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5. OS DESAFIOS EMERGENTES DA FLORESTA ESTADUAL DO AMAPÁ: OS

5.2 Os conflitos socioambientais e o seu contexto no uso do território amazônico

Por ter como característica um processo heterogêneo em sua ocupação territorial, as áreas brasileiras de relevância ambiental foram destinadas a usos diversos. Esses usos variaram conforme os espaços e as categorias sociais que se voltaram tanto para atividades tradicionais, como pesca e agricultura de subsistência, quanto para atividades ligadas à empreendimentos florestais, desenvolvidos por comunidades locais, urbano e industrial em um determinado território (DEAN, 2001 apud FERREIRA et al., 2001).

Os condicionantes históricos ao desenvolvimento local têm como origem diferentes tipos de restrições, que estão ligadas, principalmente: à natureza das terras não apropriadas para a agricultura capitalista intensiva; aos problemas fundiários que atingem grande parte do território; aos conflitos ambientais, fruto de políticas autoritárias; à deficiência de infraestrutura; entre outras (ROMÃO et al., 2005).

Haesbaert (2004) apud Lopes (2012) classifica território em três vertentes básicas de análise. Na primeira, chamada de jurídica-política, ele é visto como um espaço delimitado e controlado, sobre o qual é exercido um dado poder, na maioria das vezes pelo Estado. Na

segunda, chamada cultural ou culturalista, prioriza-se a dimensão simbólica, na qual o território é visto principalmente como produto da apropriação simbólica de um determinado grupo de indivíduos. Na econômica, finalmente, é destacada a dimensão espacial das relações econômicas, como fonte de recursos e/ou incorporando as relações entre capital e trabalho.

Portanto, não é por acaso que, com todas essas vertentes e modos de vida presentes, o cenário em que se discute a legitimação dessas áreas seja tão complexo, resultando no foco principal de conflitos socioambientais que foram generalizando pelas novas regras de “não uso” e apropriação de recursos (CARDOSO, 2006).

Assim, os conflitos socioambientais se estabelecem tanto pelo controle material de um recurso, quanto por sua forma de uso, e envolvem grupos sociais com modos diferenciados de apropriação e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio, ameaçada por impactos indesejáveis decorrentes do exercício das práticas de outros grupos (ACSELRAD, 2004).

Para se compreender a essência dos conflitos socioambientais é preciso considerar o espaço geográfico onde eles ocorrem, independentemente da sua escala de grandeza, que inclusive pode ser planetária (LOPES, 2012). O espaço geográfico, aqui entendido como território usado (SANTOS, 2000), não é o simples palco onde os conflitos acontecem, mas é, sobretudo, resultado deles. Embora Acselrad (2004) não foque no “território”, faz alusão clara a ele, se observando nítida disputa territorial entre os atores sociais envolvidos nos conflitos socioambientais:

[...] os conflitos ambientais podem ser classificados de duas formas: na primeira, o conflito por distribuição de externalidades, seria decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas consequências; na segunda seria o conflito pelo acesso e uso dos recursos naturais, decorrentes da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos (ACSELRAD, 2004).

Tais conflitos podem ser manifestados a partir de comunidades tradicionais, preocupadas com as modificações em seu ambiente, até o poder público, defendendo o cumprimento de legislações pertinentes, passando por diversos setores da iniciativa privada, que procuram promover a exploração imobiliária e comercial das áreas naturais protegidas (ARAUJO; MELO e SOUZA, 2012). Quando se busca uma tipologia para os conflitos a partir das interações entre múltiplos atores sociais e atividades que visam, principalmente, o uso dos recursos naturais, se percebe a diversidade e complexidade em categorizar tais conflitos socioambientais (LOPES, 2012).

O autor ainda considera que a diversidade e complexidade dos conflitos socioambientais na Amazônia brasileira, tem sido oportuno o esforço para produzir uma tipologia de conflitos. Esse mecanismo tende a favorecer um melhor entendimento acerca da

apropriação e uso dos territórios, seja pela sociedade em geral, pelas empresas ou pelo próprio Estado. Assim, o quadro a seguir demonstra a tentativa de se criar tipologias para os diversos conflitos que podem ser identificados na Amazônia.

Quadro 6 – Classificação dos conflitos socioambientais identificados na Amazônia Legal.

