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Foto 28 — Escravo de Jó

2 O DEBATE SOBRE CURRÍCULOS COM OS COTIDIANOS EM FONTES DA

2.2 OS CONTEXTOS

2.2.2 As Perspectivas Teóricas Sobre Currículos

Se não existe uma verdadeira e única definição de currículo que aglutine todas as ideias acerca da estruturação das actividades educativas, admitir- se-á que o currículo se define, essencialmente, pela sua complexidade e ambigüidade (PACHECO, 2005, p. 34).

Como Pacheco (2005) explicita, o conceito de currículo não tem um sentido unívoco, pois se situa na diversidade de funções, diante das perspectivas que se adaptam ao que vem a ser traduzido.

Neste tópico, a intenção é apresentar a variedade de perspectivas e de autores utilizados nas definições dos currículos produzidos com os cotidianos escolares. Em Ferraço (1997, 1999, 2000), Kretli (2007), Nascimento (2006) e Neira (2008), textos da Educação, foram identificadas sustentações teóricas evidentes em suas proposições curriculares.

Pacheco (2005, p. 82) nos indica que, nos estudos curriculares, existem diferentes, embora também coincidentes, classificações de definições curriculares:

[...] que não são mais do que tentativas de abordagem das concepções de currículo através das quais se diferenciam formas distintas de relacionar a teoria com a prática e a escola com a sociedade. Por isso, existem vários ângulos de abordagem do campo definidor das teorias curriculares que o tornam ainda mais complexo, sobretudo quando não se pode falar de um consenso acerca da definição de currículo. Também nem todos os autores utilizam a palavra teoria, devendo os seus contributos conceptuais ser encontrados em designações como orientação, ideologia, concepção, processo de legitimação e modelo de conhecimento.

É nessa diversidade que os currículos são estudados, em um quadro complexo de contínua discussão. Segundo Sacristán (2000, p. 37), as teorias curriculares desempenham várias funções:

[...] são modelos que selecionam temas e perspectivas; costumam influir nos formatos que o currículo adota antes de ser consumido e interpretado pelos professores, tendo assim um valor formativo profissional para eles; determinam o sentido da profissionalidade do professorado ao ressaltar certas funções; finalmente, oferecem uma cobertura de racionalidade às práticas escolares. As teorias curriculares se convertem em mediadores ou em expressões da mediação entre o pensamento e a ação em educação. Assim como já foi dito inicialmente, o potencial dos estudos curriculares, voltado para os cotidianos da escola, remete-se aos processos de diferenciação dos discursos apresentados pelos autores e não às tentativas de gerar tendências representativas. Nesse sentido, a lógica centra-se na possibilidade de diversos focos de discussão que despontam a respeito da temática.

O entendimento desses aspectos singulares e diversos das situações reais da vida cotidiana requer outros tipos de procedimentos de pesquisa. [...] queremos defender a idéia de que metodologias de pesquisa que permitam uma forma diferente de se organizar e estudar as informações oriundas da realidade cotidiana seriam melhor adequadas ao entendimento das situações reais, em suas especificidades e traços característicos, em sua complexidade, em seus elementos singulares histórica, cultural e socialmente construídos. [...] os modos de pensar e de escrever essa metodologia fazem emergir, quase que acidentalmente, as práticas pedagógicas desenvolvidas cotidianamente [...]. Ao trabalharmos nessa perspectiva, assumimos a realidade estudada em sua totalidade complexa (MORIN, 1995), relevando seu caráter multifacetado, abdicando de procedimentos dicotomizadores e redutores de sua riqueza, com seus ônus e bônus [...]. Pesquisando os cotidianos, nos cotidianos, aprendemos com os nossos parceiros de pesquisa, incorporamos às nossas ‘variáveis’ elementos da vida de todos que, se não servem para a construção de um modelo explicativo das ações pedagógicas empreendidas por eles, nos ajudam a ingressar na rede de valores, crenças e conhecimentos que nelas interferem (OLIVEIRA, 2008, p. 50-51).

