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As mudanças dos espaços públicos diante de um cenário de transformações urbanas

PARTE I: ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS

1. ESPAÇO GEOGRÁFICO E COMPLEXIDADE: CONEXÕES NECESSÁRIAS PARA ENTENDER O ESPAÇO PÚBLICO

1.1.2 As mudanças dos espaços públicos diante de um cenário de transformações urbanas

A esfera pública, como afirmamos desde o início, possui como um de seus espaços possíveis de realização aquilo que estamos chamando de espaço público (como materialidade de um espaço acessível aos membros da sociedade, por ser de propriedade de todos). Se a esfera pública passa por transformações, o espaço público também estará sujeito a mudanças.

Um dos principais estudos feitos no Brasil sobre a relação entre o espaço público e a geografia, foi realizado por Paulo César da Costa Gomes (2002). O autor chama a atenção para algo que já destacamos: a diferença entre a esfera pública e o espaço público. A esfera pública (para o autor, sinônimo de vida pública) é algo distinto do espaço público, na medida em que esse último é a materialização de um espaço acessível a todos os membros de uma sociedade, servindo como lugar de manifestação da esfera pública. Entretanto a esfera pública pode se manifestar em espaços privados, na medida em que ela está ligada à vida vivida fora da intimidade.

Ao debater a esfera pública, Gomes (2002) destaca o papel da obra de Habermas, corroborando com a sua tese de que a

esfera pública está em transformação15. Essa mudança da esfera

15

Embora Gomes (2002) concorde com a transformação da esfera pública proposta por Habermas, ele chama a atenção para a crescente

pública, no entendimento do autor, interfere na produção do espaço público porque é o resultado de um recuo da cidadania. Dentro desse contexto, Gomes (2002) busca definir o que é cidadania, dando ênfase ao processo que leva a sua degradação, conforme trecho a seguir:

(...) a cidadania é um pacto social estabelecido simultaneamente como uma relação de pertencimento a um grupo e de pertencimento a um território. Esse pacto associativo é formal e pretende assegurar os direitos e deveres de cada indivíduo. A coabitação desses indivíduos ocorre assim sobre um espaço que é também objeto de um pacto formal, que instaura limites, indica usos, estabelece parâmetros e sinaliza as interdições. Esse tipo de espaço normatizado é a matriz do espaço público e o principal lócus de reprodução da vida coletiva, e toda a ação social que pretenda subverter a existência desse espaço ou transformar seu estatuto é necessariamente redefinidora dos termos e corresponde a um recuo da cidadania, recuo que é tanto da institucionalização das práticas sociais que compõem um quadro de vida democrático e cidadão quanto físico, do arranjo material que limita e qualifica as ações (p.173-174).

As transformações do espaço público e da esfera pública são para o autor, portanto, o resultado do recuo da cidadania, na medida em que a cidade torna-se cada vez mais fragmentada. O recuo da cidadania produz um encolhimento do espaço público. Gomes (2002) afirma que esse fenômeno pode ser visualizado em várias metrópoles brasileiras, através de quatro processos

crítica em relação a tese habermasiana. A crítica está pautada no fato de que Habermas sugere o espaço público do início da modernidade como um parâmetro ideal – como se isso houvesse acontecido de fato.

principais que não se excluem, podendo, portanto, se complementar e se sobrepor um ao outro: a apropriação privada de espaços comuns; a progressão de identidades territoriais; o emuralhamento da vida social; e o crescimento de ilhas utópicas. 1) A apropriação privada do espaço comum: Como exemplos do processo de apropriação privada do espaço comum, o autor destaca como agentes: os comerciantes informais que ocupam calçadas e praças em regiões centrais; as áreas residenciais que avançaram com grades sobre as calçadas, a fim de se proteger da rua considerada perigosa, assim como para garantir um espaço de convívio interno e seguro. Essa situação provoca um recuo da cidadania na medida em que afeta a acessibilidade dos indivíduos.

2) A progressão de identidades territoriais: outro processo destacado por Gomes (2002) é a progressão de identidades territoriais como resultado do processo de diferenciação social que busca se concretizar através do espaço. Esse fenômeno pode ser chamado também de tribalização e é, de certa forma, responsável pela atual imagem urbana como um local fragmentado que traduz a ideia de mosaico.

Trata-se da própria negação do conceito anterior de cidade unitária, coesa e hierarquizada por funções, classes ou usos, em benefício de uma noção de simples ajuntamento demográfico, a aglomeração (GOMES, 2002, p.181).

O autor cita o papel fragmentador de territorialidades produzidas pelo tráfico de drogas, pelas torcidas de futebol, pelas galeras de baile funk, por comunidades evangélicas, por tribos urbanas (grupos identitários). A reivindicação de um espaço identitário, para o autor, na medida em que ocorre no espaço público, o subverte, pois é a negação dos ideais cosmopolitas de respeito à diversidade.

3) O emuralhamento da vida social: Esse tipo de situação é resultado do individualismo contemporâneo que possui um caráter hedonista e narcísico. Hoje o homem, segundo Gomes (2002), possui uma série de recursos que lhe permitem o isolamento do convívio público. Walkman, serviços telemáticos, telefonia, redes de televisão, internet, videocassetes, são exemplos de objetos que tornam o homem mais confinado, na medida em que permitem que o mundo chegue a casa sem a necessidade de ida à rua. Com isso, ocorre uma vivência cada vez menor do espaço da cidade, que passa a ser, a partir de então, um meio de circulação necessário ao deslocamento entre locais de confinamento, tais como os shoppings centers - em uma tese análoga a de Sennett (2008). O autor salienta, no entanto, que esse abandono do convívio social nos espaços públicos é característico das classes médias e altas, pois os segmentos mais pobres da sociedade continuam usufruindo (por falta de renda) desses locais. Aliás, isso colabora para a ideia socialmente difundida de coisa pública como algo de baixa qualidade, pois geralmente os serviços públicos atendem à população mais pobre. Produz-se um apartheid, pois as possibilidades de compartilhamento de um espaço são vistas com desconfiança pelos segmentos mais abastados da sociedade.

4) O crescimento de ilhas utópicas: o aumento do número de