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As políticas educativas entre o pós-guerra e Abril de

CAPÍTULO II – A Educação e Formação dos Jovens Pouco Escolarizados em Portugal ao longo do tempo

2. As políticas educativas entre o pós-guerra e Abril de

No período imediatamente a seguir ao pós-guerra, em 1948, a educação seria reconhecida como um Direito no artigo 26º da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”:

“ Toda a pessoa tem o direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito” (p.3)

40 Em contraste com a generalidade dos países europeus, onde se congregavam esforços para a massificação do acesso à escola, Portugal permanecia à época, à margem, “mantendo-se o investimento público na educação em níveis extremamente baixos” (Sil, 2004, p.39). Criada no contexto do Plano Marshall em 1948, Portugal iria integrar, na qualidade de membro fundador, a Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) – sucessora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Este representou o momento de abertura da economia portuguesa ao exterior mas vinha demonstrar o desajustamento dos anteriores projetos educativos. E, tal como a economia que seria influenciada pelo contexto externo, o mesmo iria acontecer em matéria de ensino, verificando-se um intercâmbio de ideias e uma evolução do pensamento, sendo evidente o crédito dado às orientações da OCDE no assunto. Esta organização económica, fortemente apoiada nas teorias do capital humano, enunciadas por Schultz, que surgem no pós-guerra, defendia o papel da ciência como força motriz do progresso, advogando a necessidade de se procederem a reformas ao nível do ensino superior, mas também no ensino básico e secundário (Teodoro, 2000, p. 51).

Em 1952, surgiu o Plano de Educação Popular que pretendia erradicar o analfabetismo e o incumprimento da escolaridade obrigatória, contemplando, por um lado, sanções pecuniárias para os responsáveis das crianças que não iam à escola; e, por outro, vedando o acesso ao mundo do trabalho aos adultos que não sabiam ler nem escrever estando ainda em causa também a sua obtenção da carta de condução e, no caso dos homens, a passagem à disponibilidade após cumprimento do serviço militar. Apesar do mérito desta campanha, que faria baixar as taxas de analfabetismo literal, a alfabetização funcional continuava a ser elevadíssima pelo que viria a ser necessário alterar o número de anos de permanência obrigatória na escola primária através de três diplomas legais sucessivos. O primeiro, o Decreto-Lei nº 40964/1956 de 31 de dezembro, estabelecia a escolaridade obrigatória de quatro classes para os menores do sexo masculino.

Segundo Rómulo Carvalho (1986), embora a burguesia latifundiária dominasse o país e o sentimento de inoperância se arrastasse, em 1958, o ministro Leite

41 Pinto, responsável pela Educação, tinha entre mãos dois problemas de difícil solução: o problema da aproximação à Europa e, mais visível ainda, o da movimentação crescente em torno do general Humberto Delgado, que mostrava ter do seu lado uma população particularmente crítica e nada disposta a aceitar um status quo que a isolava do resto do mundo dito civilizado.

O início da década de 60, a guerra colonial e a emigração iam abrindo brechas no sistema político. À escala mundial, o final da Segunda Guerra Mundial e os subsequentes “Trinta Gloriosos” tinham alterado os objetivos das políticas económicas e sociais a nível internacional e o desenvolvimento, que se tinha registado seja ao nível industrial seja no sector terciário, trazia consigo exigências várias que era urgente suprir. Era premente a criação de mão-de- obra qualificada cuja inexistência ou precaridade condicionava negativamente as possibilidades de desenvolvimento do país. Portugal precisava assim de repensar os seus objetivos em termos da escolaridade e dar resposta às pressões políticas internacionais e influências de organismos internacionais como a da OCDE: ao serem dinamizados programas de trabalho e cooperação entre os Estados-membros, os processos de desenvolvimento e as contribuições do sector da educação conduziriam a uma notável expansão, qualitativa e quantitativa, no ensino, sobretudo, nos anos sessenta e setenta. Notemos que, em 1959, na “Declaração dos Direitos da Criança”, a educação surgia como um direito inerente à infância no seu princípio número sete:

“A criança tem o direito de receber educação, que será gratuita e obrigatória pelo menos nas etapas elementares. Dar-se-lhe-á uma educação que favoreça a sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, as suas aptidões e o seu juízo individual, o seu sentido de responsabilidade moral e social, e chegar a ser membro útil da sociedade” (p.2).

