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As mobilizações populares e a criação e implantação da APA do Carmo

4. A ZONA LESTE E A APA DO CARMO NO PROCESSO DA URBANIZAÇÃO

4.7. As mobilizações populares e a criação e implantação da APA do Carmo

Como mencionado anteriormente, em 1982 a COHAB-SP inicia a implantação do loteamento PROFILURB Pêssego I, que ficou popularmente conhecido como Gleba do Pêssego.

Antes de se prosseguir com a análise, é importante destacar o que expõe Damiani sobre a origem e reformulação do Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB):

Em 1975, através da RC nº 18/75, é criado o Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados – PROFILURB – , no interior do Planhap, para atender às populações nas faixas de rendimento de zero a três salários mínimos, marginalizadas da produção dos conjuntos habitacionais; mais barato, o mutuário se responsabilizaria pela construção da casa, fornecendo-se condições de saneamento e infra-estrutura básica. Em 1978, o PROFILURB é reformulado, tendo em vista, até essa data, seu desempenho modesto. Aumentou-se o prazo de financiamento, e mais, dotou-se o terreno de unidade sanitária ou com unidade habitacional mínima – a casa-embrião – , já que o programa anteriormente foi estigmatizado como “favela urbanizada” (DAMIANI, 1993, p. 57 – grifo da autora).

No caso da Gleba do Pêssego, ainda em 1982, inicia-se o processo de ocupação da área. Conforme exposto em artigo publicado pela Revista SANEAS, esse “[...] foi o local encontrado pela Cohab para assentar as 800 famílias despejadas do Jardim São Paulo, no extremo leste do município” (MACHADO et al.,2003). Sendo que, o assentamento delas teria se dado na seguinte conformidade:

[...] cerca de 150 famílias foram assentadas em moradias construídas por mutirão. As demais, após a urbanização da área e o recebimento dos lotes, construíram suas residências por conta própria (MACHADO et al., 2003).

Conforme apresentado anteriormente, o empreendimento Pêssego I, como originalmente implantado pela COHAB-SP, possuía um total de 903 lotes. Entretanto, após o processo inicial relatado acima, com o passar dos anos novas áreas foram sendo ocupadas, especialmente junto às bordas do loteamento, incluindo diversas áreas impróprias, algumas se tornando objeto de reintegração de posse e retirada dos moradores, outras com posterior negociação para permanência, desde que afastada a hipótese de risco ou impossibilidade de receber saneamento básico.

Calcula-se que a Gleba do Pêssego tenha chegado em 2003 – pouco mais de vinte anos depois do início de sua ocupação – , “[...] constituída por 1672 famílias, totalizando 6.517 habitantes” (MACHADO et al., 2003).

Sobre a área onde se situa a Gleba do Pêssego, vale ainda ressaltar que o loteamento foi implantado em linha de cabeceira, comprometendo, com o despejo irregular de efluentes sanitários, as vertentes que dali partem. Por este motivo está em implantação o projeto do sistema de reversão de esgotos sanitários através de bombas de recalque, sendo realizado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), após apresentação e análise do Conselho Gestor da APA do Carmo, para que nascentes de cursos d’água que seguem em direção ao rio Aricanduva, atravessando áreas de vegetação significativa no interior da APA do Carmo, possam deixar de sofrer com tal contaminação129.

Após o recalque, a maior parte dos efluentes seguirá para a bacia do rio Jacu e, quando as obras do coletor-tronco forem concluídas, chegará à Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de São Miguel; a outra parte, bem menor em

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Informações obtidas em consulta aos arquivos do Conselho Gestor da APA do Carmo e do MDVA.

volume, seguirá pela própria bacia do Aricanduva em direção à ETE do Parque Novo Mundo130.

Ao que tudo indica, por motivos relacionados a problemas de entrosamento entre as intervenções da SABESP e da COHAB-SP131, as obras do sistema de reversão de esgotos sanitários da Gleba do Pêssego ora avançam, ora não. No momento, nova retomada das obras foi iniciada, com previsão de conclusão para o próximo ano 132.

Em 1983, como visto anteriormente, a COHAB-SP cede, para a PMSP, uma área de 151.460.00 m² para a implantação de um aterro sanitário. Devido aos impactos trazidos com a operação do aterro, principalmente quanto ao forte odor proveniente dos gases gerados pelo próprio aterro ou pela piscina de decantação do “chorume” (construída em cota mais alta que a do aterro, sendo os efluentes conduzidos a ela através de sistema de bombeamento e dutos), diversos movimentos sociais da Zona Leste paulistana, em 1985, se uniram na luta pela desativação desse aterro, culminando com um acampamento que durou dezessete dias e dezessete noites, impedindo a entrada dos caminhões de lixo. É possível dizerque este fato, que resultou no fechamento definitivo do aterro, serviu como um marco representando o despertar da conscientização socioambiental entre diversos segmentos sociais na Zona Leste133, mesmo considerando que o fechamento daquele aterro não implicou, de imediato, na necessária intervenção técnica para recuperação e monitoramento da área134.

Aglutinando parte das forças sociais que se mobilizaram pelo fechamento do aterro sanitário, alguns anos mais tarde foi formado o Movimento SOS Mata do

130

Idem.

131

Como a necessidade de realocação, por parte da COHAB-SP, de algumas famílias que teriam de ser previamente removidas visando a viabilização de acesso à implantação de coletores, bem como de equipamentos para algumas das estações elevatórias. Nem sempre essas ações parecem ter ocorrido de forma equacionada ao cronograma de obras da SABESP.

