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2.3 A Linguagem Figurada: para Início de Conversa

2.3.2 As Metáforas Conceituais

A teoria da metáfora conceitual surgiu em 1980 com os estudos de Lakoff e Mark L. Johnson, publicados no livro Metaphors we life. Nesse livro, eles, adotando uma visão experiencialista, discutem a natureza e a estrutura da metáfora em uma perspectiva inovadora e inédita: uma perspectiva conceitual. Eles buscaram mostrar que o nosso sistema conceitual está baseado, em grande parte, em metáforas básicas, as quais se projetam no sistema

linguístico de diversas formas. É tida como a mais influente corrente dessa área e defende que a metáfora é um fenômeno cognitivo (mental) acima de tudo.

Assim, estudam expressões básicas que aprendemos instintivamente juntamente com a cultura e com a língua. Afirmam que quando nos envolvemos num processo de argumentação, falamos literalmente, mas compreendemos a argumentação metaforicamente. Assim, produzimos metáforas verbais porque possuímos conceitos que se organizam

metaforicamente. Fonseca (2009, p. 95) evidencia que, de acordo com esses teóricos, “pelo

menos, em alguns domínios dos nossos conceitos, as metáforas serão organizadas

sistematicamente”.

De acordo com Lakoff e Johnson (1980), em Metaphors we life by, a metáfora é, acima de tudo, uma figura de pensamento. Essa visão se diferencia da tradicional que defendia ser a metáfora uma figura de linguagem. Eles mencionam que em expressões como

“você atacou meus argumentos” ou “demoli seus pontos de argumentação” que fazem parte do nosso sistema conceitual dentro do qual existe o conceito de “DISCUSSÃO É UMA GUERRA”, as metáforas conceituais estariam categorizadas em vários tipos de orientação,

tais como: orientação espacial, ontológicas, estruturais, novas etc.

As estruturais seriam aquelas na qual um conceito é estruturado metaforicamente em termos de outro, ou seja, que nos permite conceitualizar um elemento referindo-se a outro, o qual compreendemos de forma mais direta. As metáforas de orientação ou espaciais organizam todo um sistema de conceitos baseados nas nossas experiências corpóreas e de acordo como nosso corpo está posicionado, criando conceitos metafóricos do tipo: “PRA

CIMA É BOM” e “ PRA BAIXO É RUIM” (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.14-21). Esse

último tipo proporciona uma base consistente que nos permite compreender conceitos em termos de orientação.

Outra categoria, citada por Lakoff; Johnson, foi a da metáfora de entidade e substância que, de acordo com eles, ao compreendermos nossas experiências em termos de objetos e substâncias, selecionamos e extraímos partes dessa experiência, identificando-as como entidades e substâncias em si, podendo, assim, categorizá-las, agrupá-las e quantificá- las. Uma vez formada essa metáfora conceitual, essa poderia ser projetada de diversas formas,

como é o caso de “INFLATION IS NA ENTITY” ou “THE MIND IS A MACHINE”.

(LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.135).

Diante desses posicionamentos, podemos dizer que a metáfora, como parte integrante da linguagem, é definida como um domínio cognitivo que interage com outros

domínios, não ficando restrita, segundo essa percepção, a um mero adorno estilístico, uma vez que conceitualizamos e refletimos a realidade através da linguagem.

Macedo (2009, p.8) argumenta dizendo que a “Teoria da Metáfora Conceitual, veiculada a partir de 1980 no livro Metaphors we live by de Lakoff e Jonhson, promove a idéia de que o pensamento é em grande parte estruturado metaforicamente”. Acrescenta dizendo que

a teoria avança a idéia de que formas de expressão verbal e não verbal, utilizadas na expressão de percepções e sentimentos a respeito de nossas vivências, e modos de se conceber o mundo e fazer sentido dele estão significativamente atrelados à nossa capacidade de compreender uma coisa (evento, entidade, conceito) em termos de outra. Assim, processos metafóricos e metonímicos estariam na base de modelos cognitivos e culturais estruturadores das condutas e comportamentos individuais e daqueles socialmente compartilhados. Fica claro, portanto, que na visão de metáfora apoiada pela Teoria da Metáfora Conceitual, a concepção tradicional desse fenômeno como mero instrumento linguístico retórico cai por terra, vindo à tona uma abordagem que considera esta figura como resultante de uma cognição corpórea sócioculturalmente situada (MACEDO, 2009, p. 8).

Com isso, Macedo (2009) enfatiza que, ao contrário de existir como instrumento de ornamentação linguística, como nos quis fazer crer a tradição retórica, a metáfora é, na

realidade, “fruto da nossa atuação cognoscitiva, na medida em que emerge tanto a partir de

estruturas e sistemas dinâmicos de natureza neurobiológica com os quais viemos dotados como das redes complexas de idéias e crenças construídas e compartilhadas sócio-

culturalmente”.

Acreditamos também que, para compreendermos os modos de pensar dos

indivíduos, precisamos entender mais a fundo como suas “idéias e crenças encontram-se

apoiadas na linguagem figurada e como estruturas pré-linguísticas tais como esquemas imagético-cinestésicos estruturam suas formas de expressão” (MACEDO, 2009, p. 9). Diferentemente da visão filosófica clássica em que a relação entre linguagem e realidade é uma relação de pareamento de modo que a primeira nada mais seria do que um meio de rotulagem da segunda, que viria pronta.

