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Apelo do Não As coisas tangíveis

3.1. Vestígios de uma prática: Os grupos escolares e as escolas isoladas

3.1.4. As práticas: entre o possível e o necessário

Diante de tudo o que foi exposto até o momento, pode-se inferir o seguinte: as escolas isoladas eram tão precárias que ali nada se ensinava e nem se aprendia. Assim parece que esta pesquisa entrou em um vazio. No entanto, não se pode esquecer que a subjetividade, as ações humanas, as experiências tecem delicadamente os fios da História os quais, interligados, se inventam e reinventam cotidianamente.

Ainda que tivessem tanto problemas, as escolas isoladas eram feitas por pessoas e mesmo que as prescrições necessárias não fossem cumpridas por todos os problemas elencados, havia aquela ação em que o sujeito único se revelava, entre imperativos e a realidade, fez-se o possível.

Desta forma alguns relatos dos feitos dos professores foram encontrados, e que, entre problemas e soluções, a educação acontecia. Assim é que no relatório do inspetor escolar Justiniano Vieira, em 18/04/1898, sobre os municípios de Cunha, Lagoinha, S. Luiz do Paraytinga, Natividade e Paraibuna, se apresenta essa ideia:

Salvo raríssimas escolas onde ainda a acção proveitosa da moderna orientação dada ao ensino, não tem mostrado resultados, as demais, com pequenas variantes procuram assimilar, de accordo com os exíguos recursos que possuem, os modernos mettodos do ensino intuitivo, estando hoje, quase completamente banido das escolas, o prejudicial systhema da decoração inconsciente e da aprendizagem do antiquado alphabeto. As Cartilha da Infância e as Cartilhas das Mães, dos professores Thomaz Galhardo e Arnaldo Barreto são proveitosamente ensinadas pelos professores desta, inclusive os provisórios, que jactam-se com os benefícios e rápidos resultados obtidos por este methodo de ensinar (CO. 4999. Rel. IE. JustinianoVieira, 18/04/1898).

Claro que, mesmo levando em consideração o fato de que este era um documento oficial e que havia o interesse em apresentá-lo de forma otimista, dizendo que as escolas estavam indo bem (apesar de que no mesmo relatório o inspetor informa que em seis escolas de Lagoinha os professores eram adeptos do método do alfabeto, portanto não tão otimista assim), há que se considerar a possibilidade de a solução popular ter ocorrido em algumas escolas.

Os diversos relatórios, tanto de professores como de inspetores, descrevem uma ou outra ação que demonstrava a instrução dos alunos moral e/ou intelectualmente, acontecendo. Quando o inspetor chegava às escolas, na maioria das vezes, examinava o grau de adiantamento dos alunos. E assim é que na escola de Pararamgaba, em 06/05/1898, registrou: “Principios da grammatica, calculos, geographia, educação civica, etc, mostrando alguns, regular adiantamento (CO.5000. Rel IE. Jordão Monteiro Ferreira. 6/5/1898).

Os professores também se preocupavam com a organização da sala para racionalizar o trabalho:

Os alumnos da 1ª classe, estudam primeiro livro e segundo de Hilário Ribeiro, aprendem a contar até cem, recebem explicação sobre lições de cousas e são educados moral e civicamente.

A 2ª classe estuda o terceiro e quarto livro de Hilario, ja sabe as quatro operações fundamentaes da Arithmetica, desenho linear ate polygonos, e recebe explicação sobre lições de cousas, redação e ortographia, educação cívica e moral.

A 3ª classe finalmente estuda a grammatica portuguesa, analisando já, grammaticalmente e alguma lógica. Lê com expressão, faz exposição do que lê com mudança de redação, faz exercício de calligraphia e de ortographia. Ja sabe Arithmetica ate proporções, e praticamente faz qualquer operação. Sabe Geographia da America e da Europa, e um pouco de Cosmographia. Já está em desenho linear ate círculos. (CO 5068, Rel. Alberto de Almeida, 1/06/1890).

