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Metáfora: algumas considerações importantes

2.3 A Linguagem Figurada: para Início de Conversa

2.3.1 Metáfora: algumas considerações importantes

Diversas teorias têm procurado entender a linguagem humana, bem como as estruturas metafóricas e os seus funcionamentos. Dentre essas inúmeras teorias, nessa sessão, abordaremos as mais representativas, partindo da teoria de Aristóteles à Linguística Cognitiva. Apesar de sabermos que mesmo antes de Aristóteles, Sócrates e Platão já haviam abordado esse tema, o recorte teórico se faz também necessário pelo mesmo motivo citado anteriormente.

Entretanto, antes de iniciarmos esse recorte, é importante mencionarmos que, para Sócrates, a metáfora era parte integrante da retórica e, inclusive, ele a usava com seus discípulos. Platão reconhecia o poder de persuasão da metáfora. A visão grega da metáfora consistia, portanto, em um poderoso método de argumentação; figura ornamental que era vista com certo preconceito, por ser considerada uma ferramenta de manipulação da palavra, do discurso.

É com Aristóteles, no entanto, que tem origem a análise detalhada sobre a metáfora no Ocidente. Ele foi o primeiro estudioso a apresentar uma teoria da metáfora e a conceituou na Poética. Também foi tema de discussão na Arte retórica Livro III e em outros tratados em que ele se refere a esse tema (LIMA, 2006, p.28). Na P oética, a definição

aristotélica de metáfora é: “a metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de

outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia, não tenha reconhecido na produção metafórica um ato

criativo” (ARISTÓTELES, 1986, p.134).

Essa definição não deixa claro o reconhecimento na produção metafórica de um

ato criativo, por exemplo, e parece caracterizar a metáfora como um “desvio” do uso “normal” da linguagem. De fato, se a linguagem era vista por Aristóteles como um “espelho”

da realidade, a metáfora não tinha meios de representar nenhuma essência, visto que não era

“pura” e aparecia em forma de um deslocamento lexical. A grande questão é em toda

linguagem há variações na produção, na circulação e no consumo dos enunciados linguísticos e isso faz com que o sentido não esteja totalmente inscrito na materialidade textual, nem que o contexto desempenhe apenas um papel secundário.

Pelo contrário, os estudos contemporâneos sobre a linguagem, nas perspectivas pragmáticas e sociointeracionistas, entre outros, afasta-nos cada vez mais da concepção da

interpretação dos enunciados, metafóricos ou não, centralizada nele mesmo. Argumentando sobre isso, Lima (2006, p.29) evidencia que em princípio pode nos parecer que Aristóteles,

“ao argumentar na Poética que a metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra [...] não tenha reconhecido na produção metafórica um ato criativo”. Pelo contrário,

acrescenta a pesquisadora, que o Estagirita, “entendendo que a metáfora revela o engenho

natural do poeta; com efeito, bem saber descobrir as metáforas significa bem se aperceber das semelhanças”, viu neste engenho uma “forma e uma fonte de conhecimento cujos processos e produtos resultam de um associacionismo através do qual, como ele entendia, o ser humano constrói o conhecimento”. Consequência desse associacionismo é a preferência de Aristóteles pela metáfora formada a partir da analogia - capítulo I da Poética. (LIMA, 2006, p. 30)

Lima (2006, p.30) salienta que, apesar de as lições dos capítulos XXI e XXII da

Poética “apontarem o transportar e a semelhança como processos formadores da metáfora,

Aristóteles (1986) [...] ensina que ela, mesmo como produto do processo analógico, pode ser formada com a falta de um nome, ou com a negação das suas qualidades próprias”. Lima crescenta que, no capítulo XI, Livro III, da Arte Retórica, Aristóteles explicita que devemos tirar as metáforas das coisas que nos são chegadas, sem serem demasiado evidentes.

Podemos deduzir que, para Aristóteles, a metáfora era um fenômeno “universal” que diz respeito à denominação (transporta-se de um objeto o nome que é do outro); é próprio da palavra; tem como base a semelhança (Aristóteles não esclarece a natureza e os limites dessa semelhança); não se distingue da hipérbole, nem tampouco da sinédoque e é definido em termos de movimento de um nome para outro. Ele deixa explícito, a partir dos exemplos das metáforas proporcionais, a relação entre metáfora e comparação, argumentando que a comparação é um tipo de metáfora e não a metáfora um tipo de comparação.