Estes seriam motivos mais do que suficientes para justificar a existência do segundo e terceiro diplomas legais, o Decreto-Lei nº 42994/1960 de 28 de maio e, quatro anos depois, o Decreto-Lei nº 45 810/1964 de 9 de julho, que viriam, respetivamente, alargar ao sexo feminino o carácter da obrigatoriedade da frequência escolar e promulgar a escolaridade obrigatória para seis anos. Em

42 1964, era criada outra via de concretização da escolaridade obrigatória, na altura constituída pelos quatro anos da Escola Primária e os dois do Ciclo Preparatório, o Ciclo Preparatório TV (CPTV) ou Telescola. Mas, mesmo desempenhando funções importantes na criação de condições para um maior cumprimento da escolaridade, a nível geográfico, a telescola pretendia servir as zonas rurais isoladas e zonas suburbanas com escolas superlotadas; apresentava-se, pois, como uma via de ensino exclusivamente dirigida às populações não urbanas.

Ainda segundo Rómulo Carvalho, um outro contributo relativamente importante chegaria com o Plano Regional do Mediterrâneo (PRM). Este plano estabelecia regras de assistência e cooperação permanentes entre seis países da região mediterrânica entre os quais Portugal. Na perspetiva do PRM, a educação deveria ser projetada tendo por base o diagnóstico feito às necessidades de desenvolvimento socioeconómico próprias de cada país; e, em Portugal, depressa se constataria que era premente escolarizar toda a população, torná- la mão-de-obra qualificada, pois só desta forma se alcançaria o almejado desenvolvimento do país. Estatisticamente, os resultados obtidos seriam louváveis, mas o impacto direto do PRM quase não se faria sentir, pois, segundo António Teodoro (2000), a publicação do referido Plano far-se-ia já tardiamente, na altura do ministro Galvão Teles, que manifestaria sempre uma certa preocupação face ao “internacionalismo” e à excessiva subordinação da educação à economia. O aspeto positivo do PRM seria essencialmente:

“ao quebrar o isolamento de Portugal e ao obrigar à elaboração regular de relatórios detalhados sobre a situação económica e educativa, que mostravam, de forma brutal, a distância a que nos encontrávamos de outros países nossos parceiros, essa participação ativa nos trabalhos da OCDE, iniciada no campo da educação com o PRM, permitiu a difusão de uma ideologia educativa que Sacuntala de Miranda (1981) designa de ocdeísmo, e que vai representar a mais importante fonte de mandato e legitimação para as posições e propostas dos sectores desenvolvimentistas que, progressivamente, foram ganhando influência nos departamentos económicos e nos gabinetes de planeamento educativo e de formação de mão-de-obra” (Teodoro, 2000, p. 48).

43 Neste sentido, o ministro Veiga Simão lançaria um programa de reformas que ele próprio classificaria de «democratização de ensino». Pretendia-se implementar uma política educativa mais dinâmica de modo a pôr o sistema de ensino em sintonia com os projetos políticos que se queriam de ligação ao Ocidente desenvolvido, nomeadamente, às organizações europeias, “fomentando a educação pré-escolar, prolongando a escolaridade obrigatória, reconvertendo o ensino secundário e diversificando o ensino superior” (Carreira, 1996, p. 26).

Nos anos finais da ditadura em Portugal, registar-se-ia assim uma explosão escolar e o aumento da escolaridade obrigatória. No entanto, a implementação das medidas era realizada não porque se considerasse vital para a população portuguesa mas porque as pressões internacionais assim o exigiam; dava-se resposta a uma mera necessidade estatística e, para tal, bastava um ensino medianamente desenvolvido em termos quantitativos.