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Pressupostos metodológicos e procedimentos

6.1 Reflexões sobre conceitos e métodos da pesquisa em educação

O governo federal, por meio da escola pública, da biblioteca escolar e do programa Literatura em minha casa, anunciou o valor público de democratização do acesso ao livro, porém as primeiras aproximações com a realidade indicam que a democratização do saber não se instituiu de forma linear, e sim de forma complexa, descontínua e contraditória.

Para compreender a gestão do Programa Literatura em Minha Casa, buscam-se as contradições que perpassaram as fases de implementação em duas escolas públicas do Distrito Federal, pois a dialética “é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação” (KONDER, 2007:8). Desta forma, o estudo pretende, por meio de aproximações metodológicas com a realidade da gestão das duas escolas, almeja perceber como a instituição escolar atuou durante a implementação do programa Literatura em minha casa.

A compreensão sobre as políticas de leitura constitui-se em um desafio, pois tais ações inserem-se em contextos maiores como as políticas educacionais e o movimento de democratização nas escolas públicas, após a promulgação da Constituição de 1988. Desta forma, estudar as políticas de leitura exige esforço para compreender as lutas históricas para acesso a educação escolar, bem como a trajetória de democratização da escola e dos espaços nela existentes. Tais ações serão compreendidas como, “um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo [...] da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade”( KOSIK, 2002: 43).

Desta forma, o arcabouço teórico prioriza a análise das políticas de leitura em ambiente escolar e a democratização do acesso ao livro por meio da gestão do Programa Literatura em Minha Casa, nas escolas públicas do Distrito Federal.

Segundo Konder (2007:37), “a realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. Há sempre algo que escapa as nossas sínteses”, por isso, a pesquisa pode ser compreendida como uma atividade humana que se esforça em construir conhecimento sobre realidades imersas em contextos históricos e sociais.

A ciência é a investigação metódica, organizada da realidade, para descobrir a essência dos seres e dos fenômenos e as leis que os regem com o fim de aproveitar a propriedade das coisas e dos processos naturais em benefício do homem. ( VIEIRA PINTO, 1979: 30)

A ciência pode ser considerada como uma atividade humana e por isso histórica, que pode contribuir para construção teórica sobre a realidade, e, a partir dessa construção teórica, parte da humanidade que detém o conhecimento “torna-se capaz de fazer o mundo ser dela. Em vez de permanecer como um ser que apenas é do mundo, transforma-se em um ser capaz de fazer o mundo ser dele.” ( VIEIRA PINTO, 1979: 23)

Os estudos sobre as questões de democratização e acessibilidade à leitura em ambientes escolares movimentam um número considerável de sujeitos que se estabelecem por meio de relações de poder, seja esta, baseadas no saber ou na posição hierárquica que ocupa na escola, ou na instituição. Tais sujeitos estão inseridos em práticas cotidianas complexas e contraditórias. O arcabouço legal expressa objetivamente as finalidades da educação, porém as ações empreendidas desvelam pressupostos não explícitos das leis. A

fim de analisar a relação contraditória entre a expressão objetiva da lei e a realidade concreta, o estudo privilegia o materialismo histórico como filosofia de interpretação e aproximação com a realidade de duas escolas públicas da cidade de Brasília.

A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada acima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação com as partes. ( KOSIK, 2002: 50)

Uma das categorias utilizadas para apreender o objeto será a contradição. Por meio de leituras, análise documental, entrevista semiestruturadas e aproximações com o objeto utilizar-se-á a compreensão da contradição como “origem do movimento e do desenvolvimento” (TRIVIÑOS, 2008:54). Nestes termos, “se a realidade do movimento é dialética e dinâmica, a representação desse movimento deve ser dinâmica, para não petrificar, no campo da representação, aquilo que é dinâmico no real”(CURY, 2000:22).

Pode-se considerar que as políticas de leitura para educação básica constituem parte do todo na compreensão do programa Literatura em minha casa. Desta forma, a necessidade material dos cidadãos por espaços e acesso à leitura , o direito à educação, à cultura, aos bens culturais e o entendimento do aluno como sujeito de direito podem ser considerados elementos e partes do todo. As partes do todo relacionam-se e modificam-se entre si e o todo modifica-se constantemente, agindo sobre as partes, modificando-as e reconstituindo-as. Este estudo trata da implementação do programa Literatura em minha casa na realidade do Distrito Federal e utiliza o conhecimento científico produzido sobre Análise de Políticas Públicas20

6.2 Sujeitos entrevistados na pesquisa

(APP) para compreender os problemas concretos da gestão programa federal Literatura em minha casa, privilegiando a fase de implementação.

