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As origens na encruzilhada do Século XIX – Breve Abordagem

IV. Enquadramento Teórico

4.2. Economia Social

4.2.2. As origens na encruzilhada do Século XIX – Breve Abordagem

É comummente aceite que a Economia Social moderna surgiu ao longo do século XIX, quando os operários, artesãos e camponeses se associaram para colocar em comum os seus capitais e as suas ferramentas de trabalho com a finalidade de tomar eles mesmo conta do seu destino.

Ainda que se encontrem registos ancestrais de instituições onde a prática de comportamentos solidários ou de entreajuda entre os seus membros tenha tido lugar, designadamente, na Antiguidade Clássica e na Idade Média (Defourny, 2009, p. 156), aceitam-se os finais dos século XVIII e inícios do século XIX, como sendo a época histórica de referência que deu origem à Economia Social, consubstaciada nos acontecimentos marcantes da Revolução Francesa em 1789 e da Revolução Industrial.

A Economia Social emerge, assim, definitivamente, com o advento da máquina a vapor e com o surgimento à época, do capitalismo assente num liberalismo exacerbado, oriundo da transformação das industrias manufatureiras em fábricas onde a máquina impera.

O artesanato é progressivamente suplantado pela indústria. Os aldeões deixam, em cada vez maior número, as zonas rurais para se fixarem nas cidades industriais onde, a maior parte, pensa que a prosperidade os receberá de braços abertos. Nada de mais errado.

O êxodo rural das populações em direção às grandes cidades industriais, à espera de emprego no carvão, na indústria pesada, ou nos caminhos de ferro, a forte concorrência que rapidamente se fez sentir, a necessidade de reduzir salários por parte dos detentores do capital no sentido de garantir maximizar o lucro, os horários alargados de forma desmesurada, e a cruel exploração a que homens, mulheres, velhos e crianças eram sujeitos fez, naturalmente emergir, através da acção colectiva, a necessidade de proteção por via da associação entre os da mesma condição (Jeantet, 2009, p. 43). Assim,

A associação é uma tradução em actos do principio de solidariedade que se expressa pela referencia a um bem comum, valorizando pertenças herdadas, no caso da solidariedade tradicional, ou pertenças construídas, no caso da solidariedade moderna filantrópica ou democrática. A criação associativa é impulsionada pelo sentimento de que a defesa de um bem comum supõe a acção colectiva (Chanial & Laville, 2009, p. 21).

Também José Pitacas defende:

As camadas da população criaram associações mutualistas, bem como associações de instrução, de beneficência e de promoção social, de forma a dar resposta à ausência de proteção perante os riscos[…].As Associações Mutualistas, também conhecidas por Associações de Socorros Mútuos,

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Montepios, constituíram, assim, uma forma primária e voluntária de protecção social, de grupo ou de classe […] (Pitacas, 2003).

Encontramos, também, em Charles Gide a mesma linha de pensamento de Thierry Jeantet, face às agruras que o advento da máquina a vapor provocou:

Mas ao lado destes brilhantes sucessos (recente industria nascida das invenções mecanicas) dois fenómenos novos surgem ajustados a preocupar os espíritos mais atentos: a aglomeração, junto destes centros de riqueza, de uma nova e miserável classe – os operários das fábricas -e as crises de superprodução2 (Gide & Rist , 2000, p. 190).

A Economia Social deu resposta aos enormes problemas colocados às populações numa época de grandes transformações, designadamente, com o surgimento de novas formas de trabalho aliado ao aparecimento da máquina. A Economia Social surge, assim, da sociedade civil através de associações de entreajuda, como por exemplo as Associações de Socorros Mútuos, onde se tentavam mutualizar riscos sociais.

Para fazer face às doenças, aos riscos de invalidez, de velhice, de viuvez, de orfandade, a falta de trabalho, a usura nos juros de empréstimos, por parte dos proprietários de terras e de fábricas, surgem iniciativas colectivas, associativas, de socorros mútuos […]” (Estivil, 2006 cit in. Parente, 2008)

Foi desta forma que, na Grã-Bretanha, em pleno século XVIII, com o nome de “friendly societies” (associações de amizade) com base em sentimentos de fraternidade e amizade, emergiram de forma embrionária as Associações de Socorros Mútuos. Resultaram através da quotização livre e espontânea por parte dos trabalhadores, no sentido de fazerem face aos riscos sociais a que estavam sujeitos. Dava assim os primeiros passos, esta forma de proteção concretizada no socorro mútuo ou mutualidade que, durante épocas se revelou uma característica e simultaneamente uma finalidade do movimento operário (Leal, 1982).

Mais tarde, durante o século XIX, surgem na Grã-Bretanha as primeiras Uniões de Ofícios (“Trade Unions”), embriões dos sindicatos, e as primeiras cooperativas. Uma vez mais, o associativismo era a palavra de ordem, a solidariedade entre os demais imperava e a cooperação era fator aglutinador. Todavia a Lei, em Inglaterra, destrinçou desde cedo o que eram Associações de Socorros Mútuos, que eram protegidas, enquanto as “Trade Unions” eram perseguidas.

Foi com a fundação da cooperativa de consumo “A Sociedade dos Verdadeiros Pioneiros de Rochdale” em 1844 que o cooperativismo de consumo se consolida em grandes empreendimentos, se espalha pela Europa, e mais tarde pelos demais continentes. Muitos autores defendem ter sido esta a primeira iniciativa que serviu de referência a outras na História da Economia Social.

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Diversas correntes, conforme iremos ver mais à frente, contribuíram para a origem da Economia Social, caso do Anarquismo (Pierre-Joseph Proudhon e Bakunine) e do Socialismo Utópico (Robert Owen e Charles Fourrier) em que para estes é um projecto fulcral; o Solidarismo Cristão ou Doutrina Social da Igreja (Le Play); o Liberalismo (John Stuart Mill e Alfred Marshall), ainda que de forma acessória e o Socialismo Ciêntífico de Karl Marx, considerando a Economia Social como um obstáculo à Revolução.