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O proveito na adversidade: Natal e o legado da Segunda

Guerra

Apesar da sua importância de capital do estado no contexto da administração, no início de 1940 Natal era uma cidade provinciana no tocante à prestação de serviços19. O Rio Grande do Norte era governado pelo interventor

19 Porém, já havia entidades como o Instituto Histórico e Geográfico, a Academia Norte-rio-grandense

Rafael Fernandes, quando, em decorrência de acordos assinados entre os governos brasileiro (Getúlio Vargas) e americano (Roosevelt), em 1942, Natal passou a ser sustentáculo da defesa do Nordeste com a criação, em 12 de junho desse mesmo ano, do 16° Regimento de Infantaria com efetivo de guerra.

Uma profunda transformação ocorreu por ocasião da Segunda Guerra Mundial, com a chegada de vastos contingentes militares brasileiros e americanos, encarregados de garantir as ligações entre os Estados Unidos e o sul da Europa, via Antilhas. Nessa rota, Natal ocupava uma posição estratégica por estar situada no ponto mais próximo da África.

Nesse período, a dinâmica do crescimento da cidade de Natal, esteve diretamente vinculada à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, por intermédio do acordo político firmado com os Estados Unidos e de seus desdobramentos. A definição da cidade como centro estratégico das forças armadas intensificou as atividades de comércio e serviços, configurando-se um acréscimo populacional significativo (CLEMENTINO, 1995).

A magnitude desse crescimento é confirmada ao se observarem os números da evolução da cidade nesse período: os 54.836 habitantes, existentes em 1940, passam para 103.215, em 1950, ou seja, em apenas uma década, o crescimento da população atingiu um índice de 88,20% (IBGE, 1980).

Desse momento em diante, a cidade passou a ter um intenso crescimento populacional. Além dos contingentes militares americanos e brasileiros, migrantes do

seguintes bancos: Banco do Brasil, Banco do Rio Grande do Norte, Banco dos Auxiliares do Comércio e o Banco Comércio e Indústria. No setor de saúde, a cidade contava com o Hospital Miguel Couto (hoje Onofre Lopes); a Policlínica, em fase de expansão; o Asilo dos Alienados; o Hospital São João, para atendimento de tuberculosos; a Colônia de São Francisco de Assis e a Maternidade Januário Cicco, em fase de construção.

interior do estado e de estados vizinhos foram atraídos pela demanda de mão-de- obra, gerada pelas novas necessidades impostas.

Ainda no que concerne a essa discussão, afirma Clementino (1995, p.215):

A vinda para Natal de grande contingente de militares e mais a construção das bases atrai de imediato a população civil motivada pela oferta de emprego civil e militar e também incentivada pela grande circulação de dinheiro que ocorria na cidade.

Aliando-se a isso, pode-se dizer que o crescimento da cidade ocorre também em razão do início do processo de esvaziamento do campo norte-rio- grandense, causado, sobretudo, pelas constantes secas que fustigavam e penalizavam o sertanejo naquele momento.

Ao se transformar em ponto de apoio aos norte-americanos que se destinavam à frente de combate na Europa, Natal recebeu duas importantes estruturas militares: a Base Naval de Natal e o Aeroporto de Parnamirim, ou Base Aérea de Natal.

Com o estabelecimento das bases Aérea e Naval, a cidade, como um todo, passou por um redimensionamento na sua estrutura física, bem como no comércio e nos serviços, o que influenciou na sua forma de expansão.

No período do grande conflito mundial, a cidade sofreu mudanças estruturais, para atender às necessidades de logística advindas de sua função de “centro de apoio estratégico” às forças de combate norte-americanas e da chegada de grandes contingentes populacionais militares. Segundo Lopes Júnior (2000, p. 29), “[...] um ano antes da chegada dos militares norte-americanos, as forças armadas brasileiras já haviam multiplicado por dez a sua presença em Natal [...]”,

sem falar nos migrantes vindos do interior e nos burocratas que complementavam as ações militares exigidas pelo novo momento.

Deve-se aqui ressaltar que as intervenções públicas anteriormente apontadas e a busca pela dinamização da economia urbana não foram capazes de promover transformações no ordenamento nem tampouco na estrutura viária da cidade, ficando estas (transformações) por conta das necessidades provenientes da base militar norte-americana. Nesse sentido, a contribuição de Lopes Júnior (2000, p. 31) é importante ao apontar que “Natal, em 1942, ainda ligava-se com o resto do mundo, através do mar e da estrada de ferro Great Western”. No entanto, para manter a base aérea, que, além de estar distante 20 km do porto, recebia continuamente um volume considerável de cargas pesadas, o caminho era transportá-las de trem até o município de São José de Mipibu, situado a 45 km de Natal, e depois retorná-las em estradas carroçáveis, transportadas por caminhões. Essa engenharia tornava-se por demais onerosa, com relação a custos e tempo, uma vez que era grande o risco de os caminhões atolarem nas estradas. Assim, surge a necessidade de construir uma ligação rodoviária entre o porto de Natal e a Base Americana. A estrada foi construída no espaço temporal de três meses ficando conhecida na literatura como a “Parnamirim Road”.

