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O ESTACIONAMENTO E AS SUAS MANOBRAS

No documento As manobras do comportamento desviante (páginas 38-41)

Iniciei o trabalho, sentando para conversar com o gerente de uma unidade, o Seu Adão6, como é chamado, um profissional de uns quarenta e poucos anos.

Assim, pelos seus cabelos grisalhos, pela sua história pessoal e por seu sotaque, foi carinhosamente chamado de “Seu Adão”.

Mencionei a ele o meu interesse em conhecer a realidade do pessoal nos estacionamentos, de poder compreender mais de perto o que os mobiliza, o que sentem ao realizar as atividades e por quais situações passam. Para ele, falei do desafio do foco de pesquisa de meu mestrado.

Mostrei que escolhi aquela unidade, por suas características, sua história7 e desenvolvimento e não por qualquer desconfiança da gestão e das pessoas que lá estavam no momento da observação. Ele foi extremamente receptivo. Pedi que mediasse o meu contato com a sua equipe, que informasse a eles sobre os meus objetivos e quando eu iria8.

Marcamos a data de minha primeira estada lá.

Eu não sabia quem estava mais nervoso em um primeiro momento, se eles ou eu. Compreendi o que Willian Foote Whyte mencionou no livro Desvendando

máscaras sociais (1980). Por mais que minha intenção fosse a de ter a mente

aberta, o observador já vai para o campo com muitas ideias na cabeça e muita dificuldade de sentir-se invisível no ambiente e de não alterar o que está instituído.

Apresentei-me para o Fabiano, funcionário da unidade que já me conhecia, e para o Willian, o qual só havia visto de longe. Repeti o que já havia pedido para o Seu Adão falar e busquei um lugar para ficar lá com eles durante a jornada de trabalho. A minha intenção foi acompanhar a rotina com eles, sem atrapalhar a funcionalidade do estacionamento, se é que isto é possível.

Pela manhã, o movimento era mais tranquilo, a maioria dos que chegavam eram os condôminos. Os funcionários conheciam todos os condôminos e sabiam dos hábitos de muitos. Um deles requeria maior atenção, eis que, segundo os funcionários da unidade, era um dos clientes mais difíceis, por ele possuir um carro importado, top de linha, a equipe já garantia um lugar para o estacionamento do veículo e que não tivesse risco de haver sinistro.9 Eles brincavam: “Levaríamos uma

vida para pagar o prejuízo desta máquina!

7 Nesse estacionamento, ao longo de sua existência, houve algumas situações de roubo por parte

dos funcionários, assim como demissões por justa causa.

8 Eu não queria gerar um desconforto, por ter alguém estranho à unidade. Ainda mais que eu não

podia desconsiderar quem eu representava para eles e que poderia, sim, existir, por parte dos funcionários, sempre a dúvida da minha real intenção.

9 Sinistro: É quando acontece algum acidente com o carro ou no carro. Quando isto acontece a

Fazem isso também porque já entenderam que, para ter uma relação harmônica com esse cliente, precisam “massagear o seu ego e a sua vaidade”. Conforme me explicam, é, desta forma, que garantiam uma tranquilidade na relação com alguém que reconhecem como um formador de opinião e de intrigas no estacionamento.

Eles conheciam os clientes mensalistas e os usuários frequentes da unidade, sabiam de seus hábitos, de suas histórias de vida, inclusive de alguns segredos. Faziam parte daquela comunidade, enquanto trabalhavam no local. E iam formando um conjunto de ideias sobre as trocas que se estabeleciam. A partir disto, iam interagindo, construindo as relações e firmando os diálogos.

O uniforme é uma exigência de todas as empresas observadas, e, neste estacionamento, eles também trabalham de gravata, camisa social de manga curta e calças compridas. No início da manhã, ainda é suportável. Eles colocavam os carros nos andares e voltavam correndo para não deixarem a recepção vazia. É uma rotina de muita movimentação, sendo este momento também um exercício para o observador manter-se distanciado, pois é um universo de trabalho intenso que exige atenção e esforço físico.

Os funcionários chegavam para o trabalho, alguns de moto, outros de ônibus, vestindo camisetas, brincos e adereços, e, rapidamente, se modificam, despindo-se das suas identidades, transformavam-se em “executivos” de manobras e relacionamentos. Enquanto manobravam, cobravam e interagiam com os clientes, íamos conversando sobre a funcionalidade da operação.

Ao mesmo tempo em que se colocavam com muita humildade, em alguns momentos, com certa vergonha em se manifestar; quando falavam das diferentes atividades do estacionamento, das manobras arriscadas que faziam ao dirigir carros automáticos, com tecnologias totalmente diferentes. No entanto, demonstravam orgulho ao darem conta dessas manobras e responsabilidades.

A garagem em que dirigiam é cheia de pilares, onde é necessário ser realmente bom motorista para alocar o carro. Muitas vezes, para colocarem um maior número de carros, tinham que descer do veículo, pois, do contrário, a porta não abria e era preciso empurrar o carro com cuidado até o local certo. Com este descontado não ultrapasse o que é determinado pela legislação trabalhista brasileira, ou seja,30% do salário.

“malabarismo”, geravam mais espaço, para organizar as manobras dentro do estacionamento e disponibilizar mais vagas.

O funcionário precisava lidar com as diferentes personalidades dos que chegavam, uns querendo atendimento imediato, instantâneo, com reações adversas, desde uma hostilidade até um descaso total por quem estava trabalhando. Estes momentos geraram, através dessa experiência realizada por mim, uma possibilidade de empatia para com as pessoas da unidade, pois o desprezo que percebi foi impactante, sendo difícil ficar indiferente.

No documento As manobras do comportamento desviante (páginas 38-41)

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