Outros filósofos, posteriormente, passaram a se preocupar também com essa temática, entre eles podemos mencionar Cícero e Horário que insistiam nos princípios de harmonia, adequação e congruência. Cícero concebia a metáfora como algo que ornamentava a fala, já Horácio atribuía-lhe a faculdade de presentear relações harmoniosas entre os elementos. Os estudos não param por aí. No século XVII, com o racionalismo e empirismo, a metáfora passa então a ser considerada sob o aspecto puramente estilístico, ou mais especificamente, como um “ornamento supérfluo”, uma vez que a língua era vista como clara e transparente. (OLIVEIRA, 1991).

Fernandez (2006) argumenta que foi a partir do século XIX que surgem os posicionamentos teóricos de Shelley, Wordsworth e Coleridge, nos quais há uma negação do caráter exclusivamente ornamental da metáfora e reinvindicam seu poder criador e

imaginativo. Com essa concepção, o uso metafórico deixaria de ser um mero adorno literário e de fala, passando a ser uma maneira de experimentar o mundo, uma projeção da verdade através da imaginação. A metáfora seria, dessa forma, o processo pelo qual as palavras constituem uma realidade em si mesmo.

O positivismo lógico do século XX foi o responsável por um novo paradigma de analisar a metáfora que concebia que as expressões só teriam significado se fossem verificáveis e se estivessem adequadas à realidade. Com isso, a metáfora, por ter referentes ambíguos, estava à margem da lógica e longe da visão tradicional de representação.

O estudo teórico desse fenômeno continua e as concepções de metáfora ganham uma enorme extensão no século XX, devido principalmente às pesquisas e às discussões teóricas de I.A. Richards (1936) e de Max Black (1962). Richards, ao contrário de Aristóteles, considerava a metáfora como parte integrante da língua e não como algo excepcional. A partir de suas pesquisas, a concepção de metáfora se modificou através de estudos que tratam dos mecanismos cognitivos. Richards estendeu o conceito de metáfora, dizendo que ela era o princípio básico no uso da língua e, em última instância, era um fenômeno do pensamento humano.

Essa concepção leva-nos a idéia de que a “linguagem é vitalmente metafórica”. Mesmo com esses argumentos, Richards (1936) não esclarece bem onde está a metáfora no

pensamento. Ficando ainda o questionamento: “como é que o pensamento, globalmente

considerado como capacidade humana de pensar, opera, enquanto totalidade, uma

modificação de sentido de tipo metafórico?” (FONSECA, 2009, p. 95).

Muitos autores depois de Richards tiveram contribuições relevantes para os estudos metafóricos. Entre eles, podemos citar Black (1962, 1979a, 1979b), Roman Jakobson (1956), Harald Weinrich (1976), John Searle (1979) e, principalmente, Lakoff e Johnson (1980), entre outros, que seguiram os fundamentos de Richards ao evidenciar que o pensamento é metafórico (FONSECA, 2009, p.97).

Black (1962), em seu artigo Metaphors, propõe a elaboração de uma “gramática lógica da metáfora” no intuito de esclarecer questões relacionadas ao uso e aos critérios de

identificação da metáfora. Contrário à teoria da substituição, a qual postula a substituição do termo literal por uma outra expressão diferente da habitual e à teoria da comparação que considera a metáfora como uma relação de semelhanças e diferenças (analogias), Black cria uma teoria, fundamentada no processo de interação, que se baseia na relação de dois conteúdos semânticos distintos. (OLIVEIRA, 1991).

Black (1962) desloca a metáfora do nível do enunciado e estabelece uma metáfora a partir do relacionamento entre os elementos que compõem o enunciado. Desse modo, ele menciona que a metáfora apóia-se em um sistema de implicações, cuja utilização é negociada por ouvinte e falante no momento em que são organizadas e selecionadas as relações entre distintos conteúdos que interagem. (OLIVEIRA, 1991).

