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Capítulo 2 O Percurso de Hunter S Thompson

2.3. As Origens do Jornalismo Gonzo

A literatura do movimento beatnik, (iniciado em 1950 por Allan Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs) e a subjacente filosofia anti-consumista e de rejeição da moral instituída, estava na base da ideologia orientadora do novo movimento de contracultura - o movimento hippie. O uso de substâncias

psicotrópicas, uma nova visão da vida em sociedade e os ideais libertários influenciavam todas as manifestações artísticas da época. A inovadora forma de literatura criada pela geração beat, que fugia aos padrões formais e discutia temas controversos sem qualquer tipo de restrição, assim como a recente concepção do papel do Homem na comunidade, influencia a produção literária da época. Na opinião de Daniel Hoffman em Harvard Guide to Contemporary American Writing:

Drug literature from the heroin novel of the 1950 reflects an attempt to resolve the anger and pain inherent in the visions of life as a power struggle. Drugs may be used to take the edge off violence and humiliation (Burroughs); drugs may be a wedge against the hero’s caring about anyone but himself, or a buffer against intimacy (Stone). Politicized in the tribal quality of the commune, they may define a way of live. (HOFFMAN 1979: 348)

O jornalismo, permeável às transformações sociais e históricas, foi também alvo dos ideais de renovação dos anos 60. Estes reflectiram-se numa aproximação das técnicas de reportagem às técnicas utilizadas na escrita ficcional, no início com o surgimento de um estilo designado por New Journalism e mais tarde com Hunter Thompson e a criação do Jornalismo Gonzo. Ambos propõem mudanças drásticas no modo de apurar, redigir e editar as notícias. Associado a uma perspectiva mais humanitária do tratamento da notícia, que contraria a distância e a imparcialidade do jornalismo tradicional, os sentimentos e as experiências do redactor desempenham um papel preponderante na história.

O termo New Journalism surge em 1973, retirado do título de uma obra de Tom Wolfe sobre a escrita produzida desde meados dos anos 60, por autores como Gay Talese, Hunter Thompson, Joan Didion, Truman Capote e Norman Mailler (entre outros). Nessa antologia, editada por Tom Wolfe e E.W. Johnson, à prosa de Wolfe juntavam-se excertos narrativos que ilustravam o conceito de New

Journalism e explicavam o que ele continha de inovador e criativo. Aqui, o autor manifestava pouco apreço pela obra de escritores como Jorge Luis Borges ou Gabriel Garcia Marques, que considerava demasiado “presos” à ideia do mito e como um novo tipo de criadores de fábulas. A escrita de autores como Donald Barthelme, John Hawkes ou John Barth, também não atraía Wolfe que a classificava de complexa e desinteressante.

Segundo os seus criadores, a noção orientadora destes novos estilos de escrita, do New Journalism e do posterior Jornalismo Gonzo, é a de que a verdade só é possível de alcançar na peça jornalística se se não seguirem as regras da reportagem factual. Marc Weingarten afirma, no livro The Gang That Wouldn't Write Straight:

As working journalist, and particularly for those still in school, there is a lesson in this book that we must take seriously. Not many of us can be Tom Wolfe, Hunter Thompson, Gay Talese or Truman Capote. Wolfe makes it clear in much that he wrote that the facts had to be unimpeachable. In Thompson’s case, though a careful and apparently accurate reporter, his technique often ruled and overpowered his text. His remarkable style at times overwhelmed his reporting. (WEINGARTEN 2005: 45)

Com origem no New Journalism, registado por Tom Wolfe, o estilo Gonzo caracteriza-se por uma reportagem romanceada onde os usuais padrões de objectividade são subordinados ao estado de espírito e à opinião do repórter. Hunter Thompson define assim o estilo que criou:

Gonzo Journalism … is a style of reporting based on William Faulkner’s idea that the best fiction is far more true than any kind of journalism … Fear and Loathing

in Las Vegas is a failed experiment in Gonzo Journalism. My idea was to buy a fat

notebook and record the whole thing, as it happened, then sent in the notebook for publication – without editing … (THOMPSON 2003: 106)

O Jornalismo Gonzo recorre às mesmas técnicas do seu antecessor, mas vai ainda mais longe na qualidade cáustica das peças. Esta forma de informação diferencia- se, sobretudo, na apresentação. O diálogo (que transmite intensidade ao acontecimento relatado) constitui uma técnica recorrente, através dele o repórter caracteriza os “protagonistas” do evento e transmite a sua opinião sobre o que observa. A capacidade do leitor para interpretar as palavras da “personagem” é determinante na avaliação das suas reacções. No Jornalismo Gonzo (ao contrário do que acontece no jornalismo tradicional) o repórter não apresenta os acontecimentos pela ordem crescente de importância na história, aqui descreve-se um número reduzido de factos determinantes para o desfecho da história, e as diferentes cenas são articuladas da mesma forma que na ficção se constrói o enredo de uma narrativa. O uso de uma linguagem onde a descrição é predominante, a transmissão de particularidades de linguagem, características de determinados grupos (o que por sua vez possibilita a sua caracterização em termos emocionais), e as marcas de pontuação pouco convencionais (como reticências, exclamações, interjeições e onomatopeias) distinguem esta prosa jornalística. Num artigo para o New York Times, o professor Michael Wood16 escreve o seguinte sobre a técnica utilizada no New Journalism, que veio constituir a base do Jornalismo Gonzo.

Wolfe thinks it’s primarily a question of technique, and lists, rather academically, the four basic devices of the school: scene-by-scene construction, “resorting as little as possible to sheer, historical narrative”, lots of dialogue; a marked point of view within the story, often not that the narrator but that of a character, reconstructed from tapes or interviews or letters or diaries; and the recording of details of what Wolfe calls “status life” – “the entire pattern of behavior and possessions through

16

Michael Wood fez crítica literária nas seguintes publicações: London Review of Books,

The NewYork Review of Book e no The New York Times Book Review entre outras. É

professor de Inglês na Universidade de Princeton e é autor de vários livros, o mais recente intitula-se America in the Movies.

which people express their position in the world or what they think it is or what they hope it to be.” (WOOD 1973)17