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5. PARA CONSTELAR O CÉU: O COMPOSTO NARRATIVO E SUAS

5.2 As Narrativas

Para a pesquisa com as professoras readaptadas, utilizei cinco narrativas: narrativa oral, escrita, pictórica, ficcional e celeste. Destas narrativas, apenas a celeste não foi produzida pelas professoras.

5.2.1 A Narrativa Oral

A partir da questão: como você se sente no processo de readaptação?, Cada professora discorreu livremente sobre a sua readaptação, procurando mostrar momentos anteriores à readaptação, durante a readaptação e como readaptadas. Apesar de na questão utilizar o verbo sentir, isso não significa que estivesse querendo saber das professoras somente os sentimentos/emoções que foram despertados ou gerados durante o processo de readaptação, pelo contrário, utilizo o verbo no sentido de ter consciência do próprio estado e de perceber o próprio processo. Esse foi o único contato presencial ao longo da escrita das narrativas, com exceção de uma professora, Antonieta, que por problemas em um dos braços, precisei ajudá-la na digitação de uma das narrativas. Durante a entrevista, fiz breves perguntas para que alguns pontos não fossem fonte de confusão em posterior leitura. A conversa foi transcrita literalmente, sem que o estilo de cada professora se perdesse, e enviada às professoras para que elas fizessem leitura, correções necessárias, omissões ou alterações no texto. As professoras Antonieta e Mariana fizeram apenas correções e acréscimos em trechos que ficaram confusos por problemas de ruído. A professora M.C.M.. devolveu sem observações, apenas mencionando que não sabia que havia falado tanto. Os encontros com a professora Mariana e com a professora M.C.M.. ocorreram em 12 de dezembro de 2012. Com a professora Antonieta tive o primeiro encontro em 11 de dezembro de 201341.

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Como eu morava em Pelotas, só consegui agendar as entrevistas nas férias de dezembro. A professora Antonieta já não estava mais na cidade de Maringá quando eu agendei com as professoras Mariana e M.C.M..; então, tive que deixar a entrevista com ela para o ano seguinte.

5.2.2 A Narrativa Pictórica

Solicitei para cada professora que fizesse um desenho e um relato sobre ele, mostrando seu processo de readaptação. O desenho foi livre. Inicialmente pedi para que cada professora fizesse o desenho logo após a primeira conversa, porém duas me disseram que não tinham condições de fazê-lo. Antonieta, em razão do cansaço físico e de necessitar de outro momento para tal tarefa; M.C.M.., pela falta de tempo, porque havia sido convocada para uma reunião naquele instante. Com exceção de Mariana, que fez o desenho e o relato logo após terminarmos a gravação da conversa, as professoras Antonieta e M.C.M.. entregaram posteriormente, no início de 2013. Não havia por que fazer objeções a esse pedido, e segui adiante.

5.2.3 A Narrativa Escrita de Si

A terceira narrativa refere-se a uma escrita de si, considerando o período que antecedeu à readaptação e os períodos durante e após a readaptação. Foi uma escrita livre, sem intervenções de minha parte. Para a escrita dessa narrativa, diante das dificuldades que a professora Antonieta encontrava à época para escrever42, ofereci minha ajuda e me encontrei com ela para poder digitar o que ela havia rascunhado. Conseguimos fazer o que seria a introdução do texto e a sequência da escrita ela concluiu posteriormente e me enviou. Em relação ao conteúdo da escrita, nenhuma delas me relatou dificuldades.

5.2.4 A narrativa Ficcional

A partir da questão "Se você pudesse voltar no tempo, que professora você seria?", tive objetivo de que cada professora fizesse uma escrita considerando uma situação que gostaria de vivenciar ou de ter vivenciado como professora. Como se trata de uma narrativa ficcional, a escrita foi livre, sem interferências ou sugestões de minha parte. Entendo que a utopia presente em alguns trechos das narrativas

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Em razão de uma cirurgia de mama, ela teve seu braço direito comprometido. Na ocasião, ela estava com muita dor, porque sofreu uma pancada no mesmo braço e não podia fazer esforço.

(como mostrarei mais adiante) deve-se ao próprio desejo de poderem construir uma escola e uma educação que ainda não conseguiram vivenciar como professoras. Em uma das narrativas, uma professora mostra o desejo de trabalhar em outra área, mas permanece com os pés na educação. A utopia aqui é compreendida não como um lugar impossível, mas como lugar possível e realizável. A ideia de voltar ao passado, no meu entender, permitiu que elas vislumbrassem uma brecha aberta no tempo, em que até uma deformação da própria trajetória pudesse ser construída. É importante esclarecer que a imaginação, seja simbólica, criadora ou deformadora, está presente em todas as narrativas, sejam elas quais forem. Na concepção que tenho de imaginação, e seguindo Durand, toda a realização humana tem como motor fundante a imaginação, e o imaginário como o grande manancial das imagens produzidas.