Searle (1979) problematiza o uso da metáfora ao questionar o porquê de utilizarmos expressões metafóricas em vez de falarmos literalmente o que essas expressões significam. Indaga sobre a maneira como o enunciado metafórico é transmitido, mesmo se tendo consciência que esse enunciado não corresponde ao significado literal do que foi dito. Consoante Searle, para que o falante possa comunicar usando metáforas, atos de fala indireto ou ironia, é necessário princípios de acordo com os quais seja possível dizer algo diferente daquilo que foi dito, habilitando o interlocutor a compreendê-lo.

Recusa tanto a visão interacionista. Para ele, quando falamos de significado metafórico, estamos nos referindo às intenções do falante. O enunciado metafórico, portanto, seria sempre o significado do enunciado do falante. No lugar dessas visões, propõe uma abordagem da metáfora baseada na intenção de sentido do orador.

Searle (2002) discorda de Aristóteles, criticando que ele não se preocupou em distinguir entre o significado do falante e o significado da frase. Para ele, tanto a Teoria de Comparação (Similaridade entre dois objetos. Metáfora é uma símile literal sem utilizarmos o

“como”) e Teoria de Interação Semântica (metáfora como oposição verbal ou interação entre

dois conteúdos semânticos-metáfora e sentido literal). Revela, por fim, que tanto a noção de similaridade quanto o enunciado metafórico, dependem do contexto e exerce papel importante inclusive para o enunciado literal. Para Searle (2002), não há similaridades suficientes capazes de explicitar o significado de um enunciado metafórico. Acredita que se a teoria da símile fosse verdadeira, seria fácil entender a metáfora, pois não haveria categoria semântica separada das metáforas.

Essa crítica aos posicionamentos anteriores é feita com o argumento de que elas tentaram apenas localizar seu significado nas frases ou expressões metafóricas. Em lugar disso, Searle sugere que precisamos examinar a eventual diferença entre o significado dado pelo orador e o significado da frase em si. (ORTONY, 1993, p.84).

Searle (2002) afirma que metáforas são restritas e sistemáticas. Restritas, porque não é de todas as formas que uma coisa nos lembra outra, sendo suficiente para formamos uma metáfora. Sistemáticas porque são comunicáveis do falante ao ouvinte, os quais compartilham o mesmo sistema de princípios. E conclui que se entendêssemos o ponto de

vista do ouvinte e de como ele compreende a metáfora, estaremos próximos de entender como ela se processa. Segundo ele, o ouvinte passa por três etapas: primeiro, determina se precisa acessar a inferência metafórica; depois, utiliza alguns princípios para aprender valores para o receptor e, por último, usa estratégias e princípios a fim de restringir os valores desse receptor.

Ou seja, expressões metafóricas funcionam não porque a mera justaposição de palavras produz mudanças no sentido, mas porque o sentido posto pelo orador difere do uso dado aos mesmos termos. Searle concebe, portanto, que “o significado metafórico é sempre o

significado do enunciado do falante” (ORTONY, 1993, p.84). Sob esse viés pragmático, ele

aponta ainda para a existência de certos princípios que, de acordo com os quais, o falante pode dizer algo diferente daquilo que ele quis dizer, ou pensou em dizer.

Novas propostas de análise da metáfora vão surgindo no bojo da Linguística Cognitiva, contrapondo as visões estruturalistas e gerativistas, as quais concebiam a linguagem como um sistema autônomo que desprezava aspectos extralinguísticos, como a própria intenção do falante. De acordo ainda com os fundamentos da Linguística Cognitiva, a linguagem era um meio de conceitualização da realidade que estava permanentemente em interação com nossas experiências mentais, corpóreas e epistemológicas.

As estruturas lingüísticas são carregadas de significados, os quais são criados na e através da linguagem, cuja origem se estabelece por meio da nossa experiência no mundo e do conhecimento enciclopédico. Sendo assim, os estudos da Linguística Cognitiva não consistem, simplesmente, em descrever as estruturas linguísticas; pelo contrário, seu propósito é entender a relação entre cognição e linguagem, analisando, inclusive, os mecanismos simbólicos, a linguagem figurada, dentre eles, a metáfora. E ao analisar a linguagem, é certamente impossível deixar de fazer reflexões sobre aspectos da cognição humana; a metáfora representa um excelente retrato dessa relação.