Para os pragmaticistas, interacionistas e estudiosos da metáfora, o contexto não se encontra simplesmente ao redor de um enunciado que conteria um sentido parcialmente indeterminado e estático. Pelo contrário, a abordagem dinâmica do discurso, adotada por

Cameron et al. (2009), ressaltada por Macedo (2009, p.20), “considera a interação discursiva

como emergindo de um sistema dinâmico complexo (i.e. o grupo de pessoas engajadas numa

Macedo (2009, p.21) se posiciona ainda ressaltando que “à medida que os interlocutores constroem seus discursos a partir de suas próprias idéias ou com base nas idéias do outro, ou discordam e propõem alternativas, o sistema dinâmico do discurso se desenvolve,

se adapta e se estabiliza”. Acrescenta que o sistema dinâmico do discurso surge a partir da interação dos subsistemas de cada falante. Esses subsistemas “podem ser identificados em

cada participante e estes interagem à medida que as pessoas participam da conversa: sistemas de linguagens dinâmicos e complexos, sistemas cognitivos dinâmicos e complexos, sistemas

físicos dinâmicos e complexos”. Os sistemas interconectados também se ligam a sistemas

sócio-culturais e ambientais. Assim, torna evidente que

sistemas dinâmicos podem ser identificados em, pelo menos, duas escalas: numa escala temporal e numa escala de organização social. Escalas temporais relativas a grupos de discussão envolvem atividade cerebral que variam de milissegundos a escalas mais longas pertinentes à realização sentenças e episódios de fala conectada que podem durar diversos minutos ou mesmo uma hora e meia de evento discursivo, ou até meses ou anos de fala e atividade na vida das pessoas. Níveis de organização social variam do mais minúsculo sistema biológico dentro do indivíduo a grupos sociais externos, comunidades e nações (MACEDO, 2009, p.20).

Não há, nessa concepção, uma evolução propriamente dita do sistema linguístico, nem tampouco o significado de um enunciado metafórico ou não residente nele mesmo por si só. Os esquemas do interlocutor, seus conhecimentos organizados, seus conhecimentos enciclopédicos, seus conhecimentos de mundo interferem e muito na compreensão e retenção de uma informação linguística ou de uma informação que utilize metáforas e múltiplos recursos linguísticos e semióticos.

Lakoff e Johnson (1980) têm demonstrado que a metáfora está sedeada no pensamento e que ela é uma parte importantíssima e indispensável na forma como o homem usualmente conceitualiza o mundo. Para esses estudiosos, o comportamento humano cotidiano reflete a compreensão metafórica de suas experiências. Em outros termos, o sistema conceitual humano emerge da sua experiência com o próprio corpo e com o contexto em que vive.

Acreditamos que, para compreender os modos de pensar e de agir dos indivíduos no mundo, precisamos examinar a fundo como seus conhecimentos, suas idéias e seus valores encontram-se apoiados na linguagem figurada e como as estruturas pré-linguísticas, tais como esquemas imagético-cinestésicos, estruturam suas formas de expressão, de interação.

Assim, julgamos necessárias, portanto, abordagens de conversas de pessoas com esquizofrenia, fundamentadas em teorias linguísticas que concebem essa linguagem em uma

perspectiva científica e dinâmica. Com isso, o enunciado dessas conversas passará a ser entendido como uma unidade linguística concreta, e não estática, que se faz percebida pelos usuários da língua em uma situação de interação e transformação comunicativa.

Com essa idéia, trabalhamos, em nossa pesquisa, mais especificamente, com a fundamentação teórica da metáfora e da polidez linguística - dentro de uma abordagem da Análise da Conversação - que atualmente pode ser vista como um dos processos de interação humana que nunca abdicamos pela vida a fora, tornando-se, assim, pivô da relação entre a língua e o mundo. Queremos, em nossa pesquisa, representar fatos no e do enunciado de pessoas doentes de esquizofrenia no processo de interação e na construção e formulação dos sentidos nos estudos da polidez linguística e da linguagem metafórica.

É válido mencionarmos que a metáfora lingüística só é possível porque existem metáforas no sistema conceitual humano. Para Macedo (2009, p. 21), a metáfora conceitual ou linguística se torna, na perspectiva da análise dinâmica do discurso, processual, emergente e aberta à mudança.

Por meio de um processo de auto-organização e emergência, metáforas e sistemas de metáforas podem se estabilizar pelo uso. Tal estabilidade também é dinâmica; aberta a mudanças adicionais e acompanhadas de flexibilidade. A flexibilidade e a variabilidade relativas a fenômenos estabilizados permitem a possibilidade de mudança adicional no fluxo contínuo do discurso. Metáforas linguísticas ou,

conforme Cameron e Deignan (2006), “metaforemas”, se estabilizam como formas

idiomáticas ou preferidas e como traços pragmáticos e semânticos associados que emergem na interação que, dependendo da atividade comunicativa, podem continuar a mudar ou podem permanecer estáveis por um longo período de tempo (BOWDLE; GENTNER, 2005 apud MACEDO, 2009, p. 21).

Precisamos entender os modos de conceitualização do fenômeno metafórico, ou

seja, o uso da linguagem na forma de “metáforas, metonímias, imagens, esquemas corpóreos,

gestos, como elementos integrantes de sistemas sócio-cognitivos complexos nos quais fatores neurofisiológicos, psicológicos, ecológicos e sócio-culturais interagem dinamicamente” (MACEDO, 2009, p. 48).

Macedo (2009, p. 48) evidencia também que para se compreender a metáfora,

conforme já mencionamos, “é necessário compreendê-la no seu uso dialógico como parte

integrante do uso da língua, por sua vez, igualmente entendida como sistema dinâmico complexo e não como instanciação de uma competência estática e pré-existente”.

Várias pesquisas têm mostrado, consoante Lima ([200-], que as expressões linguísticas metafóricas não ocorrem isoladamente, mas fazem parte de verdadeiros sistemas nas línguas, que só são explicados através da existência de metáforas conceituais subjacentes.