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As ponderações de Cappelletti e o Ministério Público brasileiro

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO SÃO PAULO (páginas 59-62)

DE TUTELA AOS INTERESSES DIFUSOS

3.6 As ponderações de Cappelletti e o Ministério Público brasileiro

As assertivas de Cappelletti acerca das objeções ao Ministério Público como principal legitimado na promoção da tutela dos interesses coletivos podem também ser aplicadas à instituição brasileira, pois Cappelletti

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“Além disso, o Ministério Público estará mal aparelhado para uma adequada defesa e representação de interesses civis que são coligados àqueles mesmos complexos fenômenos econômicos, industriais, edilícios, porque tal representação e defesa implicariam conhecimento altamente especializado em matéria contábil, urbanística, ecológica, química e assim por diante (Tradução de Nelson Renato Palaia Ribeiro publicada na Revista de Processo n. 5 p. 128-159).

30 Observa-se que esses autores muito colaboraram na construção jurídica do modelo de

concebe essa instituição de forma genérica, sem definir nenhum modelo específico a algum ordenamento jurídico, como se nota nesta passagem:

[...] anche la seconda soluzione – quella di affidare la difesa di interessi collettivi al publico ministero (o ad altre, analoghe “parti pubbliche”come l’attorney general nei paesi di Common Law o la Prokuratura nei paesi socialisti) – si è dimostrata del tutto inadeguata. (CAPPELLETTI, 1975, p. 374).31

Assim, pode-se acrescentar que o Ministério Público brasileiro também sofre das dificuldades inerentes a uma instituição de Estado: deve ater-se aos controles próprios da máquina do Estado, não possuindo o dinamismo necessário para a efetiva defesa dos interesses coletivos.

Sua formação também é próxima a do juiz, possuindo praticamente as mesmas garantias e vedações que as previstas para os juízes, como se nota nas semelhanças das carreiras e em suas estruturas, sendo ambas externamente controladas por Conselhos similares, como se pode ver na própria Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Ainda que haja órgãos do Ministério Público especializados em vários interesses difusos técnicos, como: habitação e urbanismo, meio ambiente, crimes tributários etc., que poderiam amenizar a crítica de Cappelletti, há que se ressaltar que os seus agentes, os Promotores de Justiça ou Procuradores da República (na área federal) são formados em Direito, dependendo de técnicos e outros profissionais para se tentar suprir o desconhecimento técnico, ou seja, dependem de um aparato burocrático para suprir o desconhecimento técnico.

Logo, tal situação acaba por levar justamente às amarras e à burocracia, inerentes a qualquer instituição de Estado – pano de fundo da crítica de Cappelletti (1975), pois essa situação impede o dinamismo necessário na defesa dos interesses difusos.

31“[...] a segunda solução – que confia a defesa dos interesses coletivos ao Ministério Público

(ou outras semelhantes "partes públicas", como o procurador-geral, em países de Common Law, ou Prokuratura, em países socialistas) – mostrou totalmente inadequada.” Tradução de Nelson Renato Palaia Ribeiro publicada na Revista de Processo n. 5 p. 128-159.

Se assim o é, em que pese os esforços de Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson Nery Junior (FERRAZ; MILARÉ; NERY JUNIOR, 1984), que procuram refutar veementemente as críticas de Cappelletti, tem-se que uma análise geral do trabalho do professor italiano retira a força dessas refutações.

Isso porque o fundamento das objeções de Cappelletti não está concentrado nas especificidades do Ministério Público italiano; ao contrário, o autor referiu-se ao Ministério Público genericamente considerado como a “parte pública”.

Assim, os problemas de dinamismo e de sua estrutura são considerados, a partir de sua natureza de instituição pública ou, em outras palavras, como parte integrante do Estado, sendo, assim, tais problemas inerentes a essa instituição.

Quanto à eventual ligação com o Poder Executivo, conquanto o Ministério Público brasileiro seja dotado de garantias equivalentes ao dos juízes, tais como: inamovibilidade, irredutibilidade de salários e iniciativa de lei pelo chefe dessa instituição para assuntos atinentes ao Ministério Público, há que se ponderar que a investidura do chefe do Ministério Público ainda está atrelada á discricionariedade do Estado, o que lhe reduz a sua autonomia, tal como indicado por Cappelletti (1975).

Isso porque a Constituição Federal (BRASIL, 1988) prevê, quanto ao Ministério Público Federal, que o Presidente da República pode nomear qualquer membro daquela carreira com Procurador Geral da República, após aprovação do seu nome pelo Senado, havendo, assim, nítida influência política pelo Poder Executivo.

Quanto ao Ministério Público dos Estados membros, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) prevê que o chefe do Poder Executivo Estadual escolhe o Procurador Geral de Justiça a partir de lista tríplice votada pelos seus membros e, não raro, o chefe do Poder Executivo estadual escolhe um nome constante na lista tríplice que não tenha sido o mais votado pelo seus membros, havendo, portanto, nítida influência do Executivo Estadual sobre o Ministério Público dos Estados.

Logo, as assertivas pontuais efetuadas por Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré, e Nelson Nery Junior não refutam justamente

o ponto central da objeção de Cappelletti, que é a natureza de instituição pública do Ministério Público, fato esse que lhe traz os problemas apontados pelo autor italiano.

Pondere-se ainda que, em obra posterior, Antonio Augusto de Camargo Ferraz acaba indiretamente admitindo parte das críticas levantadas por Cappellletti, sobretudo a respeito da burocracia como inibidor do dinamismo na defesa dos interesses difuso pelo Ministério Público:

A multiplicação de casos a cargo do Ministério Público expõe, a meu ver, a Instituição a graves riscos, como o do indevido inchaço de seus quadros, o da banalização e burocratização da atuação e, sobretudo, o da perda de eficiência no enfrentamento das questões mais sérias e de maior relevância social [...]. (FERRAZ, 2001, p. 91).

Na parte final dessa citação, há implicitamente a admissão da dificuldade do Ministério Público em trabalhar com questões mais complexas e de âmbito coletivo, como expresso por Cappelletti.

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO SÃO PAULO (páginas 59-62)