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CAPÍTULO 2: A MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO

2.2. As modalidades de maternidade de substituição

Segundo Michel Sesta, existem três modalidades de maternidade de substituição, a saber: i) doação de ovócitos a favor de uma mulher que leva até ao fim a gravidez para ter um filho «próprio»; ii) caso em que o marido fecunda o óvulo de uma mulher que não a cônjuge, com a autorização desta, mulher que levará a gravidez até ao fim, comprometendo-se a entregar a criança ao casal aquando do seu nascimento; iii) embrião formado in vitro com material genético do casal interessado e posteriormente implantado no útero de uma terceira mulher que se compromete a levar até ao fim a gravidez e entregar a criança ao casal46. As hipóteses de modalidades de maternidade de substituição são múltiplas, sendo a situação menos complexa o caso que envolve um casal heterossexual, que contrata com uma terceira mulher para que esta gere uma criança a partir de gâmetas retirados do elemento masculino do casal contratante. No entanto, existem outras situações bem mais complexas envolvendo pessoas singulares, homem ou mulher, hétero ou homossexual, ou ainda um casal homossexual.

Atendo às quatro classificações de maternidade de substituição enumeradas por Jorge Duarte Pinheiro. Assim, uma das classificações faz uma destrinça conforme a gravidez da mãe de gestação resulte da prática de ato sexual ou do recurso a uma técnica de PMA,

voluntarismo que não abole equívocos nem é gerador de consensos. Gestante, segundo a lei portuguesa é a mulher a quem se imputa um comportamento de maternidade de substituição lícito. O que tem como contrapartida que a autora do contrato ilícito e criminoso será mãe. […] assim, o conceito de gestante tem uma conotação de licitude, ao passo que o conceito de maternidade possui uma desinência criminal.”; PEREIRA, Maria Margarida Silva (2017) – Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição. In Julgar Online, janeiro de 2017, pp. 12-14.

45 Embora Stela Barbas também use indistintamente os diversos termos que acima apontei, esclarece que a

mãe portadora: “[…] é aquela que recebe o óvulo já fecundado. Podem ser configurados diversos casos, mas o mais frequente é o da mãe portadora que aceita albergar no seu útero o embrião formado pelos gâmetas de um casal, mas cuja mulher não pode sob risco de aborto, outro perigo ou razão, assumir ela própria a gestação. A mãe substituta ou de substituição é a que é inseminada com esperma puro sendo ela, portanto, a fornecer o elemento fertilizante necessário a conceção.”; BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves (2006) – Direito ao Património Genético. Coimbra: Almedina, p. 145.

46 SESTA, Michel (2000) – Norme imperative, ordine pubblico e buon costume: sono leciti gli accordi di

considerando este autor que: “Hoje em dia, a maternidade de substituição opera sobretudo mediante o recurso de técnicas de procriação medicamente assistida: p.e., inseminação artificial da mãe de gestação com espermatozoides do elemento masculino do casal de receção.”47. Já a segunda classificação recorre ao critério da titularidade do ovócito que

está na génese da gravidez da mãe de gestação, podendo o óvulo pertencer à mãe de gestação, à mãe de receção ou a uma terceira mulher. Caso o óvulo pertença à mãe de gestação, fala-se de maternidade de substituição genética. Se não pertencer à mãe de gestação, então estamos face a uma maternidade de substituição puramente gestacional48. A terceira classificação tem em conta a existência ou não de contrapartidas patrimoniais destinadas à mãe de gestação e se o acordo determinar uma retribuição para a mãe de gestação, então temos uma maternidade de substituição a título oneroso e se não estiver prevista uma qualquer vantagem patrimonial (como acontece na Lei vigente em Portugal) trata-se de uma maternidade de substituição a título gratuito. Por último, a quarta classificação contrapõe a maternidade de substituição intrafamiliar à maternidade de substituição extrafamiliar, consoante exista ou não uma ligação familiar entre a mãe de gestação e a mãe de receção. Segundo Stela Barbas, as técnicas disponíveis permitem “construir” uma criança com a contribuição de seis pessoas diferentes49. Ainda quanto ao

processo de maternidade de substituição, segundo Vilaça Ramos existem dois tipos de processos: num, a mãe hospedeira fornece além do útero o óvulo que vai ser fecundado por inseminação artificial e, neste caso, a grávida será, no entendimento deste autor, a mãe real e completa da criança50. Quanto ao segundo processo, a hospedeira recebe um embrião ou vários já formados em laboratório mediante a técnica de fecundação in vitro: trata-se da maternidade de substituição gestacional, a qual permite que a criança tenha

47 PINHEIRO, Jorge Duarte (2008) – Mãe portadora. A Problemática da Maternidade de Substituição, Op.

Cit., p. 327.

48 A este respeito considera este mesmo autor: “Alguma doutrina, reserva a expressão mãe portadora

justamente para a mãe de gestação que não contribuiu com o óvulo [caso de Oliveira Ascensão]. Nesta hipótese de mãe meramente portadora, o ovócito pode pertencer ou não à mãe de receção. Se não pertencer a mãe de receção, haverá uma terceira mulher, que designaremos como mãe doadora. Idem, Op. Cit., p. 328.