Tipos de conflitos Características

Recursos hídricos Comunidades locais sofrem restrições no uso e acesso à água, em função da ação de terceiros ou do uso privado de rios e igarapés; poluição e/ou assoreamento de rios, igarapés e nascentes.

Queimada e/ou incêndios provocados

Queimadas para atividade agrícola, incêndios provocados intencionalmente devido à ação de grileiros, fazendeiros.

Pesca ou caça Predatória Atividade realizada por empresas ou por indivíduos de forma predatória, confronto entre pescadores artesanais e empresas pesqueiras e invasão de áreas pesqueiras por pessoas ou empresas de outras regiões ou comunidades.

Extração predatória “recursos

naturais” Extração e comercialização de “recursos naturais” sem planos de manejo, inclusive em TI, TQ e UC’s, por moradores locais e/ou empresas, por exemplo, água com propriedades minerais, palmito, castanha, açaí, bacuri, breu branco, argila, areia, seixo, calcário.

Desmatamento Informações sem detalhar as causas, apenas a identificação de desmatamento em áreas específicas, como mata ciliar e em áreas de manguezais.

Garimpo Atividade de garimpo para exploração de ouro, diamante, etc., realizado por indivíduos ou grupos; atividade ilegal, uso de mercúrio e contaminação de rios, igarapés, etc. comprometendo a população do entorno.

Pecuária Criação extensiva de gado e/ou de búfalos; uso indiscriminado e contaminação por pesticida, uso de fogo e desmatamento para formação de pasto.

Monocultivos Produção e comercialização de grãos, sobretudo, soja e arroz, plantio de eucalipto, uso de agrotóxicos e contaminação dos moradores do entorno. Extração de madeira Exploração e comercialização de madeira – inclusive em UC’s, terra

indígena por empresas madeireiras e/ou moradores locais.

Grandes projetos Mineração, atividades siderúrgicas eletrointensivas, hidrelétrica, gasodutos, infraestrutura de transportes, tais como construção de estradas, portos e hidrovias.

Regularização fundiária Regularização e demarcação de terras, conflitos fundiários relacionados à (re)distribuição e posse de terras envolvendo Estado, latifundiários e trabalhador rural: posseiros, pequenos proprietários, pequenos arrendatários e assalariados rurais.

Ordenamento territorial Invasão/expropriação/disputa de terra: grilagem de terras públicas; expulsão de famílias de suas propriedades por grileiros e vendas ilegais de terra; conflitos entre comunidades locais devido à ausência de definição de limites de áreas locais e internacionais, invasão de projetos de assentamentos, áreas indígenas, áreas quilombolas, Unidades de Conservação, não demarcação ou reconhecimento de terras indígenas ou quilombolas.

Violência física declarada Ameaças, conflito armado, assassinato, massacre, trabalho escravo, estupro, exploração sexual infanto-juvenil, destruição e incêndios de casas e propriedades, exploração do trabalho infantil.

Moradia Ocupação urbana desordenada; ausência de titulação de áreas urbanas; ausência de infraestrutura de transporte, drenagem, pavimentação de estradas e pontes; não fornecimento de água de qualidade, energia elétrica e esgotamento sanitário. Coleta e disposição inadequada de resíduos sólidos – lixões – que implica em danos à saúde e qualidade de vida das populações que vivem no entorno, bem como poluição e contaminação de rios e lençóis freáticos.

Para Vargas (2007), a resolução destes conflitos aumenta a confiança da sociedade nas instituições15, melhorando a governança de um modo geral. Entretanto, a não resolução transfere os danos das partes para a sociedade, afetando a cooperação, as relações sociais e o funcionamento das instituições. Considera-se ainda que, todos os conflitos são solucionáveis, dependendo da magnitude do problema socioambiental e da capacidade institucional do Estado de fiscalizar e sancionar o cumprimento das normas de uso dos recursos naturais.

Lopes (2012) ainda reitera a perspectiva de que o território em questão se constitui em um campo de possibilidades, ou seja, é um constante exercício de conflito socioambiental (re)organizando indefinidamente o território local, respondendo aos múltiplos interesses em conflito. Nessa perspectiva, o importante não é solucionar o conflito, porque ele não é passível de solução; o importante é criar mecanismos de oportunidades para o acesso democrático aos recursos e aos seus benefícios.