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CAPÍTULO IV APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.2. Estudo com formadores de um museu itinerante

4.2.3. As perceções dos formadores sobre as dificuldades do ato de mediar

Engajar o “público” numa comunicação dialógica nem sempre é tarefa fácil para o mediador, tendo sido mencionadas algumas razões (Quadro 5). A diversidade de públicos com quem o mediador interage levanta dificuldades de diferentes naturezas, mas também as próprias concepções do mediador sobre a natureza da interação verbal condicionam o diálogo que se estabelece.

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Quadro 5 - Algumas razões que dificultam a comunicação dialógica entre o mediador e o “público” Tipo de “público” Razões

“Público” casual Espera uma comunicação vertical

Pouco à vontade para expor ideias sobre temas sensíveis “Público” escolar Falta de entusiasmo do Professor

Turmas agitadas

Pouco à vontade para expor ideias sobre temas sensíveis Mediador Enraizamento do modelo “deficit”

Necessidade de um ajustamento rápido do discurso, dada a diversidade de públicos

Uma dessas razões prende-se com a visão do “público casual” sobre a comunicação que pensa que deve ocorrer naquele espaço, isto é, assente num modelo “deficit”, o que torna o “público” acrítico.

“O tempo inteiro nós trabalhamos a nossa mediação para que o público seja valorizado. Acontece que o público nem sempre está acostumado a isso. Muitas vezes o público não sabe que pode ter voz, que pode ter opinião e que a opinião dele é igualmente válida para nós, que o conhecimento que ele traz, por mais que seja cientificamente questionável, a gente sabe que isso tem um valor agregado para ele enquanto cultura construída […]. Só que a gente precisa que o público fale, que essa é a dimensão do engajamento que a gente procura. […] Sem esse público mobilizado a gente não consegue desenvolver a nossa proposta de atuação.” (F1)

“E aí, só que tipo assim, para falar, fazer o público falar, não é uma tarefa fácil, porque e aí eu falo não só pela minha experiência aqui do Museu, mas minha experiência em escola mesmo. Não adianta você chegar numa sala de aula e falar ‘o que vocês querem saber? As pessoas têm... elas têm medo do professor que sabe tudo e que vai te reprovar, elas têm medo dos colegas que vão debochar da pergunta dela.” (F3)

Por outro lado, alguns dos temas são sensíveis, como é o caso da sexualidade, não se sentindo o “público” à vontade para dialogar sobre eles:

“[…] Recebemos uma turma de adolescentes muito tímidos, muito envergonhados. […] Esse vídeo [sobre gestação], ele dá margem para muitas, muitas perguntas. Você pode conduzir mediação de várias formas, só que o público que ele [mediador] recebeu era um público muito envergonhado. Então, ele terminou o vídeo e perguntou: o que a pessoa tinha gostado mais, o que tinha gostado menos [...] E ninguém respondia, tava todo mundo envergonhado.” (F2)

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Quando é um “público” escolar que visita o museu, outras dificuldades emergem na comunicação. Essas dificuldades dizem respeito à postura do professor. Quando o professor não mostra entusiasmo com as exposições, restringe a possível comunicação que se possa estabelecer.

“Se o professor olha no microscópio e sai de lá com um sorriso enorme ou fala alguma coisa interessante, a turma inteira vai querer ver, entendeu? O professor […] ele é uma propaganda positiva super importante, mas se ele está ali como guarda, só dando briga, reclamando e tal, ele se estressa, ele não participa de nada, ele não se envolveu em nada, e algumas crianças... ‘o professor está ali, não se aproximou, não viu, pra que, que eu vou me aproximar?’ O professor acha que aquilo é chato, que é só obrigação, então o clima muda.” (F3)

Outras dificuldades dizem respeito ao comportamento dos alunos. Alunos demasiado agitados dificultam o trabalho do mediador.

“Outras dificuldades estão relacionadas ao perfil de turmas, tem turmas que são muito agitadas, que não se concentram, querem correr o tempo inteiro e você tem uma dificuldade de atrair a atenção e desenvolver o processo do jeito que nós gostaríamos entendeu?” (F1)

Uma outra razão mencionada relaciona-se com a dificuldade do mediador atuar num modelo dialógico, quando comparado com a atuação num modelo déficit. Este último modelo encontra-se enraizado nos mediadores devido, muitas vezes, ao seu percurso acadêmico:

“Isso não é muito fácil principalmente se a gente considerar em que modelo esses mediadores foram formados nas suas universidades, nas suas escolas, até inclusive nos modelos em que esses mediadores atuam profissionalmente em outros espaços. Muitos deles são professores que, enquanto professores, utilizam um modelo de ‘déficit’ o tempo inteiro. […] É muito mais fácil para eles pegar o material, pegar um conteúdo e ao receber o público falar: ‘Ah, isso aqui é assim...’, ‘Isso aqui serve para tal coisa’, isso aqui...’ [...]”. (F1)

“o nosso mediador hoje, ele é basicamente um estudante de Licenciatura, de bacharelado e ele acaba trazendo aqui para o Museu esse modelo de aula, que é o que vê na faculdade, que é esse modelo transmissor, todo mundo sentadinho ali, o professor lá no quadro falando 2 horas, então é o modelo com o qual ele está mais acostumado. Então, é assim, há uma grande tendência deles chegarem e fazer isso que eu estou falando. Começar a falar, começar a explicar tudo, e a gente vai aos poucos tentando quebrar um pouco esse processo para que ele se torne mais dialógico.” (F3).

Finalmente, a necessidade de promover o diálogo com visitantes muito diversificados, por exemplo, em termos geracionais, requer que se altere rapidamente no tempo, discurso de modo a torna-lo inteligível a quem se destina. Esta tarefa é exigente para o mediador:

“Também tem outra questão que eu acho que pode ser uma dificuldade para o mediador... como a gente atende 350 pessoas por hora de várias idades, às vezes pode fazer uma mediação ao mesmo tempo pra uma criança, um adolescente e um idoso. E aí é um trabalho triplicado, é uma adaptação de

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linguagem ainda maior que ele precisa fazer. Aí tem que ter paciência, calma, tem que falar de forma que os três possam entender, tem que estar aberto a perguntas, a todo tipo de pergunta.” (F2)

4.2.4. Formação de Mediadores do museu itinerante