49 Mais acrescentando esta autora que: “Podemos hoje falar numa tridimensionalidade procriativa. Neste

sentido, teríamos uma dimensão orgânica, física e simbólica. Na primeira incluiríamos o pai/mãe genético (dador de esperma/óvulo); na dimensão física a mãe/pai gestacional (mãe portadora e seu companheiro) e na simbólica o pai/mãe adotivos.”; BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves (2006) – Direito ao Património Genético. Coimbra: Almedina, p. 145.

50 “[…] é dela o património genético da linha feminina e ela quem faz a gestação. Falar de maternidade de

substituição neste caso é uma falsidade biológica, tal como o é chamar-lhe apenas gestação de substituição, pois esta mulher só não será a mãe social e, mesmo assim, só se não recusar a entrega da criança. A maternidade de substituição conseguida nestes moldes é designada maternidade de substituição tradicional.”;RAMOS, H. Vilaça (2012) – Maternidade de Substituição – Perspetiva Bioética. In Brotéria. Cristianismo e Cultura. Vol. 174, p. 144.

genes apenas dos pais intencionais51. Estes são exemplos do colapso do antigo axioma

mater semper certa est e ainda do art.º 1796º n.º 1 do CC que consagra o princípio

segundo o qual, a maternidade resulta do nascimento e está dependente de simples declaração nos termos do estipulado nos artigos 1803º a 1805º do CC: o estabelecimento da maternidade corresponde à filiação biológica oriunda do nascimento. Também Oliveira Ascensão evoca que “Na ordem jurídica portuguesa, até agora, o princípio fundamental determinante da filiação era o da continuidade biológica. […] mas na gestação para outrem só haverá continuidade biológica no caso de o sémen provir do varão”52.

Em síntese, a maternidade de substituição pode revestir várias modalidades. Entre elas temos: a fertilização in vitro ou relação sexual, em que, na fertilização in vitro, o sémen pode provir de um doador estranho à relação entre o casal que pretende a criança ou ainda do elemento masculino do casal. Temos, por outro lado, a substituição gestacional ou substituição genética, sendo a solução mais comum aquela em que o processo se resume a uma doação de ovócitos53. Existem ainda hipóteses de mera

substituição gestacional. As consequências de várias modalidades e que ficam plasmadas nos contratos de maternidade de substituição aumentaram o perigo de diluição do próprio conceito de maternidade: “A figura «mãe» deixa de existir como um todo e transforma- se na soma de segmentos desmembrados. Existem mães que apenas fornecem os óvulos (mães genéticas ou biológicas), outras que tão-só geram a criança (mães geradoras) e

51 “Neste caso, não decorre dentro do útero a primeira fase da gravidez, […] O que não é fator despiciendo,

pois sabe-se que já nesta primeira fase de uma gravidez normal há um importante diálogo biológico entre mãe e filho, com troca de elementos moleculares entre ambos.”;idem, ibidem. O autor destaca que: “Há

também quem use as designações de maternidade de substituição de alta tecnologia e de baixa tecnologia, consoante há ou não fertilização in vitro”. E ainda é feita a distinção entre maternidade de substituição altruísta e maternidade de substituição comercial. Segundo Stela Barbas, que entende por mãe portadora “[…] a mulher que se obriga, por contrato, a suportar a gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o nascimento” também dá conta que: “As técnicas atualmente disponíveis podem levar a uma dissociação do conceito tradicional de família ao permitirem “construir” uma criança com a contribuição de várias pessoas diferentes. É já possível falar em três mães: a doadora do óvulo, a mãe portadora e a mãe que celebra o contrato de gestação. E, consequentemente, três pais. Assim sendo, quem é a mãe? A genética, isto é, a doadora do óvulo? A uterina, ou seja, a portadora? Ou, a social, aquela com quem a criança vai viver?”; BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves (2014) Disponível em [em linha]: www.recil.grupolusofona.pt/. Consultado em 27 de fevereiro de 2018.

52 ASCENSÃO, José de Oliveira – A Lei n.º 32/2006, sobre Procriação Medicamente Assistida. In Revista

da Ordem dos Advogados. Disponível em [em linha]: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/. Consultado 27 de fevereiro de 2018.

53 “Estes ovócitos podem ser transplantados para o corpo da mulher contratante e aí fertilizados, ou então

procede-se à sua fertilização in vitro, e posterior implantação no útero da mulher contratante. Porém, estas hipóteses já escapam ao conceito de «maternidade de substituição», o qual implica que a dita mãe de substituição gere a criança no seu organismo.”; idem, ibidem, p. 32.

mães que criam a criança e a educam (mães sociais ou legais).”54. A autora pretende enfatizar que, quer a maternidade de substituição quer as técnicas de reprodução assistida, derrogam a figura maternal e, portanto, a posição da mulher. Já a segunda conclusão que a autora retira não é credora da minha concordância, já que defende que a cisão entre maternidades pode contribuir para a libertação da mulher na sociedade atual (quando, do meu ponto de vista o que sucede é uma diminuição da dignidade da própria mulher)55.

2.3. Evolução do seu enquadramento jurídico: da Lei n.º 32/2006, de 26 de