Essa estrada ou “pista”, como passou a ser popularmente conhecida, foi e ainda continua sendo a principal via terrestre de ligação da cidade com o Aeroporto Augusto Severo e seu mais importante acesso na direção sul e oeste do estado. Constituindo-se em um dos legados históricos que contribuíram decisivamente para a formação espacial da cidade e a conformação da sua estrutura de desenvolvimento, continua a ser um dos eixos principais em torno dos quais gravitam novas atividades econômicas.

A estruturação da cidade recebeu uma considerável contribuição do conflito, em virtude do suporte às tropas americanas e brasileiras, o que levou à construção de diversas instalações como um hospital naval, uma escola de aprendizes de marinheiros, um pipeline (duto que conduzia combustível do porto até a base aérea), dentre outros.

Com a finalidade de viabilizar as ações militares de forma complementar à construção da “pista” e possibilitar a circulação entre as instalações militares, ocorreu a melhoria da avenida Alexandrino de Alencar. Assim, intensificou-se a comunicação, no primeiro caso, entre Natal e Parnamirim Field e, no segundo, entre as instalações do Exército, no Tirol, e a Base Naval, no Alecrim. Tal ação inovou e dinamizou a circulação de carros e mercadorias na cidade, ampliando-se o processo de urbanização e de valorização da terra urbana, em face da infra-estrutura e da centralidade dos bairros.

Diante do seu crescimento populacional, a cidade passou a conviver com problemas sérios de abastecimento, de moradia, de infra-estrutura urbana (transporte, hotéis, etc.), custo de vida e defesa civil, agravados pela seca de 1942, que provocou migrações do interior para a capital do estado. “As demandas eram muitas. Estava transformada a vida da cidade. A excepcional situação em que esta se encontrava – super habitada – era agravada pelas dificuldades de comunicação impostas pela guerra [...]” (CLEMENTINO, 1995, p. 215).

A população, que tivera um elevado aumento no período e assistia à transformação da cidade em função das necessidades impostas pela guerra, sentiu os reflexos diretos da situação na alta dos preços, da especulação imobiliária (que aumentou o valor dos aluguéis), e viu, por vezes, o perigo do desabastecimento chegar à cidade, pelo seu despreparo para receber tamanho contingente.

Embora já sofrendo com problemas decorrentes de seu crescimento, Natal consegue manter uma “ordem” urbana e social, traduzindo o que Lopes Júnior (2000, p. 28) denomina “cidade pacificada”. Ele complementa dizendo que isso se deve aos claros “[...] limites e as cercas, reais e simbólicas, para a movimentação das pessoas e dos grupos sociais”.

A estrutura urbana da cidade ampliou-se e diversificou-se, consideravelmente, “[...] com a instalação de equipamentos e infra-estrutura voltados principalmente para o empreendimento militar (estradas, avenidas, oleodutos, estaleiros, cais, aeroportos, armazéns, hospitais, cassinos, hotéis, etc.)” (SANTOS, 1989, p. 21). Durante o período da Segunda Guerra Mundial, a cidade vivenciou grandes alterações socioespaciais, que se incorporaram à sua paisagem, contribuindo para a redefinição dos rumos de futuro tomados diante do crescimento urbano.

Essas mudanças e alterações deixam a economia da cidade e de seu subsistema regional à mercê das decisões do governo norte-americano, a exemplo do que cita Lopes Júnior (2000), quando se refere ao fato de o governo americano determinar que o suprimento da base aérea fosse feito com a produção local, elevando os preços e inflacionando determinados produtos.

Esse momento redefine o contexto econômico local, pela migração de capitais da agricultura para novos setores, e marca fortemente a cidade pelos impactos no mercado imobiliário. Em seu trabalho, Ferreira (1996, p. 138) já dizia: “talvez seja este o momento que realmente manifesta de forma concreta o problema da habitação em Natal, principalmente da habitação de aluguel [...]”. No período dos dez anos posteriores ao fim do grande conflito mundial, os loteamentos crescem em torno de 54%, passando de 17 para 121, na cidade de Natal. (SILVA, Alexsandro, 2003).

Em razão da especulação, a cidade vê o surgimento dos primeiros loteamentos, indicando um vetor de expansão do mercado de terras rumo à Zona sul, que margeava a Parnamirim Road em um traçado que abria diversas artérias paralelas à “Pista”.

A cidade emergiu do conflito como um centro geográfico de expressão estratégica. Em 1950, segundo o IBGE, sua população atingia a casa dos 103.215 habitantes e apresentava uma dotação de equipamentos urbanos e de serviços bem mais expressiva.

Para Clementino (1995), o momento da Guerra marca uma falsa idéia de progresso; tal afirmação se deve aos custos sociais que essa dinâmica de curto espaço temporal trouxe para a cidade, urbanizando-a precocemente.

É interessante observar que, além da expansão da cidade, a Guerra foi capaz de modificar, sobremaneira, não só as relações sociais e culturais, pela chegada dos grandes contingentes populacionais (nacionais e estrangeiros), como também os costumes, a vida social da cidade e sua espacialidade.