• Nenhum resultado encontrado

Limites

"Há uma linha de Verlaine que não voltarei a recordar, Há uma rua próxima que está vedada aos meus passos, Há um espelho que me viu pela última vez, Há uma porta que fechei até ao fim do mundo. Entre os livros da minha biblioteca (que estou vendo) Há um que nunca mais abrirei. Este Verão cumprirei cinquenta anos; A morte me desgasta, incessante."

Os debates referentes à formação e modelação de um novo homem já estavam presentes antes mesmo da instauração da República. A efervescência das ideias científicas e racionais a respeito da educação circulava nas principais capitais do mundo ocidental.

A ideia de civilidade vinculada à ordem social, a determinação de um modelo de comportamento encontrou na racionalidade e no método a forma ideal para a concretização da civilização. Estava ligada ao ideal de liberdade por meio do disciplinamento e da obediência. A educação dos sentidos, motivada por percepções, formatava sensibilidades que deveriam ser condicionadas ou abafadas, dependendo da determinação do grupo a instruir.

Assim, a escolha sobre o método intuitivo veio coroar as aspirações do período: educar para a modernidade; educar o comportamento; educar os sentidos; ensinar o lugar do homem na sociedade; criar hábitos saudáveis. Toda essa educação harmonizada com o ideal científico, libertador e civilizador que comporiam o gene da República.

Educar os sentidos seria então como domar a “alma”, as pulsões, aprender a controlar a animalidade que existia dentro de si e ainda a observar o outro e o seu próprio controle. Para alcançar o desejado, acreditou-se que prescrições legais levariam a cabo esta educação. Como o verbo não produz ação necessitou-se de modelos a serem seguidos: para saber fazer, deveria ver fazendo.

Sob o signo do método, vieram os arquétipos, longas explicações para domar aluno e professor. Conversação, observação, tateação, quietude, ações concatenadas e organizadas pelo método. Subjetividade e objetividade se amalgamavam para concretizar o ideal civilizador. Percebeu-se que a ideia de método é o item que, se entendido, nos remete à ideia de controle. Pedagogicamente, o método é o caminho entre a intuição, estimulada e controlada, a forma correta de se entender o mundo, como local dos homens bem educados e apegados à urbanidade.

Os sentidos, metodicamente organizados, confluíam para uma educação objetiva. Entre os cinco sentidos, observou-se que os sentidos mais requisitados foram à visão e a audição, os outros tinham uma ação secundária, mas sinestésica. Assim que explicar, conversar, observar, olhar, ouvir são ações que eram requeridas a todo o tempo, e que acabavam estruturando toda a lição de coisas.

Entre o real e o idealizado, se concretizou uma educação burguesa e seletiva, para alguns o “palácio”; para outros, a “tapera”. Pensando assim, a educação republicana em São Paulo, na época de constituição da República, acabou por criar um universo escolarizado separado, já que, ao comparar a escola isolada com os grupos escolares, registra-se a existência de sujeitos que nunca terão civilidade. No caso de manutenção da ordem social em estamentos bem definidos, a aplicação (ou não) do método intuitivo cumpriu os seus desígnios. Não foi possível a todos serem civilizados, na delicadeza dos gestos ou na polidez dos hábitos. O estabelecimento de formas de ver deixam evidentes os espaços possíveis para cada um desses sujeitos.

Mas, foi possível compreender que, mesmo diante dos problemas e deficiências, as escolas isoladas estiveram permeadas ao estabelecimento do método no estado. Às vezes de forma relativamente bem sucedida, quando auxiliadas pelos cidadãos da localidade; às vezes, utilizando os materiais possíveis, disponíveis à mão; por fim, tendo apropriações muito particulares na tensão entre aquilo que conseguiam compreender do próprio método e as possibilidades de sua aplicabilidade. Entre as tentativas, nem sempre bem sucedidas, de professores no intento de acomodar o que se compreendia do método dentro de escolas não graduadas, havia sinais de que o desconhecimento da nova pedagogia não era total, mas que ele estava amparado nas próprias experiências de vida, formação e trabalho de tais docentes.

A educação dos sentidos marcou almas e conformou homens, produziu experiências e se inscreveu no corpo. Fosse por meios difusos, dados dentro dos limites impostos pela realidade material, fosse no ambiente urbano, próspero, como em escolas ao estilo do Caetano de Campos. A questão principal, entretanto, é perceber que, pelo arremedo, nem sempre as escolas isoladas poderiam educar adequadamente diante dos padrões apontados pela legislação. Mas, é certo que as percepções locais estavam voltadas a outras sensibilidades formatadas em torno do trabalho, da desconfiança da escola, até mesmo da caça.

Não há como apagar o fato de que o desaparelhamento da escola, suas deficiências, a má formação de professores, pela negativa, são fatos que estão no cerne do que se pode apreender sobre a escola “moderna”.

Ao final, o cidadão estava pronto: livre para atuar na sociedade, mas no lugar que lhe cabia. Diante do pessimismo de que posso ser acusada, chamo em minha defesa a epígrafe de Jorge Luiz Borges. O poema nos leva à reflexão sobre os limites que nos são impostos: limites do corpo, para o corpo, limites da memória, limites da sociedade,

mas... No entanto há um espaço para a escolha nestes limites, há um espaço e um tempo em que o sujeito escolhe. A subjetividade que há no sujeito não pode escolher o que lhe chega aos seus sentidos, o que sua percepção apreende, mas pode escolher qual entrará em sua alma.