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CAPÍTULO IV – EXPERIÊNCIAS DOCENTES E O SONHO DE

4.1 AS PORTAS ABERTAS DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO

O estudo de Ristolf e Giolo (2006) sobre a Educação Superior no Brasil é muito interessante e facilitou o cumprimento do meu propósito, de compreender o contexto que levou as professoras a ingressarem em um curso superior privado, antes da implantação do PARFOR-Presencial na Bahia.

A LDB é uma referência importante para o entendimento da expansão do Ensino Superior privado recente, visto que as mudanças que foram provocadas definem dois momentos distintos (antes e depois deste marco legal). A reformulação desencadeada definiu uma nova política educacional, voltada para a geração de um expressivo crescimento significativo do sistema, principalmente no que tange à iniciativa privada.

Apesar de não ser possível negar que houve uma maior oportunidade de acesso ao ensino superior brasileiro, não se pode afirmar que houve uma verdadeira democratização deste nível de ensino. Ristolf e Giolo (2006), envolvidos nas discussões sobre políticas para o Ensino Superior brasileiro, defendem ser a privatização uma das características mais marcantes que ajuda a definir o tipo de crescimento observado no sistema de ensino superior. Para eles, este fato não pode ser compreendido como um processo de democratização, mas de expansão das leis do mercado privado neste nível de ensino.

Nos relatos das professoras não faltam referências à necessidade de capital econômico para custear um curso superior em uma instituição privada. Esta é uma das razões levantadas por elas quando tentam explicar para si mesmas porque, mesmo se sentindo encurraladas pelos colegas de trabalho que já possuíam um diploma de nível

superior, não cursaram Pedagogia antes, ou mesmo, o porquê de estarem frequentando o mesmo curso na modalidade a distância em IES privadas.

De fato, houve uma popularização de cursos superiores privados devido aos preços mais convidativos e uma oferta maior de cursos noturnos. Em 1995, havia no Brasil um total de 894 IES, e em 2008 esse número já havia chegado a 2.252 IES. As instituições particulares tratam o ensino noturno como uma forma de atrair os trabalhadores que desejam conciliar estudo e trabalho. Sobre a ampliação da oferta de cursos noturnos nas IES privadas citada anteriormente, em 2004, o percentual de 68% dos estudantes matriculados nestas instituições encontrava-se no noturno (OLIVEIRA, et al., 2006).

Oito professoras-estudantes estavam cursando Pedagogia no noturno em uma IES privada na modalidade semipresencial. Uma estava prestes a iniciar este curso quando tomou conhecimento que havia sido aprovada no processo seletivo PARFOR- Presencial. Duas delas haviam abandonado o curso, após várias tentativas de concluí-lo. As demais, só enxergavam esta via para conquistar o diploma, mas não apresentavam condições de tomar este caminho por muitas razões ligadas às suas vidas familiares. Essa postura das professoras mostra o quanto o discurso privatista na área educacional, sobretudo, no ensino superior, tem logrado êxito (Gentili, 1999).

Um desses motivos foi levantado por três delas. Estas afirmaram textualmente que a necessidade de ajudar no custeio da faculdade privada dos filhos maiores de 18 anos fizeram com que elas abandonassem o investimento nelas próprias. A falta de capital econômico foi alegada também como um dos motivos do abandono do curso por outras três professoras, pois além de custear as mensalidades, precisavam ter recursos para o transporte, a alimentação e os materiais utilizados. Tudo isto, ao lado da dificuldade em conciliar o estudo e o trabalho.

