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5. OS DESAFIOS EMERGENTES DA FLORESTA ESTADUAL DO AMAPÁ: OS

5.4 As ocupações humanas na Floresta Estadual do Amapá e entorno

Geralmente as áreas legalmente protegidas são instituídas para amenizar conflitos socioambientais que surgem pelo uso dos recursos naturais, entretanto, em muitos casos essa medida se torna fonte de crises nos atos de criar, implantar e manejar as áreas. O que não representa um fato negativo, mas necessita de negociação e consenso para que os objetivos da proteção sejam alcançados (BRITO, 2010).

Para Silva et al. (2004), a atual situação da Amazônia e outros biomas, juntamente com a situação socioambiental das populações rurais destas áreas tornam absolutamente urgente a ampliação sobre o conhecimento da diversidade biológica, sociocultural e das relações humanas, além dos seus modos de interação com os ambientes naturais se for realmente desejada a conservação dos recursos naturais em bases ecologicamente e eticamente sustentáveis.

No caso da Floresta Estadual do Amapá e as suas múltiplas ocupações humanas se tornam complexas e relevantes. Os dados levantados para construção do Plano de Manejo da Unidade identificaram 63 comunidades que fazem parte do território que corresponde ao interior da Unidade e/ou do seu entorno considerando um raio de 10 quilômetros16 dos limites da UC, totalizando um registro de aproximadamente 5.270 famílias residentes nessas comunidades, com características primordiais da agricultura familiar (AMAPÁ, 2014a).

A diversidade da agricultura familiar na FLOTA/AP suscita situações em que o papel da família tem maior ou menor importância. É a partir da realidade técnica, econômica- produtiva, ambiental e social da unidade de produção que o agricultor familiar vive, realiza as suas práticas administrativas e desempenha suas atividades econômicas (ROESLER e CENCI, 2010).

Dentre o número total dessas comunidades apenas 05 foram identificadas integralmente dentro dos limites da Unidade e 58 comunidades distribuídas no entorno, onde algumas destas se destacam com parte do seu território dentro e outra parte fora dos limites da UC e outras comunidades possuem seu território totalmente fora dos limites da FLOTA/AP. A dificuldade para identificação dessas sobreposições de áreas entre comunidades e a Floresta Estadual do Amapá se deve ao fato de não existir o georreferenciamento e materialização do território da Unidade. Em decorrência disso os avanços em loteamentos de Projetos de Assentamentos (PAs) e comunidades de posses fundiárias limítrofes para o interior da UC foram aumentando no decorrer dos últimos anos.

16 Corresponde a Área de Entorno Direto (AEDr) considerado na metodologia do “Levantamento de dados para o diagnóstico socioambiental da FLOTA/AP”, realizado entre 2012/2013, que serviu de subsídio para o Plano de Manejo da FLOTA/AP.

Pode-se observar também que as modalidades de Projetos de Assentamentos criados para Reforma Agrária são os principais vetores de influência populacional no entorno da FLOTA/AP, sendo um total de 19 Projetos de Assentamento (PAs17) e 01 Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS18) e que engloba 29 das comunidades levantadas. As demais foram identificadas de acordo com outras formas de ocupação de territorialidade, sendo 32 comunidades agrupadas por posses fundiárias, 01 território quilombola e 01 área militar. Além das áreas mencionadas também pode-se destacar as 02 Terras Indígenas que a UC faz limite, Waiãpi e Uaçá, que apesar de não serem contabilizados nos levantamentos quantitativos apresentados, possuem grande destaque para os conhecimentos tradicionais e conservação dos recursos naturais da região (Figura 7).

Logo, o que pode-se observar na FLOTA/AP é a presença nas comunidades mapeadas, ao longo dos levantamentos socioambientais, diversos grupos populacionais definidos como populações tradicionais (ribeirinhos, pescadores artesanais, quilombolas, etc). E a permanência destas populações que habitam a UC antes de sua criação ou utilizam os seus recursos, é permitida, desde que em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da Unidade.

17 Projeto de Assentamento (PA): Consiste num conjunto de ações, em área destinada à reforma agrária, planejadas, de natureza interdisciplinar e multisetorial, integradas ao desenvolvimento territorial e regional, definidas com base em diagnósticos precisos acerca do público beneficiário e das áreas a serem trabalhadas, orientadas para utilização racional dos espaços físicos e dos recursos naturais existentes, objetivando a implementação dos sistemas de vivência e produção sustentáveis, na perspectiva do cumprimento da função social da terra e da promoção econômica, social e cultural do(a) trabalhador(a) rural e de seus familiares.

18 Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS): Modalidade de projeto criada para o desenvolvimento de atividades ambientalmente diferenciadas, destinado às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental. Nesta modalidade também não há a individualização de parcelas (Titulação coletiva – fração ideal).

Figura 7 – Comunidades, localidades e Projetos de Assentamentos localizados dentro e no entorno da FLOTA/AP.