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Informações obtidas em consulta aos arquivos do Conselho Gestor da APA do Carmo.

133

As informações aqui constantes podem ser confirmadas junto a entidades cadastradas e atuantes no segmento da sociedade civil do Conselho Gestor da APA do Carmo, como a Sociedade Ambientalista Leste (SAL) e o MDVA.

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Só mais tarde, após a criação da APA do Carmo é que se conseguiu a primeira intervenção para recuperação ambiental da área do aterro. Cf. informações constantes nos arquivos do Conselho Gestor da APA do Carmo e do MDVA.

Carmo – que depois se desdobrou no Movimento em Defesa do Vale do Aricanduva (MDVA) e na Sociedade Ambientalista Leste (SAL) – , que desenvolveu importante trabalho de conscientização pela preservação e recuperação da chamada Mata do Carmo, atributo principal que motivou a criação da APA do Carmo135.

As discussões que se seguiram, envolvendo diversos segmentos sociais e políticos, levaram em consideração a política de construção, pela COHAB-SP, de grandes conjuntos habitacionais, principalmente na Zona Leste da capital. Sobre esta política, é interessante retomar parte de citação feita anteriormente, na qual consta que:

[...] praticamente todas as unidades localizavam-se na Zona Leste e a procura excedia em muito a oferta, a ponto da lista de espera ter sido fechada ao atingir cerca de 300.000 inscritos, sem previsão para serem atendidos (BONDUKI, 1987, p. 55).

Em que pese a implantação, ao longo do tempo, de conjuntos habitacionais da COHAB-SP inclusive em outros municípios, o exposto por Bonduki demonstra que, independentemente da grande demanda verificada no município de São Paulo, a maior parte da oferta era mesmo para moradias localizadas na Zona Leste paulistana136. Essa foi uma das questões discutidas à época pelos segmentos então mobilizados. Outras questões foram: a destinação de áreas nem sempre próprias para essa finalidade, onde se empreendeu grandes obras de terraplenagem, com resultados nem sempre positivos, pelo menos questionáveis; os problemas gerados para o transporte público; o déficit no abastecimento de água; bem como a perda rápida das áreas verdes existentes no chamado vetor leste137.

135

Informações obtidas em: Coleção do antigo CEA Carmo e arquivo do Conselho Gestor da APA do Carmo.

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Provavelmente pesam para essa conclusão os chamados grandes conjuntos da COHAB- SP, construídos majoritariamente na Zona Leste da capital, como os de Itaquera I, II e III, os de Cidade Tiradentes e o de Sapopemba (Teotônio Vilela), por exemplo.

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Isso tudo colaborou para a opção pela adoção, naquele momento, de um instrumento público que conciliasse a conservação e a recuperação ambientais com a manutenção do estatuto da propriedade da terra, ou seja, sem que houvesse necessidade de desapropriações, procurando estabelecer também usos possíveis através da implementação de um zoneamento especial e o acompanhamento de um conselho gestor: esse instrumento seria a Área de Proteção Ambiental, em conformidade com a legislação vigente.

As diversas mobilizações públicas e o encaminhamento através de um parlamentar, que elaborou um projeto de lei, datado de 1987, que tramitou na Assembléia Legislativa por dois anos, entre apresentação, aprovação, veto do governador e retorno com a derrubada do veto138, culminaram na promulgação da Lei Estadual n.º 6.409/89, já mencionada anteriormente, que criou a APA do Carmo.

Em 1990, os movimentos ambientalistas locais conseguiram, com o apoio da então Associação Paulista de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA) e parlamentares, inserir a Mata do Carmo na Lei Orgânica Municipal - art. 185, como espaço especialmente protegido139.

Fazia-se necessária a regulamentação da APA. Ainda em 1990 começaram os diálogos entre os ambientalistas e os moradores da Gleba do Pêssego, que até então encaminhavam em separado as suas demandas. A partir das reuniões que se seguiram, foi formada a Frente de Luta Pró-APA do Carmo, à qual vieram se juntar, posteriormente, entidades como o Movimento Unitário Primeiro de Maio de Guaianases, a Associação de Defesa dos Direitos da Cidadania Adão Manoel da Silva (ADDC) e a União de Moradores da Vila União e Adjacências. O processo de regulamentação foi coordenado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), com a participação de órgãos da PMSP e da sociedade civil organizada140, e se

138

Projeto de lei n.º 829/87 de autoria do então Deputado Estadual Roberto Gouveia.

139

Informação obtida no arquivo do MDVA.

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concretizou, como mencionado anteriormente, através do Decreto Estadual nº 37.678/93.

É possível afirmar que, sem o envolvimento dos moradores nesse processo, que possibilitou uma mútua conscientização entre ambientalistas e movimento de moradia local, muitas das conquistas que se seguiram não teriam ocorrido, dentre as quais o controle do surgimento de novos pontos de ocupações irregulares no entorno da Gleba do Pêssego, que pôde contar com a colaboração dos próprios moradores locais.

E, nesse contexto, cabe uma reflexão sobre o papel que vem desempenhando o Conselho Gestor da APA do Carmo: a instalação deste Conselho serviu, antes de qualquer coisa, para um envolvimento maior entre os diversos atores, incluindo os poderes públicos estadual e municipal, possibilitando a otimização da discussão dos problemas existentes, a resolução de alguns, os avanços obtidos no tratamento de outros, bem como a discussão de demandas e proposições que surgem continuamente.