Nas duas primeiras classes, o ensino da educação cívica e moral e a lição de coisas estavam presentes. Esta última era tratada como uma ‘disciplina’, algo a mais para ser estudado e não como um método que perpassa todo o conteúdo como apregoava Rui Barbosa. Como já afirmou Valdemarin (2004), nesse período havia divergências na interpretação do método, podendo ser desde a lição de coisas como parte do método, como também ser a própria lição de coisas o método.

Na terceira classe, é possível notar que a ‘lição de coisas’ e educação moral e cívica já não faz mais parte dos conteúdos relatados pelo professor. Não que estes não seriam mais importantes, mas provavelmente era porque os alunos já haviam alcançado

a abstração necessária para aprofundar outros conhecimentos, como aritmética, cosmografia e ortografia. A própria educação cívica estava garantida por meio do aprendizado da língua portuguesa e geografia da América.

Como era uma escola isolada, todos os alunos podiam ouvir e ver o que professor explicava para cada classe, de maneira que os saberes poderiam ser compartilhados por mais alunos do que necessariamente da classe em questão.

A questão da ordem e organização, valores disseminados e prescritos para a escola eram valorizados pelos professores, o respeito e a subordinação também eram ensinados:

A ordem e o mutuo respeito são as características da disciplina escolar por mim adoptada, evitando tanto quanto é possível os castigos physicos systema este desumano e reprovado quase todas as escolas (CO. 5068, Rel. Bairro da Rocinha prof. Maria Conceição Pinto, 2/07/1894).

Mesmo o castigo físico não sendo algo desejável, na voz da professora, não quer dizer que ele não acontecesse. Quando o respeito e a ordem não eram alcançados, a solução seria o castigo. Era assim que se moldava um cidadão.

Em outro relatório, é possível verificar que o bem viver em sociedade e respeito ao outro, características da civilidade, não estavam sendo observados na formação dos alunos, pois o Prof. José Narciso de Camargo, de Jundiahy se utilizava da emulação para melhorar o ensino entre os alunos e relatou que com este “método” de ensino, estava obtendo excelentes resultados (CO. 5068, Rel. José Narciso de Camargo, 01/11/1890).

Já na escola do Bairro de Santa Barbara Rio do Peixe provida pelo professor provisório Virgilio de Sousa Neves, o Inspetor Ferreira escreve:

Notei, ser este professor muito dedicado, em virtude algumas evoluções de exercicios militares que o mesmo ensina, tendo, para isso, feito algumas espingardas de taquara, para melhor incutir em seus alumnos a ideia de militarismo (...) assisti a entoação de hynnos escolares que também o professor esforça-se por ensinar (CO. 5000, Rel IE. Jordão Monteiro Ferreira. 6/5/1898).

O que isso ensinava aos alunos? Além dos exercícios físicos e do amor à Pátria, tão divulgados no período, é possível verificar adaptações ao método intuitivo. Se não havia os museus escolares, os livros, os aparelhos tão importantes, a experiência poderia ser criada de outra forma, os modelos não precisavam ser estampas, gravuras, poderia ser aquilo que o professor tinha nas mãos, mesmo que fosse uma espingarda de taquara.

Entre as prescrições ideais, as práticas foram realizadas dentro do possível, dos limites de conhecimento, dentro das apropriações particulares que se tinha do método intuitivo dentro de todo universo escolar. O adestramento dos sentidos sempre poderia estar garantido, mesmo que fosse para fazer o que os reformadores, inspetores e professores graduados não queriam. Ele aconteceu, se não pelo do método intuitivo, pela própria estrutura escolar que, no caso das isoladas, estava relacionada às concepções que as famílias tinham de escola e trabalho, ao patrono de plantão.

No intento de buscar o cidadão pacífico e civilizado, o que se viu nas escolas isoladas no sentido da formação intelectual foi a constituição de um cidadão cuja participação política se resumia em assinar o nome. As experiências provocadas por tais escolas foram aquelas que conformaram tipos diferentes de cidadãos, cada qual em seu lugar na sociedade. Para aqueles que não tinham acesso ao grupo escolar, excelência da organização educacional, na maioria das vezes, a “tapera” era o lugar destinado.