Com isso, a partir dos textos analisados, faremos o esforço de apresentar seus pontos de aproximação teórica.

Ferraço (1997, 1999, 2000), ao discutir seus pressupostos teórico- metodológicos acerca da ideia de currículos realizados, aproxima-se de termos25

como: cotidiano; redes, teias e rizomas; autopoiese; complexidade; “auto-

organização”; acaso; caos; significados e representações; e currículo real. O autor

define que os currículos realizados são produzidos a partir da análise de fragmentos das ações, sentimentos, valores, personagens, preferências, assim como das artimanhas e táticas de reapropriação das relações espaçostemporais produzidas e compartilhadas pelos sujeitos ativos.

Kretli (2007) fundamenta sua ideia de currículos praticados a partir de Ferraço (2004b), relacionando-a não com as prescrições escritas presentes nas escolas, mas com o uso que os(as) professores(as) e alunos(as) fazem das propostas curriculares, dos livros didáticos e dos demais artefatos que circulam no espaço escolar.

Nascimento (2006) define o currículo por meio, exclusivamente, de Sacristán (2000); um currículo com projeção direta sobre a prática pedagógica, convertendo- se em configurador de diferentes práticas e que pode ser também denominado “prática pedagógica na escola”. A autora confirma, a partir de Sacristán (2000), que a ação pedagógica no cotidiano escolar é a expressão de um currículo que se torna, por sua vez, o responsável pelo significado real da prática. Assim, torna-se evidente um currículo que se expressa em comportamentos práticos diversos, revelando a função social que cumpre.

Já Neira (2008) entende o currículo como vivido, como produtor de significados bem mais amplos do que aqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. A partir de Silva (2002), define o currículo como lugar, espaço, território; como relação de poder; trajetória, viagem, percurso, compreendendo que no currículo se forjam identidades.

Outros estudos apresentam aproximações a outras distintas propostas de currículos. Nogueira (2004), por exemplo, utiliza os conceitos de classificação e

25 Ferraço (2000) se apropria desses termos trazendo, respectivamente, os autores: Certeau (1996,

1997); Both (1976), Capra (1997), Deleuze e Guattari (1995), Guattari (1987), Lévy (1993), Najmanovich, (1995); Maturana (1998), Maturana e Varela ([19--?); Morin (1990), Lewin (1994); Balandier (1997), Prigogine (1996), Prigogine e Stengers (1997); Noel (1993), Ruelle (1993); Bergé (1996), Berman (1986); Berger e Luckmann (1996), Guareschi e Jovchelovitch (1999).

enquadramento desenvolvidos por Basil Bernstein, no texto A estruturação do

discurso pedagógico: classe, códigos e controle, para a compreensão do espaço da

concretização curricular e da apropriação dos conhecimentos pelos sujeitos educacionais.

Brasileiro (2001), da área da Educação Física, adentra na discussão de currículo reconhecendo seu percurso histórico, mas concentra-se no período denominado de reconceitualização, no qual as discussões saem da visão restrita de ensino, aprendizagem, avaliação, para a ampliação acerca de ideologia, cultura, poder, resistência e emancipação.

Günther, Sanchotene e Molina (2005), também da área Educação Física, apresentam um currículo organizado por ciclos ligado a um projeto mais amplo denominado Escola Cidadã, associado ao Congresso Constituinte Escolar e implantado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Também buscam a compreensão do currículo pelas representações construídas pelos professores nas práticas pedagógicas da Educação Física.

