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As políticas públicas e a arena de embates: o complexo

A formulação das políticas públicas está vinculada ao arbítrio do Estado, como forma de administrar os conflitos inerentes às relações sociais. As sociedades modernas caracterizam-se, fundamentalmente, pelas diferenciações sociais, destas fazendo parte idéias, valores, crenças, objetivos e interesses, nos quais estão implícitos os diversos papéis exercidos pelos sujeitos que compõem tais sociedades. No conjunto, são atitudes e condutas cujo enredamento compõe a vida em sociedade, no seio da qual são engendradas as políticas públicas como “resultado da luta de classes e do complexo desenvolvimento das forças produtivas” (ROCHA

NETO, 1997, p.44). Para este autor, que se apóia em Corrêa (1997b), no arbítrio de tais conflitos, o Estado estabelece “uma certa coesão social” ao articular o pensamento, ou planejamento e ação, assim configurando o encontro entre valores sociais e institucionais. Nesse contexto, as políticas públicas se traduzem como mecanismos de conexão entre os processos econômicos e políticos.

Trata-se de um conjunto de decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores, cuja característica central “é o fato de que as decisões e ações são revestidas da autoridade soberana do poder público” (RUA, 1997, p.2). Se as políticas públicas passam pela atividade política, as ações – sejam elas normativas ou operacionais – emanadas do Estado, via políticas públicas, seriam respostas às demandas/reivindicações dos diferentes grupos sociais e corporações (entendidas aqui no seu sentido amplo e restrito) por intermédio de ações de governo que podem se situar na esfera da saúde, educação, estradas, transportes, segurança pública, turismo, lazer, entre outras.

Com efeito, sobretudo no mundo moderno, o processo de globalização da economia e de redução das barreiras nacionais vem se acelerando, sendo com os países cada vez mais afetados pelo que ocorre nos demais, a exemplo dos abalos provocados na economia brasileira pelas crises deflagradas no México e na Argentina.

Dessa forma, as políticas públicas têm sido cada vez mais questionadas em sua efetividade, eficiência e eficácia. A crise fiscal que abala o Estado-Nação se reflete na sua retração seja em estrutura, seja em sua atuação. Esse debilitamento aponta para ações de governo muitas vezes equivocadas; por outro lado, quando exigidas por atores internacionais, as políticas têm-se mostrado eficientes, sobretudo, aquelas de cunho econômico e fiscalista. Já no que se refere àquelas

ações de governo com rebatimento na área social e de infra-estrutura, as políticas públicas têm-se mostrado, em geral, ineficientes. Evans (1993, p. 108) corrobora tal entendimento ao dizer:

A nova imagem do Estado como problema surgiu em parte devido ao seu fracasso em realizar tarefas estabelecias pela agenda anterior, mas não apenas por este motivo. Pelo menos em alguns casos, o Estado havia, de fato, promovido substantiva mudança estrutural. O decréscimo no crescimento do comércio mundial nos anos 70, associado à impressionante elevação das taxas de juros reais de fins desse período e o enxugamento dos empréstimos comerciais no início dos anos oitenta, obrigou os países em desenvolvimento a se concentrarem de novo nos ajustes às restrições impostas pela conjuntura internacional.

As ações de governo têm uma estreita relação com a capacidade que esse aparelho de Estado possui na implementação das suas políticas e na sua capacidade de gerenciamento, sem esquecer a distribuição eficiente dos gastos públicos direcionando-os para aquelas áreas em que os problemas se apresentam com mais intensidade.

Mais do que uma decisão política, a implementação de uma política pública exige uma multiplicidade de ações estrategicamente selecionadas. Seu “alcance público” é definido pelo caráter imperativo de que ela é dotada ou revestida. Como foi visto, tais decisões têm de ser emanadas do poder governamental, cujas determinações levam em conta as contradições que permeiam a dinâmica entre o planejamento e a execução das políticas públicas.

Nesse sentido, Corrêa (1997b, p.40) concebe que

O processo é tanto mais amplo, quanto mais atores dele fizerem parte, sejam institucionalizados ou não representados em grupos formais de interesses os mais diversos e, portanto, com diferentes graus de poder, o processo político engloba tantos atores sociais quantos dele quiserem fazer parte, ao menos onde existirem canais democráticos de manifestações de demandas. Das relações estabelecidas entre esses atores resultará a política em si, sendo esta apenas uma das etapas de todo o processo.

Em meio às relações exercidas entre os atores sociais, reside um processo político cuja amplitude oscila em função da existência de demandas. É a política fazendo parte do processo de civilização das sociedades, não apenas como elemento conciliatório de interesses públicos mais gerais, mas como possibilidade pela qual as demandas dirigidas aos governos pelos atores sociais, ou as que são formuladas pelos agentes do sistema político, articulem o apoio necessário com vista ao funcionamento e estabilidade da sociedade, o que nem sempre é possível.

