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CAPITULO III – A GESTÃO DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO:

3.4 AS POLÍTICAS PARA A GESTÃO EDUCACIONAL NO BRASIL NO

Na análise de Ferreira (2013), o planejamento esteve presente no Estado burocrático capitalista nacional como parte integrante de um projeto de desenvolvimento para um país situado perifericamente na divisão internacional do trabalho. A partir dos anos 1990, o planejamento governamental é retomado como indispensável à gestão pública e assume centralidade como um dos mecanismos que permitem ao Estado interferir na conjuntura brasileira, por meio de instrumentos como o Plano Plurianual (PPA), ferramenta prevista na Constituição Federal de 1988.

Os dois Planos Plurianuais desenvolvidos no governo Fernando Henrique Cardoso foram organizados com base na tríade: estabilidade monetária, equilíbrio da política macroeconômica e política setorial em parceria com o setor privado. Portanto, predominou a centralidade no econômico, a ênfase na perspectiva de descentralização das políticas públicas para Estados e Municípios e uma proposta de desestatização nas parcerias com o setor privado (FERREIRA, 2006). Já os Planos Plurianuais do governo Luiz Inácio Lula da Silva procuraram, em suas duas gestões, articular a intricada relação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social (OLIVEIRA et al., 2013).

No governo do presidente Lula da Silva, sobretudo no segundo mandato (2007-2010), o Governo Federal manifestou-se de diversas formas a fim de favorecer a realização de uma organização sistêmica da educação nacional, tendo como princípio o protagonismo do planejamento educacional. Pares e Valle (2006) destacam que o planejamento é reflexo do processo democrático que trouxe para a arena os movimentos sociais, as exigências de maior transparência com os negócios públicos e a prestação de contas:

O planejamento e o orçamento tendem a emular esse ambiente social, que exige crescente governança para governar ‘com’ e para fazer ‘com’ a sociedade. Conceitos como parceria, participação social, concessões públicas eram pouco usuais na administração pública até o início dos anos 90. A necessidade de estabelecer fronteiras jurídicas entre o que é estatal e público e o que é público e privado torna-se vital para abrigar novas formas de contrato e de relações administrativas. Esse ambiente de múltiplas pactuações leva a uma demanda para inscrevê-las nos instrumentos de planejamento e orçamento, como forma de assegurar transparência e compromissos ao longo dessa nova teia de responsabilidades (PARES; VALLE, 2006, p. 237).

O planejamento educacional pode ser conceituado como todo ato intencional, político e técnico para direcionar as atividades do campo educacional, buscando racionalizar os fins e os meios para conseguir os objetivos propostos:

O planejamento educacional é intencional, na medida em que não pode ser efetivado aleatoriamente; implica conhecimentos da realidade, pressupõe escolhas e estabelecimento de meios para se atingir um determinado fim. É político, visto que está comprometido com as finalidades sociais e políticas da sociedade. É técnico, pois exige a utilização de meios eficientes para se obter os resultados. Tem como pressupostos básicos: o delineamento da filosofia da Educação do País, evidenciando o valor das pessoas e da escola na sociedade (CASTRO, 2010, p. 1).

O lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) representou uma tentativa de retomar a prática do planejamento educacional no país a partir de diversas estratégias. Para Oliveira et al. (2013), o PDE se coaduna com a finalidade do PPA 2008-2011, que delineia políticas de longo prazo, tendo em vista estratégias de desenvolvimento. Ou seja, o planejamento governamental do governo Lula (2008- 2011) procura assegurar, por meio do PDE, a melhoria da gestão da escola e, por conseguinte, a melhoria da educação (OLIVEIRA et al., 2013).

Segundo o texto de apresentação desse programa, o PDE visa a superar uma visão fragmentada da educação, inspirada em princípios gerencialistas e fiscalistas, predominantes até o momento e resultantes da influência da agenda neoliberal (MEC, 2007).

Simultaneamente ao lançamento do PDE, o Ministério da Educação publicou o Decreto nº. 6.024, de 24 de abril de 2007, cujo texto dispõe sobre a implementação do “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação” (TPE). Esse plano foi definido como “[...] a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica” (MEC, 2007).

O referido “Compromisso” teve como inspiração o movimento “Todos Pela Educação”, uma iniciativa do empresariado, predominantemente paulista, e, a princípio, contou com 28 diretrizes para orientar a sua execução. O TPE foi lançado em 2006, um ano antes do PDE, e constitui-se como um “[...] movimento da sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica de qualidade” (TPE, 2014). A partir de 2014, o TPE se qualificou como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Em síntese, o TPE representa o aumento da participação da sociedade civil, sobretudo da iniciativa privada, na elaboração, na execução e na avaliação das políticas educacionais em âmbito nacional. Isso significa que a ideologia privatista em educação ganha cada vez mais espaço em detrimento da atuação do Estado como regulador das políticas de interesse público, reforçando a responsabilização social e o apelo ao voluntariado.

O PDE condicionou o apoio técnico e financeiro disponibilizado pelo MEC por meio desse plano à assinatura do “Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação” pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. A iniciativa contou com a adesão voluntária de todos os Municípios brasileiros, dos 26 Estados e do Distrito Federal. Depreende-se que o PDE revela o caráter aparentemente contraditório do modelo de regulação implantado na segunda metade da década de 1990, pois proporciona o fortalecimento do papel regulador do Estado nas políticas educacionais e, ao mesmo tempo, o aumento da responsabilização das unidades subnacionais pelos resultados dessas políticas (SILVA; RODRIGUES, 2013).

