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CAPÍTULO II – SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO NO BRASIL:

2.1 A NOÇÃO DE SISTEMA EM ANÁLISE

2.1.1 As origens dos sistemas educacionais no Ocidente

Os sistemas educacionais começam a se constituir com a institucionalização da escola como estabelecimento privilegiado de transmissão do conhecimento socialmente produzido. A escola se revela elemento essencial do processo de modernização ao mesmo tempo nos Estados-Nações novamente constituídos do Ocidente e do Japão da era Meiji no século XIX, e mais tarde nos novos Estados- Nações da Ásia e Alhures, no final do século XX (GREEN, 2013).

A escola moderna, nos moldes que conhecemos hoje, é uma instituição que nasce na gênese da sociedade capitalista, possui uma forma de organização própria e faz parte de um sistema maior, um sistema educacional, que reflete as contradições da sociedade em que se insere. Para Green (2011, p. 366), a melhor forma de compreender a criação dos sistemas educacionais nacionais é, talvez:

Considerá-la como fazendo parte do longo processo de formação do Estado que, na Europa, cobre o período indo da derrocada do absolutismo no século XVIII até a consolidação dos regimes democráticos de massa no final do século XIX e início do século XX, passando pelas revoluções políticas e industriais.

Ao analisar o desenvolvimento das relações entre o público e o privado na educação brasileira, Saviani (2010) remete à constituição dos sistemas educacionais na Europa e aos fatores históricos que contribuíram para o seu desenvolvimento, como as Revoluções Industrial e Francesa, O aperfeiçoamento de práticas comerciais e mercantilistas, o acúmulo de riquezas provindas dessas atividades, o enfraquecimento das relações entre servos e senhores feudais, o abuso dos privilégios dos quais possuíam nobres e clérigos, a concentração do poder absoluto nas mãos de rei; a

grande quantidade de impostos que recaía sobre a maior parte da população (terceiro estado), entre outros fatores, desencadearam, no fim do século XVIII, a Revolução Francesa, que modificou as bases da sociedade francesa, influenciando grande parte da sociedade europeia e também outras nações em construção (SAVIANI, 2010).

Esse fato histórico marcou a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, período que se iniciou em 1789 e se estende até os dias atuais. Foi também um marco da queda do Antigo Regime, do nascimento e da legitimação da burguesia como classe social, da emergência dos Estados-Nações e da afirmação da cultura antropocêntrica, em contraponto ao teocentrismo que marcou o período anterior. Inspirada em ideias iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução Francesa influenciou também os modos de conceber a educação na época, influenciando a constituição dos sistemas escolares no Ocidente (SAVIANI, 2010).

A desintegração da divisão de poderes entre Estados e Igrejas se assevera nesse período, com destaque para a expulsão da Companhia de Jesus (ordem de padres jesuítas) de países europeus já constituídos (França, Rússia, Portugal e Espanha) e de suas colônias. Mostram-se, portanto, os primeiros indícios da estatização do ensino (SAVIANI, 2010).

Green (2010) ressalta que, embora as igrejas tenham sido instrumento de início e de expansão da educação, o desenvolvimento da educação de massa, e os sistemas educativos nacionais, que foram seu principal instrumento, foram essencialmente obra do Estado.

Ao discutir sobre o papel histórico dos sistemas nacionais de educação, Saviani destaca que o dever do Estado de organizar, manter e impor a educação à população nasce a partir da necessidade de disseminar as luzes da razão, que trouxe a necessidade de difundir a instrução:

A necessidade de disseminar as luzes da razão, tão bem teorizada pelo movimento iluminista, trouxe consigo a necessidade de difundir a instrução indistintamente a todos os membros da sociedade, o que foi traduzido na bandeira da escola pública, gratuita, universal, leiga e obrigatória. Daí, o

dever indeclinável do Estado de organizar, manter e mesmo de impor a educação a toda à população (SAVIANI, 2008, p. 7).

Petitat (1994) destaca três aspectos que contribuíram para a estati zação da escola. Primeiramente, com a queda do Antigo Regime e do poder absoluto do monarca, “[...] a piedade religiosa, o humanismo devoto e o amor ao rei cedem lugar diante do princípio da pátria, que inspira uma reorganização completa dos programas escolares” (PETITAT, 1994, p. 142).

Segundo esse autor, os programas passam a ter como componentes: leitura, escrita, história, geografia, economia, direito. Assim como os programas escolares, profundas transformações nas concepções relativas à moral também são destaque nesse período em que a secularização do ensino influi diretamente na secularização da moral (PETITAT,1994).

O terceiro fator que influenciou a estatização da escola e a formação de sistemas de ensino, de acordo com Petitat, foi a Revolução Industrial, cuja primeira fase se desenvolveu na Inglaterra, a partir de 1750. Por ocasião da Revolução Industrial, o Estado firma-se definitivamente no ensino, em consequência da supressão dos ofícios e da emancipação do capital industrial dos entraves corporativos (PETITAT, 1994).