Ainda de acordo com os levantamentos destacados em Amapá (2014), o tamanho das comunidades é variável, entre 17 e 360 famílias, e o processo de formação dessas comunidades indica que a origem dos moradores é majoritariamente do Amapá, em 32 comunidades (59,25%). Na sequência, os estados do Pará (31 comunidades) e Maranhão (29 comunidades), representam o maior percentual em relação aos outros estados da federação.

A composição da população segundo a faixa etária indica uma predominância de crianças e jovens na composição da população (42,6%), ao passo que o grupo em idade ativa entre 18 e 60 anos, ou seja, de compor a força de trabalho é um pouco superior (48,9%). Por sua vez, o grupo de idosos, acima dos 60 anos, apresenta-se na população destas comunidades em torno de 8,2% (AMAPÁ, 2014a).

O grau de escolaridade da população residente é baixo. O maior grupo possui ensino fundamental incompleto (53%). O grupo dos não alfabetizados representa 7% que junto com os que se declararam apenas alfabetizados totalizam 13%. Finalmente os que possuem ensino médio são 19% e os de ensino superior 2%. Por sua vez, a proporção dos que a escolaridade não se aplica, provavelmente pelo fato de serem crianças em idade anterior a escolarização, é de 7% (AMAPÁ, 2014a).

Em termos de infraestrutura, todas as comunidades apresentam deficiências inerentes à problemática municipal de falta de recursos e por vezes, de vontade ou articulação política. No caso da energia, por exemplo, em 32 comunidades registrou-se a existência de energia elétrica (60,37%), em 08 comunidades (15%) energia movida a motor gerador, e em 13 comunidades não há acesso a nenhum tipo de energia (24,53%). O acesso à água indica a utilização de poço comum como a principal forma de captação em 32 comunidades (60,37%) do total de comunidades levantadas. Os serviços de educação das comunidades indicam que em 35 comunidades (63,63%) existe o acesso ao ensino fundamental e em 21 (38,18%) também o ensino médio. Já os serviços de saúde estão presentes em apenas 23 comunidades (38,18%) através de postos de atendimento local.

A principal ocupação e fonte de renda nessas comunidades se dá através de atividades agrícolas, com sua produção baseada no uso preferencial da mão-de-obra familiar, seguida por atividades em menor escala ou complementares na renda principal tais como extrativismo, exploração madeireira, pesca, criação animal, trabalho assalariado, funcionalismo público e garimpo. Levando em consideração essas atividades, Denardi (2001) já destacava que algumas novas funções da agricultura e do espaço rural advinham, principalmente, das reduzidas possibilidades de geração de emprego no meio urbano, bem como das recentes demandas internas e externas que exigem a preservação do meio ambiente. Tal afirmação

corrobora com a criação e manutenção das diversas categorias de Unidades de Conservação do Estado, dentre elas a FLOTA/AP.

Nesse contexto, Amapá (2014) traz que nas comunidades do entorno a agricultura está presente como atividade relevante em 45 comunidades (90%). A pesca é a segunda atividade mais importante, ocorrendo em 18 (36%), associada ao extrativismo presente de forma mais expressiva em 13 comunidades (26%). O trabalho assalariado tanto em empresas de mineração como no funcionalismo público ou em outras empresas é igualmente relevante em algumas comunidades.

A prática agrícola caracteriza-se pelos métodos convencionais, repassados por experiências individuais, nos quais o nível tecnológico compõe um sistema de produção simples, cuja lógica é definida muito mais em termos de sobrevivência do que de rendimento financeiro, sendo o fator mão-de-obra, essencialmente familiar. Esse sistema segue uma dinâmica de agricultura itinerante (agricultura de pousio), consistindo nas tarefas de broca, derrubada, queima, encoivaramento, plantio, capina e colheita manual (AMAPÁ, 2014a). O importante neste tipo de prática agrícola, herdado dos indígenas, é que não há necessidade de utilização de nenhum arsenal de técnicas ou instrumentos agrícolas de alta tecnologia.

Sabe-se hoje que essa agricultura de pousio praticada tradicionalmente é uma forma sustentável de produção, que resulta em mínima erosão genética e máxima conservação, podendo continuar indefinidamente nos solos pouco férteis encontrados sob a maioria das florestas tropicais úmidas, contanto que o suporte da terra não seja excedido (ADAMS, 2000). A qualificação de agricultura tradicional se refere às múltiplas relações entre uma comunidade e o seu território. Por este motivo, as formas de produção agrícola tradicional não são apenas um conjunto de técnicas, mas de saberes e práticas, que envolvem diversos domínios de conhecimento. Neste caso, a agricultura tem se tornado dinâmica, construindo práticas locais que resultam de contínuas adaptações às transformações ambientais, econômicas e culturais (IEPÉ, 2016a).