Um dos critérios de escolha das escolas públicas foi o fato de ambas terem bibliotecas escolares. Nelas realizaram-se entrevistas com os gestores e professores que à época (2001 a 2004) lecionavam na quarta série (quinto ano). As entrevistas com estes sujeitos tornam-se importante, pois desvelaram a concepção sobre democratização e acessibilidade ao livro, o conhecimento deles sobre o programa Literatura em minha casa e como os livros foram acondicionados na biblioteca ao invés de serem distribuídos entre os alunos do quinto ano do ensino fundamental.

20 A APP pode ser considerada como um conjunto de conhecimentos proporcionados por diversas disciplinas das ciências humanas utilizados para resolver ou analisar problemas concretos em política (policy) pública. Segundo Dagnino (2002) “[...] uma definição correntemente aceita sugere que a APP tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política (policy makeres) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego da criatividade, imaginação e habilidade” (DAGNINO, 2002: )

O quadro III indica os sujeitos que participaram da investigação sobre a gestão do programa Literatura em minha casa, com o intuito de identificar a concepção de democratização escolar e democratização do saber, e o direito de acesso ao livro que os gestores vivenciaram.

Quadro III- Sujeitos entrevistados na pesquisa Sujeitos

entrevistados 2001-2004 Diretor Gestor da biblioteca 2001-2004 Professor da 4ª série 2001-2004

Escola A Gestor (2009) Gestora que trabalhou entre

2001 e 2004. Professora que trabalhou entre 2001 e 2004.

Identificação A1 A2 A3

Escola B Diretora que

trabalhou entre 2001 e 2004

Gestora da biblioteca no

período de 2001 a 2004. Professora que trabalhou na escola entre 2001 e 2004.

Identificação B1 B2 B3

Total 2 2 4

6.3 Instituições, documentos e instrumentos

O trabalho sobre a gestão escolar na implementação do programa Literatura em minha casa compreende o percurso metodológico como uma tentativa de aproximação da realidade e o percebe como o objeto em constante movimento, portanto sujeito a modificações e adequações. As instituições e documentos escolhidos estão relacionados no quadro IV. Uma parte dessa aproximação com o objeto far-se-á por meio de análise documental. Outra parte utilizou-se de instrumentos escolhidos para auxiliar a aproximação da pesquisadora com o objeto:

1.Entrevistas semi-estruturadas com os gestores e professores que tiveram participação no programa;

2. Roteiro de entrevistas direcionados aos gestores e professores.

Quadro IV: Instituições e documentos

Quadro V: Roteiro de Entrevista elaborado para os gestores e professores

Local Documentos

Secretaria do Ensino

Fundamental/SEB – MEC 1.Programa Literatura em minha casa 2. Avaliações do programa- MEC 2005 3. Estudos e avaliações do TCU Fundo Nacional Desenvolvimento

da Educação- FNDE

1. Relatórios de atividades anuais do FNDE – período de 2001 a 2004

Escolas públicas da Asa Norte- Distrito Federal

1.Projeto Político Pedagógico 2.Regulamento da Biblioteca 3.Livro de registro da biblioteca da integração de acervo ( 2001-2004)

4. Protocolo de recebimentos de materiais

PARA OS GESTORES OBJETIVOS ESPECÍFICOS PERGUNTAS Analisar a fase de implementação do

programa Literatura em minha casa, sob a perspectiva da gestão das escolas públicas.

1) Comente como a escola procedeu à entrega dos livros do programa Literatura em minha casa aos estudantes. Que atividades foram desenvolvidas com os livros na escola?

2) Como a escola assegurou a acessibilidade dos alunos aos livros?

3)Como o Programa Literatura em minha casa propiciou a democratização dos livros na realidade da escola? Captar a concepção do gestor sobre o

direito aos livros durante a formação dos estudantes.

4) Como,na sua percepção, o acesso ao livro contribui na formação dos estudantes?

-Identificar, a concepção do gestor escolar sobre a democratização do acesso ao livro, realizado por meio do programa Literatura em minha casa. -Desvelar, sob o ponto de vista do gestor escolar, os elementos

limitadores e facilitadores que podem atuar no âmbito da gestão escolar.

5) Com base na experiência da escola, como a biblioteca escola funciona e democratiza o livro?

6)Como o regulamento da Biblioteca escolar articula-se com o Projeto Político Pedagógico?

7) De que forma a comunidade escolar contribui para as ações da biblioteca escolar?

8) Na condição de gestor, como compreende a formação de hábitos de leitura na escola?

PARA OS PROFESSORES Perceber o conhecimento do professor

sobre o programa de leitura. 1)Qual sua opinião sobre um programa que entrega livros aos alunos? 2)Os alunos da escola foram atendidos pelo programa

Literatura em minha casa, entre os anos de 2001-

2004?Como foi o trabalho? Que atividades foram desenvolvidas?

