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AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE ÁLGEBRA PARA CEGOS

3 COMPREENSÕES SOBRE A ÁLGEBRA E SEU ENSINO

3.3 AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE ÁLGEBRA PARA CEGOS

Para situar esta pesquisa na área acadêmica foi realizado um levantamento bibliográfico para reconhecer as pesquisas existentes sobre a temática desta dissertação. Foram realizadas buscas no período de junho a julho de 2018 em revistas da área de educação matemática classificadas pela Capes com Qualis A1, A2 ou B1 (totalizando dezoito revistas) (Apêndice A). Utilizando as palavras-chaves: deficiente visual; cego; álgebra, obteve-se como resultado ao todo 39 artigos, destes, 11 não apresentaram relação alguma com as

chaves pesquisadas, 27 eram relacionados apenas com as palavras-chave ‘deficiente visual’ e ‘cego’, e apenas um artigo relacionava ‘deficiente visual’ e ‘álgebra’.

Este último, intitulado “Formação de conceitos em Geometria e Álgebra por estudante deficiente visual” (MAMCASZ-VIGINHESKI, et al., 2017), traz como objetivo buscar alternativas para desenvolver conceitos matemáticos em uma estudante cega total. A pesquisa em questão foi fundamentada a partir da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky e as intervenções pedagógicas foram desenvolvidas de modo que a estudante elaborasse conceitos de Geometria e Álgebra relacionados à classificação de figuras geométricas e o cálculo de áreas. Em relação ao conteúdo ‘área’, a estudante pesquisada foi capaz de elaborar o conceito de área pelo método da generalização, representando por a x b, e ainda, com o auxílio de placas retangulares e quadrangulares não graduadas chegou ao conceito de produto e soma de dois termos.

Para Mamcasz-Viginheski et al. (2017), os “estudantes com deficiência frequentando séries do ensino regular podem apresentar desempenho acadêmico suficiente” (MAMCASZ-VIGINHESKI, et al., 2017, p. 868), entretanto, os conteúdos abordados precisam de “adaptações didático-metodológicas que minimizem ou eliminem as dificuldades que possam vir a surgir” ( MAMCASZ-VIGINHESKI, et al., 2017, p. 868). Ainda de acordo com as autoras, grande parte dos estudantes não elaboram o conceito, pois “o recebe pronto, contribuindo para o aumento da descrença na matemática, o fracasso e o desinteresse” (p. 868). Como uma das conclusões da pesquisa, as autoras destacam a importância da geometria como elo entre a aritmética e a álgebra na compreensão dos conceitos estudados.

Após a pesquisa realizada em revistas, buscou-se por artigos e dissertações, que trouxessem como palavras-chave ‘ensino de álgebra’, ‘cego’ e ‘deficiente visual’, na plataforma Google Scholar. Esta segunda busca se realizou em julho de 2019. Dentre os principais resultados, quatro textos apresentaram relação com os termos da busca, destes, um refere-se à função derivada, conteúdo do ensino superior.

O artigo sob título: ‘A abordagem histórico cultural em sala de aula inclusiva de matemática: o processo de apropriação do conceito da função

derivada por um estudante cego’ (GONÇALVES, 2015) tem como objetivo geral “observar, descrever e compreender como um estudante cego passa a usar a linguagem, signos, gestos e ainda como se apropria dos conceitos próprios do cálculo, em particular, o de funções derivadas” (GONÇALVES, 2015, p. 1). A pesquisa foi realizada em uma turma de licenciatura em matemática e contou com os recursos de leitor de tela, editor de texto, multiplano e outros tipos de materiais concretos conforme houve a necessidade de adaptações. Ao final constatou-se que o sujeito pesquisado passou a representar gráficos e utilizar termos e rótulos próprios do conteúdo estudado, assim, verificou-se a hipótese inicial do autor sobre a importância do uso de materiais manipuláveis no processo de ensino aprendizagem de matemática por estudantes deficientes visuais. Segundo o autor “os resultados desta pesquisa apontam o potencial que o uso de materiais manipuláveis possui no desenvolvimento das funções superiores” (GONÇALVES, 2015, p. 1). O autor também ressalta a importância da construção pelo estudante, “[...] não é a instrução, mas assistência que permite ao aprendiz atuar no limite do seu potencial” (GONÇALVES, 2015, p. 14).

As demais pesquisas encontradas na plataforma Google Scholar referem-se ao ensino de sistemas de equações lineares, função polinomial do 1º grau e produtos notáveis. A seguir cada uma delas será apresentada detalhadamente.

O artigo intitulado ‘Resolução de sistemas de equações lineares por um sujeito cego: um experimento com foco na exploração dos registros de representação semiótica’ de Martins e Bianchini (2019) traz como objetivo principal compreender de que forma o estudante cego interage com as representações matemáticas, mais especificamente as que envolvem equações lineares. A pesquisa é orientada pela pergunta: ‘quais registros de representação semiótica são utilizados por um sujeito cego ao resolver problemas envolvendo sistemas de equações lineares?’ O foco na análise dos dados está nos registros obtidos. A pesquisa orienta-se pela Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval (MARTINS; BIANCHINI, 2019). Segundo essa teoria, a semiótica é a ciência que abrange todas as linguagens. Em relação à matemática, os registros semióticos são: língua materna, gráficos, linguagem

algébrica e tabular. Segundo Duval, para que ocorra o aprendizado de conceitos é necessário o acesso aos objetos matemáticos que se dão por meio de diversas representações (DUVAL16 apud MARTINS; BIANCHINI, 2019). Como resultados da pesquisa Martins e Bianchini (2019) destacaram que nos dois problemas apresentados ao estudante, originalmente em língua materna, houve a conversão para a linguagem tabular (no primeiro), tendo sua resolução ocorrida por meio de tentativa e erro, e a conversão para a linguagem algébrica (no segundo), tendo a resolução ocorrida por meio da resolução de sistema de modo algébrico, pelo método da substituição.

