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As políticas de leitura advindas dos direitos sociais

As decisões do Estado sobre as questões relacionadas à leitura pautam-se nas conquistas da sociedade, estas tecidas em meio a reivindicações, principalmente as ligadas ao direito social de educação pública, laica e gratuita. Assim, na medida em que os direitos foram estabelecidos no país por meio de decisões que fortaleceram “a liberdade pessoal, de pensamento, de religião e liberdade econômica” (Bobbio,2007: 354) a população gradativamente seguiu em busca pelos direitos políticos e sociais. Desta forma, as conquistas relacionadas ao direito de acessibilidade à leitura foram precedidas pelas conquistas dos direitos civis e políticos. Contudo, em meio ao estabelecimento destes direitos, as práticas de leitura tornaram-se veículos de argumentação e convencimento para uma parcela da população que tinha acesso aos jornais e outros materiais de leitura. Segundo Neves,

Nos momentos de crise e de convulsão política, todo meio de expressão escrita é utilizado tanto como veículo peculiar de comunicação, quanto como poderosa arma de combate. Nessas conjunturas, uma rica literatura de argumentação, opinião e polêmica possibilita o surgimento e a multiplicação não só de periódicos, como também de folhetos, panfletos, anedotas, páginas de pequenas histórias e folhas volantes, gerando um clima febril em todos os locais onde circulam e permitindo maior agilidade na divulgação das ideias.

(NEVES, 2008: 83).

Neves analisou jornais que circulavam no Brasil oitocentistas e percebeu que tornaram-se veículos de convencimento da população sobre as decisões relacionadas ao estabelecimento dos direitos civis e políticos no país. A autora indica que por meio da leitura houve a possibilidade de discussões sobre questões relacionadas às conquistas da população e resistências do Estado português em conceder os direitos civis e políticos.

A fim de compreender o percurso do país em busca do direito de acessibilidade à leitura, torna-se necessário refletir sobre a definição teórica sobre os direitos civis, políticos e sociais para a compreensão sobre o percurso da cada país na formulação de políticas que atendam a população. Segundo Bobbio, os direitos se constituem da seguinte forma:

Os direitos civis obrigam o Estado a uma atitude de não impedimento, a uma abstenção. Os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado. Os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo),

maturados pelas novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza. (BOBBIO, 2007: 354)

Assim, com a redemocratização do país e a proclamação da Constituição Federal de 1988, fortaleceram-se os direitos conquistados historicamente, dentre esses, o direito social de acessibilidade aos bens culturais e artísticos, ao incluir os “direitos sociais dentro do conjunto de direitos e garantias fundamentais [...] assim, abre-se a possibilidade legal de transformação do Estado Brasileiro” ( MONDAINI, 2009: 109). A construção da cidadania desde então, deu-se, por meio do direito de igualdade, inclusive no acesso a cultura construída pela humanidade. Em seus estudos Silva( 2006: 6) refere-se a este contexto, “a nossa expectativa [era] de que, nos tempos dos governos democraticamente eleitos, as práticas de leitura da palavra se intensificariam de maneira tal que fizesse o país caminhar no rumo do conhecimento e da cidadania”.Torna-se necessário refletir se o direito à cultura e ao saber assegurados na Declaração dos Direitos Humanos(1948) e na Constituição Federal de 1988 coadunaram para assegurar o direito democrático ao livro aos alunos das escolas públicas?

Os direitos relacionados ao acesso dos bens culturais foram estabelecidos na Declaração dos Direitos Humanos (1948), da qual o Brasil foi signatário. O artigo XXVII assegurou que “todo ser humano tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”. Piovesan (2009) afirmou a respeito da Declaração dos Direitos Humanos que ela,

Introduz a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, com a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque as garantias dos direitos civis e políticos é condição para observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice- versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim, uma unidade indivisível, interdependente e interrelacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. Consagra-se, desse modo, a visão integral dos direitos humanos. ( PIOVESAN, 2009: 13)

Assim, a Constituição Federal de 1988, pautada pelos valores dos direitos humanos, assegurou no artigo 215 que, “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” e que as ações do poder público conduziriam a “democratização do acesso aos bens culturais”, de acordo com o § 3º e inciso IV.

O direito de acesso aos bens culturais após 1988, foi compreendido como direito e exigiu dos governos ações facilitadoras do acesso ao livro para os alunos da escola pública, a fim de contribuir para a formação do cidadão crítico capaz de desenvolver “o pleno

domínio da leitura”, como expresso no artigo 32, da LDBEN 9394/96. O ano de 1992 tornou- se um marco para as políticas de leitura do governo federal, pois institui-se o Proler (Programa Nacional de Incentivo a Leitura), considerado o primeiro programa de leitura, vinculado a Fundação da Biblioteca Nacional e o MinC (PSZCZOL, 2008: 14). Em 1997 o MEC criou o Programa Nacional da Biblioteca da Escola, (PNBE) com a finalidade de prover as escolas com acervos de livros de literatura para alunos da educação básica.

O PNBE estabeleceu-se como uma ação da política de leitura para escola básica e percebe-se, por meio de estudos, que sua trajetória nas escolas públicas contem diferenças na fase de implementação dependendo das realidades históricas e sociais de cada comunidade.

Algumas conquistas foram alcançadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da LDBEN de 1996, ao prescrever o acesso aos bens culturais como direito do cidadão, o que tem impulsionado o poder público a prover meios de democratização do acesso ao livro. Desta forma, a escola tornou-se uma das instituições com atribuições de prover o pleno desenvolvimento da leitura e da escrita e por isso, estabelece espaços e estratégias que oportunizem o acesso democrático ao livro. O programa Literatura em minha casa foi concebido, como uma ação do PNBE, para fomentar o acesso democrático ao livro nas escolas públicas. Este é o proposto deste estudo.

1.5 Aproximações acerca das políticas de leitura: democratização do livro