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CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZANDO O UNIVERSO DA PESQUISA

1.3 As Medidas Socioeducativas e a interface entre a política nacional e a municipalização

Para compreender melhor esse contexto, é necessário mencionar a interface entre o SUAS e o SINASE. Em 2004, foi instituída a nova Política Nacional de Assistência Social. Posteriormente, em 2015, foi criado o SUAS, organizado de forma descentralizada e caracterizado pela gestão compartilhada, também responsável pelo co-financiamento entre União, estados e municípios. Os projetos e

programas vinculados à área da assistência social têm como público as famílias. As ações dessa política pública são organizadas em dois tipos de proteção: básica e especial, executada pelos CREAS; os CRAS e pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) na esfera pública, e com a Rede Socioassistencial privada do SUAS.

O SINASE, que foi instituído pela Lei 12.594 em 2012, tem como finalidade regulamentar a execução das MSE e é composto pelos estados, municípios e distrito federal que devem elaborar seus planos socioeducativos em cada nível de responsabilidade, assim como as demais políticas públicas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei.

A efetivação dos direitos fundamentais garantidos na Constituição de 1988, de caráter social, deve se dar por meio de políticas públicas, entre elas a política pública de Assistência Social, que compõe, junto com a Saúde e com a Previdência Social, o denominado “Tripé da Seguridade Social”:

Conforme a Lei no 8.742/1993, Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, a Assistência Social atuará de forma integrada com as demais políticas setoriais, visando à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos direitos sociais. O Sistema Único de Assistência Social – SUAS tem sua organização definida pela PNAS/2004 e pela Norma Operacional Básica do SUAS - NOB/SUAS (2012), por meio da previsão de oferta de serviços, programas, projetos e benefícios, de caráter continuado ou eventual, organizados em níveis de proteções: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Com a aprovação da Lei no 12.435 em 2011, que altera a LOAS, o SUAS passa a integrar o arcabouço jurídico nacional, representando um novo marco histórico da Política Nacional de Assistência Social. Com esse novo ordenamento foi instituído legalmente a Proteção Social Básica e a Especial, e suas respectivas unidades públicas estatais, CRAS e CREAS, para a oferta dos seus serviços de referência (BRASIL, 2016, p. 29).

Por exemplo, em Pelotas, o CREAS I é o responsável pela execução das MSE em meio aberto (LA e PSC), desde a municipalização das medidas19.

Anteriormente, o atendimento e acompanhamento da execução eram realizados pelo judiciário através de uma equipe técnica composta por assistentes sociais e

19Em 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA passou a co-financiar a oferta

do Serviço de MSE em Meio Aberto no Centro de Referência Especializa do de Assistência Social – CREAS. A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, disposta na Resolução CNAS no 109/2009 estabeleceu os critérios, as descrições, as provisões, as aquisições, os objetivos dos serviços socioassistenciais. A referida normativa estabeleceu o CREAS como unidade de oferta do Serviço de MSE em Meio Aberto. Fonte: Caderno de Orientações Técnicas: Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Secretaria Nacional de Assistência Social. Brasília, Distrito Federal: 2016.

psicólogos, lotados no Foro da Comarca de Pelotas20.

O ECA prevê três níveis de garantias de direitos inspirados na Constituição Federal. O primeiro nível estabelece um conjunto de direitos fundamentais destinados à todas as crianças e adolescentes; o segundo nível destina-se às crianças e adolescentes com violação de direitos que são vítimas ou correm risco de sofrer violência, maus tratos, negligência; e o terceiro nível corresponde à responsabilização dos adolescentes (SARAIVA, 2005). No terceiro nível encontra-se o Sistema Socioeducativo21 a partir da oferta de serviços continuados em meio

aberto ou meio fechado.