A execução das metas do plano contou com a estratégia do PAR, ferramenta que auxilia os entes federados a realizar o diagnóstico, a elaboração, a implementação e a avaliação das políticas educacionais do ente federado a partir das demandas locais e do auxílio técnico e financeiro do MEC. O PAR é uma ferramenta de planejamento

multidimensional e plurianual, cuja primeira versão se desenvolveu de 2008 a 2011 e teve como referência o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

De forma análoga, os dados da pesquisa “Gestão das políticas educacionais no Brasil e seus mecanismos de centralização e descentralização: o desafio do PAR”, iniciada em 2009, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fapes, na Universidade Federal do Espírito Santo, apontam como o PAR pode ser um meio de alcançar os objetivos planejados pelo Governo Central, visto que, tomando-se a qualidade na dimensão que lhe confere o Ideb, o PAR se revelou, nos depoimentos, “[...] como um meio de alcançar as metas do MEC para elevar os indicadores da educação, ou seja, as escolas mantiveram a estabilidade do índice ou apresentaram melhorias com relação ao resultado anterior do Ideb” (FERREIRA; FONSECA, 2013, p. 296).

Esta pesquisa traz evidências sobre os impactos do desenvolvimento do PAR sob a gestão das políticas educacionais em diversos municípios brasileiros, bem como das implicações advindas desse modelo de planejamento educacional para a rotina da escola.

Silva e Rodrigues (2013) participaram da pesquisa em rede a partir da investigação realizada em oito municípios localizados no Estado da Paraíba (PB) e exemplificam como esse modelo de políticas educacionais, pautado na dicotomia centralização x descentralização, no financiamento per capita e na medição dos resultados, em detrimento da garantia da aprendizagem do aluno, pode ser assimilado pelos profissionais que atuam nas unidades de ensino:

Os dados coletados na pesquisa revelam que a divulgação dos resultados do Ideb tem interferido na organização escolar e no trabalho docente, visto que várias ações desenvolvidas nas instituições pesquisadas vêm sendo direcionadas para a elevação desse índice. De um lado, os dados demonstram que, depois da divulgação do Ideb, há a preocupação dos profissionais da escola em relação à necessidade de elevação do índice. De outro, revelam, por parte significativa dos sujeitos, um conheciment o superficial das políticas de avaliação da educação básica em curso. Um indicador dessa situação consiste no número expressivo de gestores e professores que disseram ‘não saber’ quais os objetivos do Ideb e não conhecer o que é o PAR e as metas para seu município e a escola em que atuam (SILVA; RODRIGUES, 2013, p. 234).

Para Junqueira (2011), os novos modos de regulação pós-burocráticos dos sistemas educativos acham-se associados em um país cuja regulação normativa de seu sistema é recente e sujeita a diversas alterações. No bojo dessas novas formas de regulação educacional empreendidas na contemporaneidade, o PAR tem como uma de suas propostas a melhoria da qualidade da educação, aferida por meio do Ideb, que consiste em um indicador de qualidade, com notas de 0 a 10, que combina a avaliação do desempenho e a Prova Brasil, com dados de repetência e evasão, segundo o MEC (SILVA; RODRIGUES, 2013).

O quadro descrito acima permite constatar que há um asseveramento da regulação institucional, cuja definição, de acordo com Barroso (2005, p. 730), põe em evidência as dimensões de coordenação, controle e influência exercidas pelos detentores de uma autoridade legítima, “[...] enquanto intervenção das autoridades públicas para introduzir ‘regras’ e ‘constrangimentos’ no mercado ou na acção social”.

Na análise de Junqueira (2011), com o PAR, verifica-se a tentativa de estabelecer maior racionalidade entre meios e fins na relação do Poder Público local com suas escolas e deste com o Governo Central. “Trata-se do aprofundamento do modo de regulação burocrático sob um novo viés – ênfase nos resultados – em um país onde relações de cunho clientelista ainda são predominantes ” (JUNQUEIRA, 2011, p. 80).

Em suma, apesar de sua importância como política pública, o PAR não contribuiu, até então, de forma efetiva para a estruturação do Sistema Nacional de Educação (FERREIRA, 2014). Sua relevância, como instrumento político e técnico com capacidade de “[...] promover uma melhor organicidade da educação nacional, deve ser repensada em seus moldes, principalmente devido às peculiaridades de cada município/estado brasileiro e seus respectivos sistemas educativos” (FERREIRA, 2014, p. 17).

Além do Fundeb, do PDE e do PAR, outros planos e programas têm sido lançados pelo Governo Federal com o objetivo de estreitar as relações entre os entes federados. Como exemplo, podemos citar: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime), Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais

de Educação (Pró-Conselho) e o Programa de Desenvolvimento da Escola (PDE Escola).

Em relação ao planejamento da educação, destacamos a Conferência Nacional de Educação (Conae), cujas edições se realizaram em 2010 e 2014 com iniciativa governamental (sociedade política) e incorporação da participação das organizações representativas dos diferentes segmentos da comunidade educacional (sociedade civil). Em contrapartida à redução da autonomia local, consequentemente de políticas centralizadas, algumas iniciativas caminham no sentido de aumentar o poder de alcance das esferas municipais na gestão do ensino, embora possam significar um silencioso atalho para o aumento da presença da iniciativa privada, como veremos a seguir.