5.2.5 Narrativa Celeste

Em minha concepção e seguindo os autores de referência, anteriormente apresentados, todos nós nascemos localizados em determinado momento do tempo e do espaço e, de algum modo, somos herdeiros desse momento, seja histórico, cultural, social, biológico ou mítico. Há uma ideia expressa no livro "Sincronicidade", de Carl G. Jung (1997), de que tudo o que nasce em um determinado tempo, tem a qualidade desse tempo. Isso me remete à ideia astrológica de que todo o tempo tem uma qualidade. O que temos de primoroso no pensamento astrológico é saber que cada um de nós nasce sob certa qualidade e não sob outra. Isso me leva a incluir o momento cósmico como mais uma de nossas heranças. Somos constituídos, portanto, de um imaginário que inclui o cosmos como reflexo primevo dos sentidos primordiais do ser humano. Assim, cada professora também tem um céu como imagem primordial. A narrativa celeste é encontrada por meio do estudo do mapa astrológico ou carta celeste de cada professora com base nos dados de nascimento (data, hora e local de nascimento). O mapa astrológico se configura como um marcador das posições dos astros - o sol, a lua e os planetas - no momento em que uma pessoa nasceu. Pode ser considerado como uma "fotografia" do instante do nosso nascimento. O que é apregoado pela astrologia, e por grande parte dos astrólogos, é a existência de uma relação entre a posição dos astros no céu com os

acontecimentos aqui na terra. Não há, necessariamente, uma influência celeste que determina a personalidade de pessoa, mas uma correspondência simbólica entre a vida na terra e o céu de nascimento. Conforme Laurence Hillman (2013, p. 105) "podemos definir a astrologia como uma ferramenta com a qual 'lemos' a qualidade do tempo, do mesmo modo como descreveríamos a qualidade de uma peça de teatro". Seguindo a ideia desse autor, os dois luminares (Sol e Lua) e os planetas seriam os atores desse palco, a relação entre eles são os aspectos astrológicos (traços que aparecem no interior da circunferência. São ângulos que os planetas e os luminares fazem entre si), os signos, os figurinos que os astros vestem durante a peça e, por fim, as casas astrológicas - em número de 12 -, que representam as áreas da vida (família, posses, estudos, amigos, casamento, filhos etc.). Essa combinação mostra a complexidade e a multiplicidade de significados de um mapa astrológico e, consequentemente, corrobora a ideia de James Hillman (2013) de que a alma é múltipla e politeísta.

Apesar de as professoras terem concordado em passar seus dados de nascimento, não foi acordado que receberiam a interpretação do mapa, pois nesta pesquisa não pretendo fazer um estudo de personalidade de cada sujeito, mas buscar, em seus mapas, configurações planetárias que ajudessem a amplificar, metaforicamente, as narrativas. Para a interpretação dessas configurações, recorri à minha própria experiência na interpretação de mapas. Optei por seguir uma interpretação que buscasse integrar a abordagem clássica e as preciosas contribuições da astrologia arquetípica, fundada a partir dos estudos arquetípicos (Jung e Hillman). Como disse, não fiz uma análise dos mapas como se costuma fazer para alguém que busca uma interpretação astrológica de sua vida. Busquei nos mapas configurações que mostrassem redundância com o que havia sido exposto nas demais narrativas. Além disso, e o mapa é riquíssimo para isso, pude metaforizar trechos das narrativas com base no conteúdo simbólico emergido das configurações astrológicas. Ressalto que não houve intenção nenhuma de buscar relações entre os problemas de saúde apresentados pelas professoras e certas configurações planetárias, nem mesmo indicar que pessoas com determinada configuração têm mais chances de readaptação do que outras. Aproveito para alertar que também não faço nenhuma relação entre as doenças das professoras com os seus estados emocionais. Apesar de entender que essa relação é possível,

preferi seguir outro caminho para não correr o risco de perder as imagens das narrativas. Aqui, sigo a orientação da psicologia arquetípica, ou seja, quando se interpreta demais uma imagem, corremos o risco de perdê-la.

A utilização do mapa, como manancial metafórico e simbólico, é um excelente instrumento metodológico para a ampliação das imagens presentes nas narrativas. Penso que outros instrumentos, como testes projetivos (AT-9), cartas de tarô, I ching, desenhos, esculturas, música, escritas poéticas, escritas automáticas e, fundamentalmente, diários de sonhos também são ótimas fontes de imagens e de recursos amplificadores. Tudo o que contém um universo simbólico é instaurador de sentidos. Portanto, foi a convergência das narrativas produzidas pelas professoras com o conteúdo arquetípico presente nas narrativas que possibilitou a construção do bioconto.