Em janeiro de 2012, é promulgada a Lei nº 12.594/2012, que institui o SINASE e regulamenta a aplicação e a execução do conjunto de MSE, estabelecendo previsões normativas para a atuação do Sistema de Justiça, das políticas setoriais e dos demais agentes do sistema socioeducativo e a corresponsabilidade pelo acompanhamento dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Compete aos Municípios formular e instituir seu Sistema Socioeducativo e seu Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo e, principalmente, co-financiar e executar as MSE em meio aberto. Na figura 2, são apresentadas as responsabilizações do Estado, em nível federal, estadual e municipal:

20A equipe composta por duas assistentes sociais e um psicólogo tem como função auxiliar os juízes

nas decisões judiciais para propor uma medida socioeducativa (das seis existentes, da mais branda a mais severa). O trabalho realizado ocorre no período da instrução do processo, realizando uma avaliação a fim de auxiliar o magistrado na definição de qual medida mais adequado a cada situação. Ultimamente a atuação das assistentes sociais com adolescentes que cometeram ato infracional tem sido reduzida, ficando a cargo da própria Juíza da Infância e Juventude decidir sobre a aplicação das medidas.

21 Utiliza-se aqui o conceito de Sistema Socioeducativo estabelecido na Resolução no 119 do

Figura 2 - Competências dos Governos (SINASE) Fonte: BRASIL, 2016, p. XX

De maneira complementar ao ECA, a Lei do SINASE, no parágrafo 2ª do art.1º, define os seguintes objetivos das medidas socioeducativas: I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento do seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos na Lei.

No Brasil, “conforme previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, e no Estatuto da Criança e do Adolescente são penalmente inimputáveis22as pessoas com idade inferior a 18 anos” (LIMA; VERONESE, 2012, p.

149). Para aqueles que praticam ato infracional, o Estatuto prevê MSE que são dispostas em grau de severidade, no seu artigo 112, dependendo, para a aplicação de cada medida, de algumas questões fundamentais que são: a) a capacidade do adolescente em cumprir determinada medida; b) as circunstâncias que sucedeu o suposto ato infracional; e c) a gravidade deste último.

22“A palavra imputabilidade tem origem no verbo imputar, que significa atribuir a alguém determinada

responsabilidade. Imputabilidade penal, portanto, é a atribuição da responsabilidade penal, que torna a pessoa suscetível de aplicação das normas estabelecidas no Código Penal e de suas sanções, se suas determinações não forem cumpridas” (LIMA; VERONESE, 2012, p. 149).

As medidas socioeducativas são prescritas conforme os artigos do Título III, Capítulo IV do ECA. É possível observar os artigos da Seção I, “Disposições gerais”, os quais enumeram e caracterizam as tais medidas: Art. 112 Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das medidas previstas no art. 101, I a VI.29; § 1o A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2o Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado; § 3o Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições (BRASIL, 1990).

Os artigos 119, II; 120, § 1o; 123, § único, de igual modo, ratificam a importância das atividades pedagógicas, as quais são obrigatórias, mesmo nas internações provisórias, pois o que se pretende é sempre o resgate da pessoa humana, inimputável penalmente, que, no entanto, transgrediu normas (LIMA; VERONESE, 2012). Nesse sentido, as observações realizadas no CREAS colaboraram para perceber como as atividades de acolhida e de acompanhamento das medidas eram executadas e respeitavam a legislação prevista.

Tendo em vista o SINASE como um instrumento composto por um “[...] conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa” (CONANDA, 2006, p. 23), optou-se por entrevistar diferentes agentes envolvidos no processo que envolve o adolescente autor de ato infracional. Assim foram entrevistados membros da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Pelotas, do Foro da Comarca de Pelotas, equipes técnicas e membros da Rede Socioeducação. A escolha desses interlocutores está relacionada diretamente com o Estado e também com a própria dinâmica do universo pesquisado.

Até aqui foram discutidas as formas de reconhecimento por parte do Estado para com esse grupo juvenil, perpassando as diferentes noções que envolveram a definição de infância, adolescência e juventude ao longo do desenvolvimento da sociedade moderna. Em seguida foi apresentada a transformação da legislação

brasileira e dos paradigmas que marcaram cada período referente ao tratamento de crianças e adolescentes. Finalmente, foi apresentada a legislação vigente e suas interfaces previstas para o atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, além de situar brevemente sua inter-relação com o “campo” da pesquisa.

O próximo capítulo versa sobre o município de Pelotas e seu contexto sócio- histórico, além de apresentar de forma mais aprofundada o universo da pesquisa, e discutir o conceito de violência, intrinsecamente relacionado com a experiência empírica e com os dados secundários que também são discutidos.

CAPÍTULO 2 - PELOTAS E SEU CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO: ALGUNS