Apresento o caso emblemático de Deise. Ela tentou quatro vezes concluir o curso de licenciatura em Pedagogia em instituições privadas e, ao saber que foi aprovada na última atividade curricular do curso de Pedagogia UFBA/PARFOR- Presencial, a apresentação oral da monografia, aos prantos, desabafou publicamente:

Eu não tenho como explicar a minha felicidade por esta conquista. Eu que pensei que não ia conseguir...[choro]. Obrigada por terem me ajudado e me apoiado, me incentivando nos momentos difíceis, como hoje, que meu filho está na UTI e eu que passei a noite toda no hospital, consegui chegar aqui e apresentar o meu trabalho, que foi tão sofrido, consegui escrever, e me orgulho muito de como ele ficou. Tentei por 4 vezes e falhei... terminar o curso de Pedagogia, gente, depois de quatro tentativas fracassadas é muito pra mim. Aqui eu fui abraçada por vocês e pelos professores e consegui. Obrigada meu Deus!

Nestes casos, como o de Deise, quando elas souberam que estavam abertas as inscrições para prestarem o vestibular especial em uma universidade pública com o apoio da Secretaria de Educação, já inscritas na Plataforma Freire, agarraram a oportunidade com muito entusiasmo. Até mesmo Andressa que sonhava cursar a licenciatura em História, acabou optando pela Pedagogia para abandonar um curso pago e ingressar em uma instituição pública. A opção pelos cursos, portanto, não perpassou necessariamente a escolha das professoras-estudantes em, pelo menos, quatro casos elas explicitaram essa situação.

Retomando a discussão sobre as incursões das professoras-estudantes no ensino superior privado, é visível que elas se intensificaram a partir dos anos 2000. Com exceção de Samara, que concluiu há muito tempo o curso de Serviço Social na UCSal, e de Anita que concluiu o curso de Contabilidade na Faculdade Visconde de Cairú (FVC), ambas em Salvador, posso afirmar que as professoras-estudantes residentes em

Salvador e região metropolitana possuíam percursos de vida que passavam por várias tentativas em cursar uma licenciatura.

Cursar Pedagogia já havia se tornado uma prioridade na vida de diversas delas. Muitas estavam tentando conciliar trabalho, estudo e dificuldade de custear os estudos em instituições particulares, como foi dito antes. Esse movimento casou muito bem com o aumento da oferta de instituições privadas, das vagas para os cursos ofertados e das bolsas financiadas pela União.

Samara, que já tinha um curso superior, era colega de turma de Maria e Andira em um curso de Pedagogia a distância. O mesmo ocorria com Luísa e Bernadete que também eram colegas de turma em outra instituição particular. Ao contrário do que possa parecer, elas não estavam aguardando pacificamente do Estado uma solução no que tange a sua formação em nível superior.

O que encontrei foram várias estratégias sendo desenvolvidas pelas professoras- estudantes para cursarem uma faculdade, o que tornou rica e complexa a compreensão desta rede em torno de conquistarem o chamado ethos acadêmico, a depender das condições favoráveis ao sujeito nessa nova configuração aqui descrita a partir do crescimento exponencial do Ensino Superior particular e também da realização de programas financiados pela União com vistas a contribuir para a titulação das colaboradoras.

Sobre os percursos em licenciaturas anteriores, as professoras-estudantes comentavam muito, principalmente, a qualidade dos cursos a que tinham acesso antes do ingresso na UFBA. Lembro-me Samara divertindo-se muito ao relatar que ela, Maria e Andira eram excelentes alunas do curso de Pedagogia que frequentavam numa instituição privada, as notas elevadas refletiam o desempenho delas. O motivo do divertimento, que arrancava muitos risos dos ouvintes, era o fato de Samara dizer, com

o consentimento das colegas, que estava repetindo algumas disciplinas já cursadas e, ainda assim, apresentava muitas dificuldades para realizar as atividades e acompanhar o conteúdo das aulas. Então, logo no primeiro semestre dos módulos, elas compreenderam que o curso anterior que frequentavam era “fraco” e que precisariam estudar muito para ter um bom desempenho e obterem êxito.

