais espertos, e sim aqueles que mais rapidamente se adaptarem as mudanças”.

O comerciante do estabelecimento “A” faz a seguinte análise e acrescenta que, tem percebido as mudanças de hábitos de consumo de seus clientes e isso acontece em função do morango na cidade.

O morangueiro58 chega aqui em meu estabelecimento e compra pagando

a vista. Antigamente pedia para marcar59 e ainda era muito difícil receber.

As pessoas estão com dinheiro no bolso. Outra coisa são os adolescentes que no fim-de-semana vem aqui para o centro com motos

novinhas.( Entrevistado: Estabelecimento comercial “A”).

58 Nome popular do produtor de morango.

Nos três estabelecimentos comerciais ocorreram indicações de que reconhecem a necessidade de parceria com outros fornecedores e adaptação rápida, por questão de sobrevivência ao mercado.

Nenhum comerciante afirmou não haver relação entre o cultivo do morango, a continuidade de seu negócio e o consumo. Em nosso ponto de vista, esta situação é a ideal para o desenvolvimento regional, pois dá legitimidade à lógica de desenvolvimento local e relacionamento de cordialidade entre produtores e comerciantes.

4.7 As Impressões das autoridades Locais (Prefeito e vereadores):

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