Saviani (2007) confere à Revolução Industrial um status de “Revolução Educacional”, a partir da qual os principais países assumiram a tarefa de organizar seus sistemas nacionais de ensino, buscando generalizar a escola básica. O desenvolvimento da indústria teve como base a livre concorrência estabelecida pelo mercado que, em defesa da propriedade privada, se opõe aos valores de justiça e igualdade. Resumidamente, podemos elencar as principais contradições educacionais que, segundo Petitat (1994, p.146-147) se expressaram a partir do fim do século XVIII:

A primeira contradição refere-se à própria definição do poder escolar, à designação das instâncias que presidirão a seleção da cultura e dos públicos escolares [...]. A segunda contradição confirma a primeira e se articula em torno da definição dos conteúdos morais do ensino [...]. A terceira contradição vincula-se à extensão do ensino primário [...]. A quarta contradição refere-s e à redefinição social e cultural do secundário [...]. Aquinta contradição vincula- se à articulação entre o secundário e a escola primária.

Os sistemas nacionais de ensino se institucionalizam, portanto, com a gênese do sistema capitalista e a institucionalização da educação com intencionalidades e práticas específicas. A padronização de práticas educativas e a socialização promovida em um sistema educacional consistente coadunam com os anseios capitalistas de estabelecer mecanismos de controle e de produtividade medida por meio da avaliação dos resultados.

A existência de condutas e formas de disciplina produzidas pela educação sistematizada influenciou também as racionalidades empregadas em diversos setores sociais, como a economia e a cultura. A organização dos poderes e dos saberes torna - se determinante para a promoção de interações sociais cada vez mais complexas, o que evidenciou a necessidade de normas gerais que atendessem às questões educacionais dos sujeitos. O SNE responde à regulamentação dessas regras.

A Revolução Industrial e o modo de produção legitimado por ela consolidaram, além da divisão de classes entre proprietários e não proprietários, a bifurcação do sistema de ensino entre as escolas de formação geral e as escolas profissionais, que correspondem à herança do Antigo Regime, em que, como afirma Petitat (1994), o ensino primário público era basicamente uma instrução moralizadora para o povo, e o ensino secundário e superior uma formação para a elite.

Os sistemas de ensino e as instituições que os integravam se modificavam de acordo com a composição social e as marcas deixadas pelo tempo histórico vivido. Segundo Mészáros (2008), as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do capital:

Desse modo, teve de se abandonar a extrema brutalidade e a violênc ia legalmente impostas como instrumentos de educação – não só inquestionavelmente aceitos antes, mas até ativamente promovidos por figuras do início do período iluminista, como o próprio Locke, como acabamos de ver. Eles foram abandonados não devido a considerações humanitárias , embora tenham sido frequentemente racionalizadas em tais termos, mas porque uma gestão dura e inflexível revelou-se um desperdício econômico, ou era, no mínimo, supérflua. E isso era verdadeiro não só em relação às instituições formais de educação, mas também a algumas áreas indiretamente ligadas a ideias educacionais (MÉSZAROS, 2008, p.43)

No decorrer do século XIX, os sistemas educativos não se desenvolveram da mesma forma. Inspirado na análise de Archer (1979), Green (2010) aponta algumas diferenças em relação ao surgimento de sistemas educativos no continente europeu:

Os sistemas mais centralizados, emergindo lá onde o Estado ‘restringiu’ e ‘assumiu’ as atividades educativas da sociedade civil no lugar de quem tinha suficientes meios para universalizar seu modo de escolarização, tenderam a ser organizados de maneira mais sistemática e com melhor articulação entre as suas diferentes partes [exemplo da França e da Prússia]. Os sistemas descentralizados, como os da Inglaterra e do País de Gales, foram mais suscetíveis a aparecer quando os grupos burgueses emergentes possuíam os meios de ‘colocar’ suas próprias instituições mais tradicionais, as quais não respondiam às suas necessidades, o que levou antes a sistemas estatais organizados menos sistematicamente e menos unificados (ARCHER, 1979 , apud GREEN, 2010, p. 365, grifo nosso).

Ademais, conforme destaca Andrade (2011), o surgimento da lógica de sistema na educação correlaciona-se com a lógica de intencionalidade em relação à ação educativa, mas também com a emergência de um modelo educacional que pressupõe organização sob normas próprias, construídas no coletivo dos indivíduos que compartilham dos processos educativos (ANDRADE, 2011). Quando institucionalizada e perante diferenças políticas, ideológicas e socioeconômicas que variam de Estado para Estado, a educação sistematizada própria das instituições escolares tende a se generalizar impondo, em consequência, a exigência de se sistematizar também o funcionamento dessas instituições, dando origem aos sistemas educacionais organizados pelo poder público (SAVIANI, 2008).