Por fim, cabe ressaltar o nível de organização social das comunidades, sendo a forma mais comum a organização em associações (78,18%), seguida das cooperativas (12,72%) e igrejas (9,09%). Essa situação reforça a relevância das organizações sociais estarem presentes nos diferentes momentos de discussão das ações da FLOTA-AP, tal qual ocorreu durante o processo de elaboração do Plano de Manejo (AMAPÁ, 2014a).

Com os avanços na implementação da Floresta Estadual do Amapá alguns conflitos foram surgindo envolvendo diversos atores sociais que intervêm e que estão interessados na transformação da organização do território, e que consequentemente, se relacionam direta ou

indiretamente com os diversos grupos populacionais até então mencionados e os recursos naturais que estes utilizam.

Ainda com a implementação da FLOTA/AP, a partir da construção do Plano de Manejo e do Conselho Gestor, a preocupação das populações locais e tradicionais sobre o controle do uso dos recursos foram crescentes, principalmente com temas relacionados a prática agrícola, concessões florestais e mineração.

As respostas para tais inquietações vieram com a conclusão e aprovação do Plano de Manejo, em 2014, que conciliou os aspectos legais e os dados existentes dos meios físico, biótico e socioambiental presente no diagnóstico da UC aliado ao conhecimento empírico (tradicional) e/ou científico dos atores sociais que participaram do processo definindo o zoneamento para a Floresta Estadual do Amapá, com normas específicas e regulamentos que estabelece diferentes usos na Unidade, respeitando os direitos das populações locais e tradicionais.

Entretanto, com o avanço da implementação da UC e, consequentemente, do seu Plano de Manejo alguns programas do planejamento previsto para a Unidade começaram a serem executados. Tais programas compreendem um conjunto de atividades a ser desenvolvido na Unidade atendendo a complexidade de aspectos que envolvem questões administrativas, de conhecimento e socioambientais vinculadas a FLOTA/AP.

Dentre esses programas, destaca-se a implementação do programa de ordenamento territorial que atende a necessidade de conhecimento e consolidação da FLOTA/AP, por meio da identificação e cadastramento dos seus residentes. Cabe destacar que esse programa engloba o cadastramento da população residente, procedimentos para regularização fundiária e o enquadramento da zona determinada no Plano de Manejo como temporárias19.

Em 2015, em virtude da suspensão do processo licitatório para Concessão Florestal20 no módulo II da FLOTA, por parte da Procuradoria Geral do Estado (PGE/AP), o IEF teve a necessidade de realizar o primeiro projeto de levantamento ocupacional e cadastramento dos residentes para este determinado módulo.

Esse projeto teve como objetivo realizar um levantamento que comprovasse a presença de famílias ocupando a área que atualmente corresponde ao módulo II, além de identificar os usuários de recursos naturais no interior e entorno desse módulo, visando

19 Dada às peculiaridades da FLOTA/AP, sua extensão territorial e problemática de divisas, entendeu-se como

necessária a criação de uma zona que caracterizasse uma realidade que posteriormente, após estudos específicos, poderá incorporar outras zonas ou mesmo redefinir os limites da UC, dependendo do entendimento jurídico dado

(AMAPÁ, 2014a).

20 `Em dezembro de 2014, o IEF/AP publicou o Edital de Licitação para Concessão Florestal - Lote 1, localizado

no módulo II da Floresta Estadual do Amapá, com uma área aproximada de 146.000 hectares, abrangendo parte dos municípios de Mazagão, Porto Grande e Pedra Branca do Amapari.

futuramente à redefinição dos limites da UC e garantindo o direito à regularização fundiária daqueles que ocupam a área que atualmente corresponde aos limites da FLOTA/AP.

Como resultados principais, Amapá (2015) ressalta a identificação de 175 posses no interior da FLOTA/AP, onde 49,15% (86 posses) já haviam sido mapeadas/georreferenciadas pelo programa Terra Legal e apresentavam requerimentos de regularização fundiária emitidos pelo INCRA/AP. Os demais 50,85% (89 posses), até então, não haviam sido identificadas e foram mapeadas pelo equipe interinstitucional responsável pela execução do projeto, IEF e IMAP.

Cruzando os dados do Plano de Manejo com os resultados obtidos através desse levantamento ocupacional pôde-se perceber que todas as posses diagnosticadas estavam sobrepostas a zona temporária do zoneamento da UC. Esse fato, conciliou com a continuidade no processo de reconhecimento de posse fazendo com que o IEF determinasse procedimentos para habilitar os detentores das posses cadastradas a receberem anuência do órgão gestor para obterem licenciamento ambiental para realização de suas atividades produtivas, seguindo as normas do Plano de Manejo (AMAPÁ, 2015).

Ao abordar a relação entre a população humana residente da FLOTA/AP e seu entorno e a própria Unidade de Conservação convém tratar fundamentalmente das relações entre a sociedade civil e Estado, que se destacam como os atores sociais nesse processo. Entretanto, os atores sociais e os principais conflitos socioambientais estudados nessa pesquisa estão diretamente relacionados entre esses dois entes, o foco da discussão mais adiante.