Captar a concepção do professor sobre a participação da comunidade escolar- gestão escolar democrática.

3)Como a escola atua na formação do hábito da leitura? 4) Como o acesso material ao livro auxilia o aluno na construção da leitura?

Analisar a concepção do professor

sobre a democratização do saber. 5) Na sua opinião,como a comunidade participa do espaço da biblioteca escolar? 6)Que condições a escola oferece ao aluno para construir hábitos de leitura?

Fonte: Elaborado pela autora após leituras e inserções no campo empírico

Segundo Bortoni-Ricardo (2008), “na pesquisa qualitativa, não se levantam hipóteses como na pesquisa quantitativa, mas é aconselhável elaborar asserções que correspondam aos objetivos” (BORTONI-RICARDO, 2008: p. 53). Assim, após levantamento bibliográfico, estudos de obras acadêmicas sobre políticas de leitura e reflexões sobre a experiência como coordenadora pedagógica na fase de implantação do programa Literatura em minha casa em uma escola pública em Fernando de Noronha, elegi as seguintes asserções para cada objetivo da pesquisa.

Quadro VI: Quadro de objetivos específicos e asserções

Objetivos Asserções

1.Analisar, na perspectiva histórica as ações e intenções sobre a leitura fomentadas pelo Estado brasileiro;

O movimento de ações e intenções promovidas pelo Estado brasileiro dificultaram a acessibilidade aos livros para os filhos dos trabalhadores.

2.Relacionar o direito de acesso democrático ao livro, dos estudantes das escolas públicas brasileiras com o direito à cultura e ao saber assegurados no artigo XXVII da Declaração dos Direitos Humanos e no artigo 215, § 3 e 4, da Constituição Federal de 1988.

Após a Declaração dos Direitos Humanos e a promulgação da Constituição Federal as discussões sobre direito à cultura foram fortalecidas, porém a realidade das escolas públicas apresenta estrutura física deficiente de espaços de leitura e pouca mobilização da comunidade escolar para o fortalecimento desse espaço.

3.Analisar a fase de implementação do programa Literatura em minha casa, sob a perspectiva da gestão das escolas públicas.

Em algumas escolas a gestão do programa encontrou barreiras, pois ainda existe uma cultura de sacralização do objeto livro em detrimento do direito ao acesso.

4.Identificar, a concepção do gestor escolar sobre a democratização e acessibilidade ao livro.

Teoricamente, os gestores consideram que a escola deve promover a acessibilidade ao livro, porém as decisões na gestão escolar nem sempre fortalecem o direito ao livro.

5.Desvelar, sob o ponto de vista do gestor escolar, os elementos limitadores e facilitadores, que podem atuar no âmbito da gestão da biblioteca escolar.

Os elementos limitadores relacionam-se com a ideia de que os estudantes não valorizam e conservam os livros e a estrutura precária da biblioteca. A oferta de livros de literatura infanto-juvenil pelo mercado editorial e a entrega dos livros feita pelo PNBE tornam-se elementos facilitadores. Os óbices estão na gestão escolar e visão dos gestores e professores.

Os procedimentos metodológicos têm como objetivo desvelar parte da gestão do programa Literatura em minha casa vivenciada nas escolas públicas estudadas. O estudo compreende a acessibilidade ao livro como um direito social garantido na Constituição Federal de 1988, na LDBEN 9394/96 e na Lei do Livro. Este direito concretiza-se na escola pública, pois “ a escola é a instituição que propicia de forma sistemática o acesso à cultura letrada reclamado pelos membros da sociedade moderna” (SAVIANI, 2006: p.3). Quando o direito de ler é cerceado por decisões da gestão escolar, estudantes passam a ter

fragilidades na trajetória escolar e o papel da escola de favorecer a atualização histórica do sujeito não pode ser desempenhado. O arcabouço legal instituído elege a acessibilidade aos livros como um valor público, e este estudo propõe desvelar as condições de implementação e as condições políticas do programa Literatura em minha casa nas decisões da gestão escolar em Brasília.

Assim, o capítulo I deste estudo analisa historicamente as relações e as ações do Estado brasileiro com a leitura, a fim de captar as marcas e medidas sobre a leitura e as políticas advindas dos direitos sociais. No capítulo II, este estudo trata a gestão dos espaços de leitura nas instituições escolares, por meio de estudos acadêmicos, pesquisa documental e bibliográfica, a fim de compreender a relação da gestão com os espaços escolares de leitura. E por fim, o terceiro capítulo analisa a gestão do programa Literatura em minha casa, por meio das entrevistas, a fim de perceber como foi consubstanciado o direito ao livro e aos bens culturais na implementação do programa nas escolas públicas da cidade de Brasília.