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CAPÍTULO 2: A MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO

2.1. Em torno da sua denominação: conceito e terminologia adotada

Grosso modo, a maternidade de substituição traduz um fenómeno de gestação para

outrem e que atualmente assenta num compromisso entre os intervenientes, o que exige uma noção mais restrita. Daí que evoque o art.º 8º n.º 1 da Lei da Procriação Medicamente Assistida, que define maternidade de substituição como: qualquer situação em que a

mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade. No entanto,

a doutrina não se revela unânime quanto aos fenómenos a incluir na chamada maternidade de substituição, pois para alguns autores esta expressão deveria conter-se nos casos onde uma mulher se compromete a levar até ao fim uma gravidez de um filho geneticamente seu, mas por conta dos comitentes (situação que permite enquadrar a alusão bíblica de que Sara, mulher de Abraão, pediu a este que tivesse um filho com Agar, sua criada, para que através dela também Sara se tornasse mãe, conforme Génesis, 30,3).

Analisando o art.º 8º n.º 1 da LPMA, Jorge Duarte Pinheiro considera que, dada a alusão a uma renúncia translativa de poderes e deveres próprios da maternidade, o conceito “[…] contém uma visão apriorística da matéria da determinação da filiação materna: seria mãe quem dá à luz”41. Assim sendo, é possível definir maternidade de

substituição como um acordo através do qual uma mulher (mãe de substituição) se compromete a gerar um filho e posteriormente a entregá-lo a outra mulher (a mãe de receção), renunciando a favor desta a todos os direitos sobre a criança e nomeadamente a qualificação jurídica de mãe.

41 PINHEIRO, Jorge Duarte (2008) – Mãe Portadora – A Problemática da Maternidade de Substituição.

Estudos de Direito da Bioética. Vol. II. Coimbra: Almedina, p. 326. Daí que este autor opte por uma definição da maternidade de substituição mais neutra: “Na maternidade de substituição, uma mulher dispõe- se a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto a outra mulher, reconhecendo a esta a qualidade jurídica de mãe. Para tornar mais fluido o discurso, passaremos a designar como mãe de gestação a mulher que se dispõe a suportar a gravidez e como mãe de receção a mulher a quem aquela se comprometeu a entregar a criança.”; PINHEIRO, Jorge Duarte (2005) – Procriação Medicamente Assistida. Estudos em memória do Professor Doutor António Marques dos Santos. Vol. I. Coimbra: Almedina, p. 777; e do mesmo autor O Direito da Família Contemporâneo (2009), 2ª ed. Lisboa: AAFDL; O Direito das Sucessões Contemporâneo (2017), Lisboa: AAFDL; O Direito da Família Contemporâneo (2005) - Direito da Filiação. Filiação biológica, adotiva e por consentimento não adotivo. Constituição, efeitos e extinção, Lisboa: AAFDL, p. 58.

No que concerne à terminologia adotada, julgo pertinente justificar a minha preferência pela expressão maternidade de substituição ao invés de gestação de substituição (que é o termo usado na lei em vigor). Ela deve-se, principalmente, ao facto de o meu enfoque incidir na mãe que dá à luz e nos direitos que lhe assistem nomeadamente de poder ter a faculdade de arrepender-se da entrega do filho/a que gerou no seu ventre após o parto e ainda para destacar os importantes vínculos precoces que se estabelecem a nível intrauterino, e, por contraste, o termo gestação de substituição coloca mais a tónica numa gestação com vista à finalidade da entrega da criança após o parto, não atendendo aos aspetos que acabo de referir sobre a mãe que dá à luz, antes a diminuindo na sua dignidade de simples incubadora, de geradora de uma criança que terá de abandonar após o parto. A delimitação do conceito de maternidade de substituição nem sempre se mostra tarefa fácil, sobretudo porque existem várias expressões para designar o fenómeno da maternidade sub-rogada como, por exemplo, maternidade de substituição, mãe portadora, hospedeira entre outras. Também na doutrina encontramos várias definições para clarificar esse conceito o qual está, aliás, presente na Lei n.º 32/2006 de 26 de julho, no seu art.º 8 n.º 2. Segundo Vera Lúcia Raposo, a maternidade de substituição, traduz- se: “No ato de uma mulher gerar um filho que não pretende manter para si, mas sim entregar a outrem.”42. Já Oliveira Ascensão prefere a designação:

gestação para outrem com base em acordo de gestação43. Esta sugestão de Oliveira

Ascensão deve-se a que a definição da maternidade de substituição extravasa o domínio da Lei da Procriação Medicamente Assistida, não sendo requisito desta a utilização de gâmetas de um ou de ambos os membros do casal de receção. Por seu lado, Margarida Silva Pereira destaca a mudança na terminologia usada na nova Lei, tendo em conta que em 2006 a Lei utilizou o conceito “maternidade de substituição” (art.º 8º da primeira versão da Lei n.º 32/2006 de 26 de julho) enquanto surge agora uma nova expressão: “gestação de substituição”44. Já quanto à terminologia adotada sobre a mãe portadora,

42 RAPOSO, Vera Lúcia (2005) – Direitos Reprodutivos. In Lex Medicinae. Ano 2, n. º 3. Coimbra:

Coimbra Editora, p. 125.

43 ASCENSÃO, Oliveira (2008) – O início da vida. In Estudos de Direito da Bioética. Almedina: Coimbra,

p. 23. E ainda a Lei n.º 32/2006 sobre a Procriação Medicamente Assistida. In Revista da Ordem dos Advogados. Ano 67, dez. 2007, p. 42.

44 O que segundo esta autora indica por si a diversidade dos enquadramentos jurídicos: “Ao passo que a

primeira versão do art.º 8º proibia a maternidade de substituição, a nova Lei considera que há situações em que as figuras da gestante e da mãe se diferenciam: do que se trata, é de tornar claro que mãe é tão-só a mulher que virá a constar do registo de maternidade da criança (mãe jurídica). A mulher que gera e dá à luz é meramente a gestante. […] conclui-se deste modo que a gestante é, no entendimento do legislador português, uma mãe virtual. Pois a gestante será a mãe da criança nos casos de celebração de contrato de gestação de substituição a título oneroso, sempre ilícitos e criminosos. […] do exposto resulta que o conceito de gestante não é isento de ambiguidade, como terá sido pretensão do legislador. Traduz um

mesmo ciente de que existem autores que distinguem45 esta de mãe substitutiva, ao longo deste trabalho uso indistintamente termos como: mãe portadora, mãe hospedeira, mãe substituta, mãe de substituição e, quanto aos comitentes, empregarei preferencialmente a denominação de casal beneficiário.