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AS LIÇÕES DO CAMPO

No documento As manobras do comportamento desviante (páginas 41-43)

A pesquisa incluiu outro estacionamento, com características diferentes, pois atende a um hospital. Nesse local, trabalham 65 funcionários e registra-se uma grande rotatividade. Nos meses de setembro e outubro de 2011, foram desligados10 9 pessoas, por estarem envolvidos em situações de furto na unidade.

A situação dos furtos veio à tona, porque um funcionário, em seu primeiro mês de trabalho, reclamou de um colega que ficou de lhe repassar um dinheiro e não passou. Reclamou, assim, a sua parte. Como o colega não repassou o valor, ele resolveu denunciá-lo, mencionando quem estava envolvido e como todo o esquema estava funcionando. De acordo com os auditores da empresa, depois de ter contado sobre o episódio, o rapaz disse estar arrependido de ter se envolvido com esta situação. Também contou que, logo que chegou à empresa, os seus colegas lhe ensinaram como proceder.

Apresentei-me à gerente desta unidade, explicando que o meu trabalho visava a acompanhar a rotina do trabalho das pessoas no estacionamento. Pedi que informassem ao cliente contratante que eu estaria nas dependências da unidade, para que não estranhassem a minha presença. Eu sabia que tinham câmeras por toda a extensão e que logo identificariam um estranho circulando por lá.

No primeiro dia, permaneci em uma das áreas do estacionamento. Não me senti à vontade para anotar, em função de o local ter uma guarita muito pequena e apenas um funcionário a organizar o fluxo de carros e de pessoas. Apresentei-me ao jovem que ali estava, e ele tinha 23 anos e trabalhava das sete às quinze horas. A

guarita era de zinco, e havia um equipamento de cobrança, com uma gavetinha para o dinheiro e, nela, só cabia uma pessoa. Em setembro, as manhãs ainda eram bem frias e fiquei imaginando como seria no inverno, tentando disfarçar que estava incomodada com a sensação térmica.

O funcionário tinha um rádio, para comunicar-se com as demais pessoas da equipe de trabalho, mas ficava a maior parte do tempo sozinho. Havia um fluxo intenso de carros, porque muitas pessoas somente desembarcavam no hospital. Outros tentavam localizar uma vaga para estacionar. O funcionário tinha que controlar essas situações, na medida em que muitas pessoas entravam como se fossem deixar as pessoas, mas, se encontravam a vaga, acabavam estacionando, sendo necessário ir até o local para colocar o automóvel na máquina e garantir que o horário de entrada do carro ficasse registrado. Existe uma tolerância de vinte minutos para o não pagamento.

Nesse dia, chegou o auditor, e foi um momento tenso. O funcionário tinha que sair da guarita e deixar os documentos, para que fosse averiguado se os carros que estavam no pátio tinham sido registrados na máquina. O auditor questionou sobre um carro que estava bem na frente da entrada do hospital, e o rapaz disse que o motorista entrou dizendo que somente deixaria um familiar. Nesse momento, percebi que o jovem me olha rapidamente. Entendo que ele estava constrangido em ser questionado. A abordagem era séria e pontual. O auditor certificou-se de que o carro esteja ali há pouco tempo e o orientou para que ele passasse um rádio e pedisse o número da placa do automóvel, não podendo deixar nenhum carro sem registro.

Observo que os clientes usuários do estacionamento tentavam driblar o tempo que deixavam o carro, justificando que foram somente deixar os familiares no hospital. De outro lado, a empresa solicitava que o funcionário registrasse o carro, pois, se este não estivesse na máquina, ele teria que justificar o fato. Esta circunstância gerava desconfiança sobre o funcionário.

É uma relação em que ocorrem muitos desgastes com os clientes que reclamam por ter que pagar por uma vaga dentro do hospital, uma vez que já estão pagando caro pela hospitalização, e também por estarem eventualmente tensas, visto que estes clientes usuários são pacientes ou acompanhantes de pacientes. Esses aspectos, de acordo com os relatos das entrevistas, servem como justificativa para estacionar em locais indevidos, tais como: de carga e descarga, local para as emergências. O funcionário tem que administrar todos estes embaraços. Ele disse:

“As pessoas não querem nem saber”. “O pessoal entra no hospital, para o carro e,

depois, diz que ficou só uns cinco minutinhos. São uns cara de pau. O pior é que, muitas vezes, é gente que não precisa...chegam com uns carrões e choram.”

Ele mencionou que o pessoal reclama de tudo, do troco, de que é caro, de que o local para estacionar é ruim. Disse que era bem tenso o ambiente e comentou que outros colegas falaram: “Se tu rir para eles e der bom dia, eles vão te dizer que,

se fosse bom dia, não estariam num hospital”.

Nossa conversa acontecia entre uma corrida e outra. Quanto mais chegava perto do meio dia, mais o fluxo aumentava, até que eu me despedi e o deixei à vontade. A vivência, no campo, nesse dia, realmente me causou muitos embaraços, provocando o que Patrícia Couto (2007) chamou de “choques evocativos”, que ocorrem no encontro da experiência com os velhos paradigmas que se batem com as novas impressões da consciência. Esse encontro, segundo ela, “provoca-nos ansiedade, uma vez que procuramos a todo custo encontrar significado para aquilo que nos desconcerta e do qual ainda não temos consciência efetiva” (COUTO, 2007, p. 319).

Foi possível perceber, em vários momentos, a dificuldade do cenário, onde aquele rapaz estava inserido, no quanto fica sem apoio profissional e pessoal e o quanto esta posição é solitária. É um jovem profissional, com pouca experiência profissional, que está em uma situação de vulnerabilidade, por ter que equilibrar as necessidades dos clientes usuários empoderados e dos seus chefes.

No documento As manobras do comportamento desviante (páginas 41-43)

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