Ao percorrer os textos analisados, assim como as referências e os fundamentos teóricos e metodológicos, observamos que também os objetivos, temas e modos de abordagem não são os mesmos. Porém, isso não deve nos levar à conclusão de que os textos do campo curricular não tenham uma organicidade, pois ela está ligada ao fato de que, na multiplicidade, há uma referência comum, que é o aspecto cotidiano e os seus praticantes como fonte dos conhecimentos. Ferraço (2008b, p.114) destaca a necessidade de buscar “novos” autores, na tentativa de romper com as referências da ciência moderna:

Estes autores nos colocam diante da possibilidade de pensar de modo diferente não só a educação, mas nossa própria concepção de homem, sociedade e conhecimento. Suas idéias nos levam a desancorar do compartimentalizado, mecânico e linear, nos jogando numa dinâmica transitória de possibilidades diversas, em permanente estado de aprendizagens, desaprendizagens e reaprendizagens. Elas nos apresentam novas linguagens e metáforas, na busca por melhor compreender e intervir na realidade, ao mesmo tempo que descobrimos quem somos e o que pretendemos.

Nesse sentido, os textos analisadas narram os sujeitos praticantes e as aprendizagens proporcionadas, explicitados na troca do pesquisar, com os diferentes cotidianos, em diferentes escolas, em diferentes espaçostempos educativos. Assim, à multiplicidade, que se faz presente no aspecto cotidiano não

cabe em um único referencial, em uma única teoria, em uma única verdade e nem em uma única prática metodológica. Esse aspecto traz à cena do debate não a condição objetiva de explicação dos fatos a partir de categorias prévias de análise, mas a necessidade de pensá-las, assim como os cotidianos, a partir de outras possibilidades. Azevedo (2008, p. 67), justificando esse ideal, esclarece:

Se houvesse uma só forma de se pensar o mundo, de explicá-lo, de torná-lo significativo, este texto não só poderia estar sendo escrito, por correr o risco da redundância, como também não teriam sentido os debates entre cientistas e entre filósofos, entre estes e aqueles, entre estes, aqueles e o chamado homem comum sobre suas concepções a respeito do mesmo objeto — os seres humanos no mundo.

Aceitar a multiplicidade e pluralidade, segundo Ferraço, Perez e Oliveira (2008), é retomar a condição de não permitir conclusões e fechamentos, assim como uma certeza metodológica ou epistemológica, visto que se acredita, justamente, no plural, no múltiplo, no dinâmico, no permanentemente móvel e não aprisionável, seja da vida cotidiana de todo praticante, seja da produção acadêmica.

Logo, as práticas dos pesquisadores de currículo com os cotidianos mostraram aproximação com as discussões que consideram a necessidade de a pesquisa em Educação, de modo geral, superar a ideia de uma possível condição objetiva de explicação dos fatos, a partir da adoção de estruturas prévias de análise, e reforçar a necessidade de se estudar os cotidianos e as pesquisas (neles envolvidas) a partir dos próprios movimentos que se realizam.

Como é uma temática em ascensão, consideramos que a quantidade de textos encontrada é condizente, para o momento, com a delimitação de como vem sendo constituído o campo de discussão. Talvez a variedade de conceitos e de autores identificados seja resultante do modo como a própria área de currículo é compreendida e investigada. Os indícios mostram que as pesquisas curriculares

com o cotidiano têm se mostrado mais promissoras na medida em que seus limites

vão sendo assumidos não como obstáculos, mas como condições circunstanciais à realização das próprias pesquisas.

Investigar o já produzido parece ser um dos fatores para avanços qualitativos que qualquer área acadêmica pretenda. Desse movimento emergem potencialidades da produção científica que auxiliam na compreensão da temática de estudo. Assim, acreditamos que reunir e sistematizar os trabalhos, a partir dos periódicos e anais

referenciados, pode oferecer um repertório de informações e conhecimentos, assim como pode suscitar necessidades sobre o aspecto científico do que já foi produzido sobre a temática estudada.

Voltar o olhar para o que acontece no interior da escola é um desafio para os estudiosos, pois pressupõe um estranhamento do que, de fato, lá ocorre. Da mesma forma que é importante dar ênfase às discussões e divulgar as práticas geradas no cotidiano escolar, também é preciso que as escolas se contaminem com as histórias e experiências educativas que são tecidas diariamente no seu interior.

CAPÍTULO III

3 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS COM O COTIDIANO DA