O artigo intitulado ‘O estudo da função polinomial do 1º grau: diferenças entre ver e ouvir um objeto de aprendizagem na inclusão de sujeitos com deficiência visual em sala de aula’ de Lopes, Passerino e Rodrigues (2009), tem o objetivo de apresentar como o deficiente visual interage com a acessibilidade de um objeto de aprendizagem (OA) em duas versões (flash e HTML), deste modo, a pesquisa consistiu na adaptação de objetos de aprendizagem de matemática para o ensino de função polinomial do 1º grau, de modo que se tornassem acessíveis à utilização de deficientes visuais. Os sujeitos pesquisados eram estudantes do Ensino Médio e o conteúdo do OA foi inicialmente considerado pelos pesquisadores como uma revisão, considerando que o mesmo está presente no currículo do Ensino Fundamental. Como conclusão, o OA apresentou-se insuficiente para a compreensão dos estudantes, uma vez que foi necessário recorrer a materiais concretos que auxiliassem a representação de gráficos, assim evidenciando as dificuldades de adaptação de objetos de aprendizagem quando estes necessitam de representação visual. Além disso, percebeu-se certa dificuldade dos estudantes no acompanhamento das atividades desenvolvidas em sala de aula regular, mesmo que os deficientes visuais participantes estivessem contando com o auxílio de um monitor. A tais sujeitos não foi possível manter o mesmo ritmo dos demais estudantes.

Por fim, a pesquisa de Mamcasz-Viginheski (2013) apresentada como dissertação e intitulada ‘Uma abordagem para o ensino de produtos notáveis em

16 DUVAL, R. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. Aprendizagem em Matemática: Registros de representação semiótica. Campinas: Papirus, 2003.

uma classe inclusiva: o caso de uma aluna com deficiência visual’ traz como objetivo o desenvolvimento de procedimentos didático-metodológicos, que possibilitem aos deficientes visuais inclusos e aos demais estudantes do ensino regular a apropriação de conhecimentos matemáticos, mais especificamente, daqueles associados aos produtos notáveis (MAMCASZ-VIGINHESKI, 2013, p. 19) e levanta como hipótese o fato de que o professor que busca outros recursos e materiais, além dos disponíveis para o ensino de estudantes deficientes visuais, oferece uma maior contribuição para a apropriação de conhecimentos matemáticos por eles. Assim, a pesquisa foi realizada em uma turma de 8º ano do ensino regular tendo uma estudante deficiente visual incluída. As intervenções tinham por objetivo o desenvolvimento de conceitos relacionados à classificação de formas geométricas, potência, perímetro, área, volume e produtos notáveis, tais intervenções desenvolveram-se por intermédio de jogos, atividades dinâmicas e utilização de materiais concretos prontos e também confeccionados pelos próprios sujeitos participantes da pesquisa. Inicialmente as atividades deram ênfase na álgebra geométrica, posteriormente na álgebra retórica e por fim na álgebra simbólica. Como conclusão, constatou-se um elevado aumento na compreensão de tais conceitos quando comparado às questões de avaliação aplicadas no início e término da pesquisa.

Assim é perceptível que a maioria das pesquisas atuais que relacionam o ensino de álgebra e estudantes deficientes visuais, privilegiam a utilização de objetos concretos e outros materiais adaptados às necessidades específicas destes estudantes, o que nos sugere que este seja um caminho a se seguir na intenção de favorecer o desenvolvimento de conceitos algébricos a fim de se cumprir o objetivo de ensino de estudantes deficientes visuais.

Apesar de encontradas importantes pesquisas nesta área, um fato ressaltado pelos autores aqui citados refere-se à escassez de pesquisas desenvolvidas e publicadas no campo da álgebra e voltadas ao ensino de deficientes visuais. Tais pesquisas trazem grande contribuição para o ensino destes estudantes considerando que, um passo anterior, e importante, à elaboração de planos de aula pelo professor, é compreender e/ou analisar o modo como são formados os conceitos algébricos pelo deficiente visual. Esta compreensão possibilita avanços em relação aos atos metodológicos do

professor em relação à organização do ensino de conteúdos algébricos, não apenas tratando-se de deficientes visuais, mas também de estudantes videntes.

É neste contexto de investigações e resultados que esta pesquisa se propõe a analisar o desenvolvimento de conceitos algébricos por estudantes deficientes visuais.

Portanto, nesta pesquisa serão considerados os conceitos iniciais de álgebra, como a relação entre duas grandezas e o emprego da variável (como incógnita, variável, para expressar generalização e na representação de relações), buscando compreender por quais vias estes conceitos se desenvolvem nos estudantes deficientes visuais pesquisados.

4 METODOLOGIA

Para analisar o desenvolvimento de conceitos algébricos do estudante deficiente visual, objetivo desta pesquisa, é que se faz necessário o cumprimento de alguns passos metodológicos.

Neste capítulo é apresentado o ambiente e os participantes da pesquisa, bem como os procedimentos elaborados para a intervenção realizada com os estudantes pesquisados. Por fim, serão apresentados os procedimentos de análise, com base em alguns elementos da análise microgenética.

A intervenção foi concretizada em três a quatro sessões, todas individuais com cada um dos estudantes participantes, sendo a primeira de caráter diagnóstico, em formato de conversa informal, a fim de compreender os conceitos algébricos já apropriados pelos sujeitos pesquisados e assim encaminhar mais adequadamente os encontros seguintes. Todos os elementos resultantes do levantamento bibliográfico foram considerados no momento de realização dos encontros individuais.