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CAPÍTULO I – APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA E

1.1 AS NOVAS INSTITUCIONALIDADES

A democracia, em boa parte dos países do mundo, é apontada como o sistema político mais adequado para a organização da sociedade, porém, há também certo grau de descontentamento por parte da população quanto aos limites da democracia do tipo representativa. O predomínio da democracia liberal, apesar de alcançar certa estabilidade política, principalmente nos países centrais, gera críticas quanto à capacidade de aprofundar os ideais democráticos e ampliá-los para as dimensões sociais, culturais, econômicas. É, nesse contexto, que nas últimas décadas tem se observado uma série de novas institucionalidades que se apresentam como resultado e esforço da sociedade civil, partidos políticos e até de alguns poucos governos em aprofundar a democracia, incluindo os mais diversos públicos num processo de gestão participativa de políticas e de recursos.

São estas práticas institucionais participativas, em especial as de caráter local, que serão focadas neste capítulo, mas, sobretudo os aspectos relacionados ao Orçamento Participativo. Práticas de governança participativas ou ditas participativas existem em várias partes do mundo (em países da Europa, como Portugal, França e Espanha; em Kerala na Índia; no Paquistão; e em alguns países Africanos). Não cabe, aqui, citá-las uma a uma, por isso detenho-me ao contexto brasileiro, em especial à experiência aqui estudada.

Nos países da América Latina, as últimas décadas foram de luta e de estabelecimento da democracia, via pressões da sociedade civil e/ou através de suas Constituições. Tanto as instituições democráticas formais, quanto outras formas de participação política foram colocadas em prática. Países como o Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Venezuela, Chile, Peru, Bolívia, México e Argentina avançaram em termos democráticos e possuem alguma forma de organização participativa, colocando novos desafios para uma integração justa, cidadã e inclusiva (SERAFIM; MORONI, 2009)13.

A criação de espaços de participação e mecanismos de democracia direta nos últimos vinte anos é resultado da luta e da pressão sistemática de movimentos sociais, ONGs, partidos políticos, acadêmicos, cidadãos/ãs e agentes da administração pública orientados pelo objetivo maior de operar uma transformação profunda na sociedade, incorporando direitos aos diversos segmentos e sujeitos sociais, dando “vez e voz” aos setores tradicionalmente marginalizados social, cultural, econômica e politicamente. (p. 13).

A construção destes e de inúmeros outros espaços de gestão participativa foi permeada pela construção de uma cultura participativa que admite, reivindica e valoriza a participação direta e o controle social por parte dos usuários e outros segmentos interessados nas políticas públicas. A construção desta cultura participativa marca todo este período de forte mobilização social e é um processo contínuo de aprendizado que permeia os espaços participativos tanto autônomos da sociedade civil quanto de controle social junto ao Estado (TEIXEIRA et al., 2009, p. 86).

No Brasil, com a aprovação da Constituição de 1988, criaram- se mecanismos de participação e a mesma se mostrou voltada à defesa de direitos cidadãos. Uma série de dispositivos jurídicos, os quais são pautados na participação e na descentralização político-administrativa,

13 Para mais detalhes sobre espaços participativos e sobre a disputa democrática na América Latina ver Serafim e Moroni (2009) e Dagnino (2006).

acenaram para a possibilidade de ruptura com o padrão centralizado, autoritário e privatista para a elaboração de políticas públicas. Outro ponto importante e um tanto mais recente foi a ascensão de partidos de esquerda ao poder em vários municípios brasileiros, onde os mesmos “instituíram e dinamizaram novas instituições participativas”, entre elas o OP (LUCHMANN e BORBA, 2009). Para outros, a dita “Constituição Cidadã”, que avançou nos direitos sociais, foi extremamente conservadora nas questões econômicas, da reforma agrária e da reforma democrática do Estado, apresentando-se como um rearranjo das elites brasileiras para se perpetuar no poder (SERAFIM; MORONI, 2009).

É no contexto da Constituição e das pressões dos movimentos sociais e da sociedade civil que surgem várias práticas participativas no Brasil14, as quais se prestam aos mais diversos fins, além de aprofundar a democracia e dinamizar a relação entre sociedade e Estado; estes espaços institucionalizados estimulam a maior participação nas decisões de interesse público, na fiscalização dos recursos/ações governamentais, podem contribuir para a eficiência dos gastos, das políticas e obras públicas, bem como, possibilitar a melhor redistribuição orçamentária, aumentando, assim, o sentimento de eficácia política e a disseminação de valores democráticos.

Klaus Frey (2007), em seu artigo Governança Urbana e

Participação Pública, expõe que a proliferação de novas formas de

governança, como o OP, representa uma adaptação dos sistemas políticos administrativos à diversidade, complexidade e dinâmica da sociedade contemporânea. Multiplicam-se os processos interativos, crescentemente institucionalizados que envolvem níveis e dimensões variadas.

O resultado é uma sociedade com um maior número de atores exercendo influência e com um maior número de interações havendo entre os representantes dos diversos interesses sociais

14 Teixeira et al. (2009) apresentam um estudo das várias práticas e formas de gestão pública participativa num contexto recente e contemporâneo do Brasil, tanto a nível nacional como a nível local, como por exemplo, as Conferências, os Conselhos Nacionais de Políticas Públicas, Conselhos Municipais de Políticas e o OP. Dagnino (2006), entre outros, também estudam várias instituições participativas (Fórum de Reforma Urbana, Conselhos Gestores etc, e também os movimentos sociais e ONG‟s) e apontam suas características, limites e possibilidades. Outra pesquisa que ajuda do ponto de vista teórico-analítico e fala das instituições participativas (Conselhos Gestores e OP) ver em Luchmann e Borba (2009 e 2007b), já para contribuições específicas sobre o OP ver em Luchmann e Borba (2007a) e em Avritzer e Navarro (2003).

(KOOIMAN, 2002 apud FREY, 2007, p. 5).

Em termos teóricos, muitos autores têm identificado as novas institucionalidades, principalmente o OP, como formas de contrabalançar e/ou articular a democracia participativa/deliberativa e a democracia representativa (SANTOS; AVRITZER, 2002; AVRITZER, 2003; LUCHMANN e BORBA 2007a, 2009; e TEIXEIRA et al, 2009). Ou seja, se uma das críticas ao modelo liberal é a distância entre governantes e governados, representantes e representados, modelos de gestão interativa, participativa e compartilhada podem aproximar a população das decisões importantes, além de possibilitar o aumento da identificação do governo com a vida cotidiana, bem como, promover a inclusão de populações excluídas, ampliando as fontes e espaços de informação política e de cultivo de valores cidadãos.

A expansão e disseminação de experiências institucionais participativas, bem como, o grande número de inovações e de novos sujeitos que delas fazem parte, além de possuírem função relevante para a sociedade e para a cidadania, colocam, para os pesquisadores, o desafio de melhor compreender estas práticas a partir de seu potencial no aprofundamento e expansão da democracia, tanto em nível institucional, quanto em termos de comportamentos e valores das pessoas.