Conforme mostra Pedone (1984), a formulação das políticas públicas pode ser apresentada em cinco etapas, hierarquizadas e vinculadas entre si. A primeira diz respeito à formação de assuntos públicos, expressando o momento de surgimento e configuração das diversas opiniões, vindo a contribuir na elaboração das agendas políticas como questões que supõem ações governamentais. Esse momento nasce de debates organizados ou demandas que, a um primeiro olhar, não teriam nenhum nível de organização, mas que, em verdade, se constituem em demandas semi-estruturadas, pois não giram em torno de um segmento, mas de uma problemática comum a segmentos diversos.

A segunda, denominada formulação, compreende os processos de elaboração das políticas no Executivo, Legislativo e em outras instituições públicas, segundo a ótica da racionalidade econômica, da racionalidade político-sistêmica ou da formulação responsável. Trata-se de uma sistematização da demanda que tem uma frente normativa e outra de execução/implementação, rebatendo na sociedade de forma geral ou em segmentos específicos.

A terceira, na qual atuam os grupos de pressão sobre os decisores, reside no processo decisório, interligando-o com o aspecto anterior, e apresenta delimitações próprias.

Na quarta, considera-se a implementação das políticas públicas, uma etapa na qual se executa o que foi decidido anteriormente. Aqui os programas, as administrações públicas e os grupos sociais passam da fase de enfrentamento para um consenso, mesmo que seja frágil, a ação a ser implementada.

Por último, vem a avaliação de políticas, etapa na qual se analisam os efeitos pretendidos e as conseqüências indesejáveis, bem como quais os impactos mais gerais na sociedade, na economia e na política.

No Brasil, o primeiro momento do turismo é trazido à baila nas políticas públicas, em um contexto cujo pano de fundo é a reestruturação do Estado e suas tradicionais políticas de desenvolvimento, as quais já não encontram espaço como atenuantes das desigualdades regionais. Ocorre em falência do discurso industrializante e nacionalista dos anos de 1960.

O segundo momento, apontado por Pedone (1984) considerando o turismo, dá-se pelo disciplinamento da atividade no âmbito do Poder Legislativo, que tem um lado normativo e outro, de implementação operacional, via projetos locais e regionais de implantação/expansão da infra-estrutura voltada para a atividade. O disciplinamento é viabilizado pelo Poder Executivo, na figura da Fundação Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) e de outros agentes/atores estatais e da iniciativa privada.

No terceiro momento, atuam conjuntamente a iniciativa privada, os governos e, em alguns casos, a sociedade civil nos embates que vão desde a localização e a execução de grandes empreendimentos, no caso, voltados para o turismo. Nesse momento, verifica-se o poder de pressão e protagonismo de cada um dos atores envolvidos no processo da tomada da decisão da política pública, que ora parece favorecer a sociedade no discurso do “efeito virtuoso” da atividade, mas,

na realidade, sempre procura viabilizar a reprodução do capital, uma vez que é através dessas grandes obras (públicas ou privadas) que o turismo se realiza como atividade.

Analisando-se o quarto momento e sua relação com o turismo, pode-se entender que as políticas públicas e a fase do enfrentamento na decisão de implementá-las já estaria em parte superada e que o Estado aí teria chegado a um nível de mediação e satisfação para os atores envolvidos. No entanto, não é possível entender esse momento como de total pacificação, pois o desenvolvimento da atividade nem sempre mostra todas as suas facetas. Estas podem aparecer no momento subseqüente a sua implantação, cujos danos agora não justificariam sua reversão em função do custo para retroagir.

No que se refere ao quinto momento, pode-se dizer que é importante em face de seu caráter reflexivo e “concertativo”, visto que políticas públicas, em tese, são intervenções do poder público que pretendem atingir objetivos específicos e necessitam de avaliações periódicas com vistas a uma maior eficiência nos seus objetivos. No caso do turismo, essas intervenções do poder público, de modo geral aliado às empresas privadas, rebatem em aspectos nem sempre consensuais no que se refere ao meio ambiente e às populações locais.

Conforme foi apontado, a política compreende um conjunto de procedimentos destinados à resolução pacífica de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos, com a participação de atores políticos, com distintos interesses e características. Nesse conflito é necessário fazer a distinção entre os atores públicos e privados. Assim, as ações governamentais fomentadas com o objetivo de desenvolver o turismo têm ocorrido, principalmente, através da pressão dos segmentos diretamente envolvidos no setor.

Os aspectos abordados anteriormente não dão conta da complexidade das políticas públicas, das quais não se pretende aqui fazer uma reconstrução histórica, mesmo porque não haveria espaço para tanto. Tampouco se tem a pretensão de restaurar a “verdade dos fatos”, pois esta não existe fora dos significados que fornecem as condições de inteligibilidade dos acontecimentos históricos. No entanto, é necessário, ao entendimento do nosso objeto de análise, resgatar as intervenções setoriais mais relevantes para o turismo.