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CAPÍTULO II: Mídias e envelhecimento na década de 1980

II. 3 – As iniciativas governamentais e acadêmicas

No mesmo ano de 1986, o jornal O Estado, do dia 29 de setembro, colocava a situação dos aposentados no Estado, citando dados do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social): na Grande Florianópolis existiam 6.830 pessoas aposentadas por invalidez, 255 por acidente de trabalho, 3.395 por idade e 3.780 por tempo de serviço. Segundo o então coordenador regional da perícia médica do Instituto, Osmar Andrade Farias, “25% dos casos de aposentadoria por invalidez resultam de problemas de cardiopatia, depois disso, em ordem decrescente vem a artrose, as doenças de coluna, a hérnia de disco e a psicose”. Uma segunda matéria no mesmo jornal falava sobre os idosos:

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Meu filho Francisco, quando cursava a quarta série há dois anos, fez parte de um projeto da escola (Colégio de Aplicação da Univali, em Tijucas) em convênio com grupos de “terceira idade” que objetivava fazer interagirem crianças com idosos. Uma vez por mês eles tinham atividades recreativas numa manhã de encontro na escola e, entre um encontro e outro, eles trocavam cartinhas, cartões e lembrancinhas entre padrinhos e apadrinhados. O casal participante do grupo, que apadrinhou Francisco, foi acometido pela falta do cônjuge varão que veio a falecer. Francisco chegou a visitá-los em casa, levava flauta para alegrar o “padrinho” acamado e tudo isto criou uma relação também afetiva – no mínimo interessante a um menino que não tem avós vivos, nem oportunidade em família de conviver com pessoas idosas.

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ALVES, Andréa M. A dama e o cavalheiro: um estudo antropológico sobre envelhecimento, gênero e sociabilidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 17.

Desde 1976, quando surgiram movimentos de conscientização do problema, eles têm se agrupado e denunciado a marginalização que sofrem. (...) Na capital, o NETI – Núcleo de Estudos da Terceira Idade da UFSC, única universidade do país que desenvolve trabalhos na área, vem promovendo há cinco anos encontros e seminários a fim de reuni-los e divulgar suas reivindicações. Hoje, são bastante difundidos os chamados grupos de convivência promovidos por órgãos como LBA, Ipesc, Prefeitura e a própria UFSC.

Ainda o mesmo jornal citado no parágrafo anterior trazia depoimentos da professora Neuza Guedes e a psicóloga Maria de Lourdes Freitas de Souza, que levantavam também o problema das discriminações sofridas pelos idosos, depois de aposentados, pela família que os transformava em peso por já não colaborarem com os afazeres domésticos, em referência às avós que cuidavam dos netos. Ressaltando o pioneirismo do NETI, a matéria finalizava informando:

Em março foi realizado o 1º Seminário de Política Social do Idoso em Santa Catarina do qual resultou um documento de reivindicações dos idosos nas questões de legislação, ação social, cultural, lazer, saúde e educação. O Governo Federal está interessado no trabalho do NETI e já o convidou para participar do Conselho Nacional da Condição do Idoso, que visa uma política social sobre os idosos, a fim de mantê-los úteis e produtivos à sociedade.

O NETI (Núcleo de Estudos da Terceira Idade) foi implantado junto à comunidade acadêmica em 1982, como um programa de extensão da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Segundo depoimento da Professora Neuza

Guedes18, o NETI surgiu da necessidade premente percebida através de um questionário

lançado a funcionários da universidade aposentados, sobre suas demandas, e com o passar dos anos se tornou uma referência em nível nacional para outras universidades que, por sua vez, adotaram programas similares. O Estado confirmava que a criação do

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NETI era uma “iniciativa pioneira a nível universitário e partiu da coordenação das professoras Neusa Mendes, do Departamento de Serviço Social e Lúcia Takase Gonçalves, de Enfermagem”. Os encontros deste Núcleo aconteciam todas as quartas feiras à tarde, na antiga igrejinha da Trindade (que compõe o patrimônio da UFSC, atualmente é um espaço cultural: Teatro da Igrejinha). Completava o artigo do jornal:

(...) os debates são coordenados pelos próprios idosos, que sugerem o tema que querem abordar. Do núcleo participam duas professoras e quatro estagiárias do Serviço Social. As reuniões semanais do grupo de idosos (...) são abertas a todos que se interessam no debate e discussões sobre alternativas e participação comunitária do idoso.19

