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1 INTRODUÇÃO

4.2 As mulheres, A Igreja Católica e os regimes

Apesar das variáveis existentes no “ser mulher” de cada nação, o modelo tradicional de comportamento e conduta se fazia presente dos dois lados do Atlântico. As mulheres retornando para os lares e construindo, a partir do espaço privado, lares impecáveis para que houvesse um melhor desempenho do seu país. Entretanto, não somente semelhanças continham os Estados Novos no que diz respeito às mulheres perceptivelmente representadas nas revistas.

O primeiro ponto a ser trabalhado é a questão religiosa. Do lado português, tem-se a Igreja Católica engajada direta e indiretamente no regime salazarista, do outro lado Vargas possui um posicionamento semelhante, apesar das especificidades de cada regime. Durante a pesquisa nas revistas, percebe-se que expressões cristãs e de cunho religioso aparecem proporcionalmente similares nas fontes. Expressões como “Graças a Deus!”, “Que Deus te ajude”, “Deus ponha no teu caminho” são observadas nos textos em que se realizou as análises.

Em 10 de janeiro de 1943, na coluna Correio da Joaninha da revista Modas e Bordados, uma leitora com codinome “Confiante” recebe a resposta de Tia Filomena, que afirma concordar com a opinião da leitora sobre “os horrores da guerra” (MODAS E

BORDADOS, 1943, ed. 1615, s/p). Nessa ocasião, tem-se um exemplo de escrita em tom religioso, como se vê no trecho a seguir:

O que devemos fazer é procurar que a nossa influência torne melhor o ‘pequeno mundo’ em que a nossa vida decorre. Que haja menos sofrimento, onde for possível chegar a nossa influência! Sofrimento moral e físico. Compreendes? Se todos pensassem e fizessem assim, haveria muito menos amargura sobre a terra. Assim devem proceder os verdadeiros cristãos, aqueles que procuram seguir, verdadeiramente, os ensinamentos sublimes do Evangelho.” (MODAS E BORDADOS, 1943, ed. 1615, s/p)

O debate teórico sobre a relação de Salazar com a Igreja Católica toma proporções semelhantes ao debate acerca do salazarismo ser ou não fascista. Fernando Rosas (1992) acredita que houve uma colaboração mútua em que a religião foi usada para manter a ordem uma vez que a imensa maioria dos portugueses era católica.

Seguindo outra vertente de pensamento, encontra-se Manuel Braga da Cruz (1998) e Luis Reis Torgal (2009), que, apesar de considerar em singular a participação da Igreja Católica na sociedade durante o regime salazarista, entendem que o Estado Novo não pode ser compreendido como um “Estado Católico” (CRUZ, 1998). Em uma terceira via, encontra-se António Costa Pinto (1994), quem afirma que a importância ímpar da Igreja Católica durante o Estado Novo permitiu, além do distanciamento do povo da fascistização, também agiu como um motor do regime. Independentemente da linha teórica seguida, é notória a participação, em menor ou maior grau, da Igreja Católica no regime salazarista.

Deste lado do Atlântico, Vargas e a Igreja Católica auxiliaram, de maneira mútua, na consolidação dos seus poderes. Ambos compartilhavam de uma mesma luta: a anticomunista. Vargas percebeu que, ao ter a Igreja Católica como sua aliada, poderia utilizá-la como forma de manutenção do seu governo para manter o espírito cristão. Ao ser conhecido, inclusive nos dias de hoje, como Pai da Nação, uma perspectiva cristã está vinculada à imagem do chefe do regime. A Igreja possuía um discurso de coesão nacional muito semelhante ao discurso varguista. Com isso, a Igreja contribuiu para a manutenção do regime com uma ideia de ordem a serviço da pátria, que, a partir do Estado Novo, era representada pela própria figura de Vargas.

A revista brasileira Jornal das Moças corrobora com o posicionamento católico cristão a respeito do modelo de feminilidade imposto às mulheres, apesar de não haver nenhuma coluna específica no período estudado (CRUZ, 1998). Além disso, o casamento foi muito utilizado pelos colunistas para elaborar matérias para a Revista. As dicas iam desde modelos de vestidos de noivas, comemorações e como lidar com o marido. O casamento era

visto como um caminho natural a todas as mulheres brasileiras, discurso esse extremamente ligado ao discurso da Igreja Católica. Em nenhuma das edições analisadas para a presente pesquisa foi verificado matérias sobre divórcio, por exemplo, outro ponto em harmonia com os preceitos da Igreja. Essa configuração de publicações permite pensar que, para o periódico, o casamento, assim como para a Igreja Católica, era algo indissolúvel e que seria favorável que as leitoras não tivessem acesso a esse tipo de notícia ou informação. O que se sabe é que:

Para muitos, a educação feminina não poderia ser concebida sem uma sólida formação cristã, que seria a chave principal de qualquer projeto educativo. Deve-se notar que, embora a expressão cristã tenha um caráter mais abrangente, a referência para a sociedade brasileira da época era, sem dúvida, o catolicismo. Ainda que a República formalizasse a separação da Igreja católica do Estado, permaneceria como dominante a moral religiosa, que apontava para as mulheres a dicotomia entre Eva e Maria. A escolha entre esses dois modelos representava, na verdade, uma não- escolha, pois se esperava que as meninas e jovens construíssem suas vidas pela imagem de pureza da Virgem. Através do símbolo mariano se apelava tanto para a sagrada missão da maternidade quanto para a manutenção da pureza feminina. Esse ideal feminino implicava o recato e o pudor, a busca constante de uma perfeição moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas. (LOUROapud DEL PRIORI, 2001, p. 371)

No Brasil, houve uma participação feminina dentro de movimentos da Igreja Católica com uma enorme representação. A Ação Católica Brasileira, movimento criado pela Igreja Católica, fundado pelo cardeal Sebastião Leme da Silveira Cintra, em 1922, tinha como objetivo formar leigos para contribuir com a missão católica de cristianização. O movimento era dividido entre idade e sexo, com isso, englobando diversas pessoas da sociedade. Existiam também a Juventude Feminina Católica – para moças de 14 a 30 anos; a Liga Feminina da Ação Católica – para as maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade. Além disso, divisões englobavam outras categorias sociais: Juventude Agrária Católica, Juventude Independente Católica, Movimento de Adolescentes e Crianças, Ação Católica Operária entre outras. As principais atividades dos grupos eram ampliar a influência da Igreja na sociedade, por meio de membros leigos do movimento e do fortalecimento da fé religiosa com base na Doutrina Social da Igreja.

Em Portugal, as organizações femininas católicas se davam a partir de diversas esferas. A Ação Católica Portuguesa, assim como no Brasil, também contava com a atuação de leigos na base social. As divisões – que tal como no Brasil também se davam a partir do sexo e da idade – conseguiam englobar toda a população. Existiam a Liga da Ação Católica Feminina, Juventude Católica Feminina, Juventude Independente Católica, Juventude Universitária Católica Feminina, Juventude Escolar Católica Feminina, Juventude Agrária

Católica Feminina e Juventude Operária Católica Feminina. Para Pimentel, o número de mulheres era muito maior do que o número dos homens ativos e participantes da Ação Católica. Em sua visão:

Quase todas as organizações masculinas foram criadas posteriormente sem nunca atingir a expansão das femininas, que englobavam, três vezes mais membros do que aquelas. Por exemplo, enquanto em 1942, a Liga dos Homens da Ação Católica e a Juventude Católica masculina tinham, respectivamente, 2231 e 11.987 filiados, A Liga da Ação Católica Feminina e a Juventude Católica Feminina organizavam, respectivamente, 9.154 e 36.439 filiadas. (PIMENTEL, 2011, p. 190)

No que tange aos aspectos de religiosidade, tanto a Revista brasileira, quanto a portuguesa apresentam um posicionamento cristão visível. Não se pretende nesta etapa do capítulo afirmar que os regimes ou a representação feminina se deram da mesma forma. Porém, é perceptível que valores morais baseados na ideologia católica tenham alicerçado, em diferentes momentos, o pensamento a respeito das mulheres em ambas as revistas analisadas.

A revista portuguesa, por exemplo, possui um discurso progressista em relação ao papel social feminino em diversas passagens nas edições analisadas. Entretanto, não abre mão de preceitos religiosos ao dialogar com as leitoras. Não se pretende relacionar a religião com a autonomia feminina ou com sua capacidade de procurar/lutar por outras funções sociais, indo de encontro com as normas impostas pelos regimes autoritários em que viviam. Em outras palavras, não se entende que mulheres religiosas não poderiam (re)pensar suas ações e participações na sociedade. Apesar disso, a ideia desta seção é observar que preceitos católicos estavam inseridos direta ou indiretamente nos discursos dos periódicos analisados, ilustrando como as sociedades estudadas viam as mulheres.