Durante conversas informais, havia a divulgação entre as professoras-estudantes sobre a constatação da diferença percebida na qualidade dos conteúdos e do corpo docente para melhor, apresentados pelo curso de Pedagogia UFBA/PARFOR-Presencial em relação às instituições pelas quais elas haviam frequentado. Esta constatação deixava-as muito orgulhosas por terem feito a escolha de abandonarem os cursos que estavam fazendo na iniciativa privada para iniciar como elas diziam do “zero” um novo curso.

Este descompasso entre a oferta de cursos e a baixa qualidade das suas propostas foi percebido pelas professoras-estudantes e tem gerado um problema muito sério no país. Houve a ampliação de vagas no Ensino Superior sem que o MEC tivesse condições de zelar pela qualidade dos cursos oferecidos, o que ocasiona o fechamento de instituições e descredenciamento de cursos, em muitos casos, um desserviço ao prestígio da carreira universitária.

Além disto, observei principalmente nas IES privadas um direcionamento da oferta de cursos, geralmente denominado “desequilíbrio de oferta no panorama das vocações profissionais dos jovens brasileiros”9. Para exemplificar este fenômeno, do total de matrículas na Educação Superior, em 2004, 52% se concentravam em seis cursos: Administração (14,9%), Direito (12,8%), Pedagogia (9,3%), Engenharia (5,9%), Letras (4,7%) e Comunicação 4,6% (RISTOLF E GIOLO, 2006, p. 17).

9 Expressão utilizada para expressar uma preocupação no que tange ao pouco investimento na oferta de

determinados cursos e a massificação da oferta de outros. A saber: Administração, Direito e Pedagogia.

Entre as professoras-estudantes que ingressaram nos cursos noturnos das IES particulares, juntamente com setores da sociedade antes praticamente excluídos do ensino superior, o fizeram porque receberam bolsas de estudos concedidas pelo governo federal para cursos de licenciatura.

O Prouni foi criado pela Lei n. 11.096 de 13 de janeiro de 2005 e teve a finalidade de conceder bolsas de estudos integrais ou parciais para estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. As bolsas de estudo destinam-se a estudantes que tenham cursado o Ensino Médio completo em escola pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, a estudantes portadores de deficiência; e a professores da rede pública de ensino, para cursos de licenciatura, Normal Superior e Pedagogia, com vistas ao magistério da Educação Básica, independente da renda.

É concedida bolsa integral do Prouni ao brasileiro não-portador de diploma de curso superior, cuja renda familiar per capita mensal não exceda o valor de até um salário mínimo e meio. Bolsas parciais de 50% ou de 35% são concedidas aos não- portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até três salários mínimos (MEC/SESU, 2005)

Em essência, o Prouni promove uma política pública de acesso – mas não de permanência – ao ensino superior, além de orientar-se pela concepção de assistência social, oferecendo benefícios e não propriamente direitos aos egressos do ensino médio público. Ademais, os cursos superiores ofertados nas IES privadas e filantrópicas são, muitas vezes, de qualidade questionável e voltados apenas às demandas imediatas do mercado (CATANI e GILIOLI, 2005, p. 56).

Os pontos considerados frágeis no que tange ao Prouni destacados na citação anterior, também foram sinalizados, conforme pôde ser visto antes, pelas professoras- estudantes que tiveram uma passagem no ensino superior privado. Mesmo porquê a maioria teve acesso, mas não progrediu e concluiu os cursos, por terem que optar em manter-se ou dar oportunidade a um de seus filhos de cursar uma graduação na rede privada, através do ensino presencial ou a distância.

Muito embora tenha sido observado que muitas das professoras-estudantes estavam buscando alternativas para cursar Pedagogia em instituições particulares, especialmente através do ensino a distância, sem dúvida, a iniciativa do PARFOR- presencial foi fundamental para que elas não apenas ingressassem no curso, mas chegassem ao final dele com sucesso.

A seguir, apresento as trajetórias das professoras-estudantes no que tange a uma aproximação com o ensino superior público, dentro da mesma perspectiva de perceber a configuração assumida pelas IES públicas.

4.2 A DIFICULDADE DE INGRESSAR NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO

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