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4. O GIPSI e a linguagem

4.8. As palavras e seus valores no GIPSI

influenciam tanto seu próprio grupo, como a família de seus clientes. Porém, com novos significados, as palavras ganham novos valores, e explicaremos melhor esses valores, para melhor compreendermos sobre a práxis simbólica deste grupo.

deixar escapulir, em apresentação oficial do grupo, dizer paciente, alguns dias após Ileno comentar sua problemática. No discurso de repente acontece um ato falho social, quando escapole um paciente em vez de cliente, principalmente em momento de apresentação oficial do grupo, assim logo se corrige para a palavra correta, cliente.

Frente a uma entidade, que institucionaliza um grupo humano variado, sua linguagem e suas leis próprias, suas ideias e técnicas, pessoas, saberes e afetos compartilhados juntos com essas ideias, seguem um nível de vida (nível das ideias), que produz tanto conflito, como também produz seus próprios rituais para solucioná-los.

Termos como cliente e paciente, sofrimento psíquico grave em vez de psicose, dão um valor diferenciado no sistema que ali os envolve, um maior valor simbólico frente ao mercado das abordagens comuns da psicologia, em que nesse grupo não estão em foco, pelo menos oficialmente, por sua prática própria, mas são também usados por nossos terapeutas. Ou seja, essa bricolagem entre estruturas teóricas do saber, uma se sobressai em seu valor, que é a teoria nativa e oficial, própria do GIPSI, apesar de usarmos outras teorias, mas com esta sempre devendo ser lembrada e elevada em seu valor. Porém, essa realidade nos mostra um problema. A psicose, termo advindo da psicanálise e da medicina, nos discursos oficiais e oficinas metodológicas ministradas por Ileno, é substituído muitas vezes por sofrimento psíquico grave, mas nem sempre essa troca ocorre. Até pela facilidade de dizer psicose pelo tamanho menor da palavra, mas por uma série de pequenos fatores psicossociais difíceis de nomear totalmente aqui, muitas vezes o termo psicose que é utilizado. É comum em conversas e debates menos oficiais, e às vezes quando precisamos resumir argumentos rapidamente nos relatos de caso, ou em conversas até fora dos encontros oficiais, termos como paciente e psicose predominarem em seu uso, quando comparados com seus “avessos” como cliente e sofrimento psíquico grave. Se perguntado separadamente para cada integrante do grupo, fora de um contexto oficial, cada um dará sua própria importância para essas trocas, sendo para muitos deles quase que irrelevante esta troca, desde que as diferenças de tais termos sejam compreendidas e levadas em consideração.

Quando perguntado pelo criador do grupo, em um meio coletivo e oficial deste último, nossa chance será maior de ouvir cliente ou sofrimento psíquico grave. No fim, a mudança destes termos agrega um valor que, no discurso oficial deve ser salientado, mas que nas práxis comum e menos oficializada, apesar de sua troca às vezes não ocorrer, suas diferenças ainda são sentidas e levadas em consideração.

Dentro desta bricolagem, ou mistura de sistemas de peças e elementos teóricos, uma prevalece em seu valor simbólico, a saber a teoria familiar sistêmica e fenomenológica, as teorias eleitas e usadas pelo mestre ancião na criação institucional do grupo. Estes valores dos Habitos de um discurso, tem efeito aqui de mercado, mas que não invalida a alteridade, o que é fundamental para seu funcionamento. Por esse valor me refiro ao valor de uma fala ou comportamento frente ao Outro como tesouro e organizador dessa linguagem e destes signos, a saber, o criador do grupo e seus representantes da cena cotidiana do GIPSI. Dependendo do contexto, tudo bem falar psicose ou paciente, mas se em meu argumento, eu colocar o cliente como objeto de nossa cura, passivo, ou patologizá-lo como reduzido ao seu diagnóstico (problemas apontados por Ileno ao discurso médico), ali sua correção será efetuada, pelo menos na maioria das vezes, inclusive em discussões não oficiais. Aqui, o valor simbólico recai mais a uma noção construída no uso da linguagem em seus jogos cotidianos, do que a um signo ou palavra em específico, apesar destas últimas, parecer carregar o conteúdo da primeira, a partir de seu modo de uso. Mas estes mesmos valores culturais do discurso, agora no contexto da vida de nossos clientes, principalmente na formação simbólica de seus sintomas e delírios, os valores sociais aparecem latentes nestas cenas.

O valor de uma palavra ou o nome de uma entidade, parece constituir o mito que outrora elaboramos, que está na contracena das cenas sociais, e também parecem influenciar nas formações sintomáticas de nossos clientes. Em cada cena social, se observam mestres atribuindo valores aos signos, e isso constitui um conto, ou uma narrativa dos sujeitos ali implicados. Neste sentido, a narrativa que aponta a medicina como reducionista do paciente ao seu sintoma, e justifica o maior valor do termo nativo de cliente, parece funcionar de forma análoga na valoração linguística encontrada nas próprias famílias dos clientes, e aparecem também em seus sintomas. Por isso o sagrado e o demoníaco, parecem ter tanta frequência nos casos gipsianos, não exatamente por seus elementos constituintes, mas na relação que estas entidades produzem, em suas diferenças com outros elementos simbólicos da vida cotidiana.

Neste sentido, o valor da companhia e cuidado de Deus, se constitui em sua oposição ao medo e tentação dos demônios, e a partir da história individual, atravessada pelos mitos coletivos (sagrados ou não), valores simbólicos culturais estruturam o sofrimento humano, que é o objeto privilegiado do grupo gipsiano. Aqui, o valor de ser um bom cristão, não pecar e agir sobre as leis de Deus, funcionam como uma “compra subjetiva” de uma proteção que, caso entendido em níveis extremos, pode virar uma

obsessão compulsória de medo do pecado, levando o sujeito ao sofrimento, por se sentir estar sempre sendo seguido em seus passos e ações, e sempre avaliado por elas. No GIPSI, o valor do comportamento produtivo, ou seja, condizente com o discurso oficial com seus termos e noções, possui um grande valor: falar de um jeito tal, levando x coisas e noções em consideração, como explicado- a fala assim, funciona como um comportamento social por excelência. Explicamos o valor de signos em sistemas teóricos e seus efeitos no comportamento dos terapeutas, agora passaremos brevemente pelo efeito dos valores dos signos no cotidiano de nossos clientes, e como isso impacta na dinâmica de nosso grupo.