No entanto, o NETI enfrentou uma série de entraves para se estabelecer e ser reconhecido como algo importante. Foi o trabalho insistente destas “agentes sociais”

que resultou nesta “participação comunitária”. A professora Neuza lembra20 o que para

ela foram “fatos pitorescos” no decorrer dos primeiros anos de instalação do núcleo, entre estes cita uma pesquisa realizada entre familiares e técnicos da comunidade universitária que se declararam contrários a uma “Escola para Idosos” e a negativa dos próprios funcionários e professores universitários de participar de reuniões cujo tema fossem as questões da aposentadoria. A velhice estava definitivamente sendo colocada como problema.

A antropóloga Andrea Lopes reforça o que pude perceber em Santa Catarina, que a gerontologia tomou força na década de 1980, quando a Geriatria assumiu mais autonomia e foi crescendo também a influência internacional, pois muitos sócios da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) foram participar de

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“O Estado”, de 28/09/1983.

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GUEDES, “A construção de um caminho (Resgate histórico: tropeços e passos a caminho de acertos)”. In: GRÜNEWALD, Virgínia (org.). NETI: A Construção de um Caminho na Gerontologia. Florianópolis: Editora Copyflo, 1997. p. 27-28.

eventos no exterior ou realizaram cursos de pós-graduação21. Em Santa Catarina, os

envolvidos nas questões do envelhecimento não eram intelectuais provenientes de um debate direto com o exterior, mas as questões externas eram discutidas e compartilhadas com problemáticas semelhantes levantadas pelos profissionais, através dos eventos nacionais que discutiram a velhice.

A ANG (Associação Nacional de Gerontologia) foi criada em 1987, resultado da cisão dentro da SBGG, provocada pelo debate interno entre médicos geriatras e gerontólogos. Um grupo de gerontólogos estava “insatisfeito com a

quantidade de poder e posição dispensada para sua presença dentro da entidade”22. Com

a separação, a ANG passou a agregar não só profissionais e acadêmicos, mas associações de idosos e pessoas interessadas na questão da velhice.

No ano anterior, 1986, aconteceu em São Paulo o I Congresso Ibero Latino Americano de Geriatria e Gerontologia, com a participação de especialistas de Portugal, Espanha, México e Argentina – foi o que informou “A Gazeta”, de 05 de setembro. Segundo o jornal, a SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) estava realizando o seu maior evento até então. Dois dias antes, o mesmo jornal entrevistou Zally Queiroz, que era da Comissão Científica da SBGG, ela falava que a velhice deveria ser encarada como uma etapa “normal” da vida:

O preparo para a velhice deveria ter origem na infância, apresentada como um estágio normal da vida. Um primeiro passo para que não seja doloroso, deve ter início com a aceitação do idoso pela família. Motivar junto à comunidade a criação de centros de permanência não implicando na internação e isolamento. As atividades de lazer, esportes, culturais e de atendimento à saúde, devem ser oferecidas próximas às suas residências, facilitando sua locomoção.

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LOPES, Andréa. Os desafios da gerontologia no Brasil. Campinas/SP: Editora Alínea, 2000. p. 192.

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A Gerontologia surgiu também como resultado da preocupação de alguns profissionais mais envolvidos com o processo social que alijou a velhice a um estágio inferior da existência, ao contrário do que deveria ser “normal”, como dizia a gerontóloga Zally Queiroz. As parcerias com diferentes instituições nacionais e internacionais, autoridades e órgãos públicos, foi dando credibilidade e fortalecendo, inicialmente, a Geriatria, como uma especialidade médica, e a Gerontologia, com outros profissionais. Talvez, concordando com um dos entrevistados por Andrea Lopes (ela não cita os nomes dos entrevistados, mas supus ser um dos diretores da SBGG), “quando a idade for um elemento irrelevante para a organização da sociedade, a

Gerontologia não vai ter nenhum sentido de existir”23. Em Santa Catarina, a emergência

da Gerontologia ajudou a pensar e construir discursos e ações voltadas à população idosa. Apesar dos debates e das divergências que esta “área” multidisciplinar criou, por conta da sua não especificidade, foi muito rico este momento da década de 1980, e de fundamental importância no debate sobre as questões do envelhecimento. Os jornais evidenciaram e tornaram público este debate. Mostraram as mobilizações em torno do envelhecimento e os conflitos que deles mesmos emergiram.

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