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3. TRAMANDO NO TEAR – OS PARADIGMAS DE EDUCAÇÃO

4.1. A S P RÁTICAS E SCOLARES

4.2.2 As Práticas Substantivas Normativas

A discussão sobre normas é recorrente na vida em sociedade. Há em todos os contextos, a necessidade de normas que estabeleçam e regulem a vida na coletividade.

Se inúmeras ciências consideram a relevância de normas, uma vez que se constituem como centrais no pensamento moral, na educação especificamente a educação moral, não seria diferente.

É evidente que existem inúmeras formas de se trabalhar com as normas escolares. Porém, fazê-las compreendidas, conhecidas e legitimadas por todos implica inseri-las no contexto das relações interpessoais, baseadas no respeito mútuo e na cooperação.

Puig (2004) propõe para uma análise do conceito de ‘norma’ considerarmos três aspectos das mesmas: o imperativo, o apreciativo e o descritivo. O primeiro refere-se ao que se deve ou não fazer, ou seja, ao que é permitido e proibido. Portanto, estamos falando

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do nível prescritivo que indica como deve ser a conduta humana. Porém, na prescrição há elementos de descrição, uma vez que as normas esclarecem e detalham o tipo de ação ordenada.

O aspecto descritivo das normas reflete as regularidades dos comportamentos de determinado grupo social, assim como numa fotografia, captando e formulando o que é mais habitualmente exercido numa coletividade. Entretanto, embora exprimam uma ordem, as normas podem ser aplicadas de forma equivocada ou, até mesmo, transgredidas. Será seu aspecto apreciativo o que irá destacar seu valor.

Portanto, as normas não se referem somente ao que é imposto como sendo o correto a ser feito, pensado ou sentido pelos sujeitos, mas também ao que apreciamos e que, assim, nos parece ‘bem’. E é essa dimensão das normas que as liga à moralidade, uma vez que não devem ser consideradas somente como ordens, mas, principalmente, como formulações que cristalizem ou incorporem os valores indicados nos mais diversos contextos de ação dos seres humanos.

Em síntese, Puig (2004) define as normas como:

prescrições que servem para regular a conduta humana; prescrições que expressam valores ou que permitem um juízo avaliativo; e, por último, as normas são prescrições avaliáveis, que costumam angariar amplo respeito social, ou, pelo menos, aspiram a isso. (PUIG, 2004, p.170-171).

Estudando a obra, pudemos inferir que suas observações e afirmações quanto às normas são equivalentes ao que outros autores trataram como ‘regras’. Sendo assim, façamos uma breve exposição acerca do pensamento de Piaget (1932-1994) sobre as regras. Nos estudos de Piaget (1932-1994) sobre a evolução da noção de regras no jogo, o autor conclui que a obediência à regra é maior quando a pessoa participa do seu processo de elaboração. Isto ocorre porque neste processo, os participantes são levados a compreender a necessidade destas e se tornam os seus próprios ‘fiscais’. Portanto, podemos aqui, inferir o caráter apreciativo das regras, que são legitimadas por se sustentarem em princípios significativos para o coletivo.

La Taille (2006), ao descrever a dimensão intelectual do agir moral, afirma a necessidade do conhecimento acerca das regras, princípios e valores. Esclarece que os

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princípios são o espírito das regras, não se referindo, portanto, ao como agir e sim em nome do que agir. Utiliza-se de uma metáfora ilustrativa comparando as regras aos mapas, os quais indicam claramente o caminho, e os princípios à bússola que embora oriente o caminho, não o indica claramente. Ressalta a necessidade dos ‘mapas morais’ (regras) tanto para iniciar moralmente as crianças quanto na vida adulta, como balizadoras de ações do cotidiano.

Vinha & Tognetta (2006), acerca da postura dos educadores frente ao trabalho com as normas e regras, alertam:

Ao processo de elaboração das normas e dos mecanismos utilizados para que estas sejam obedecidas, subjazem as concepções dos professores sobre o que são as regras, para que servem e ainda como acreditam que o sujeito as legitima, da mesma forma em que são caracterizados o ambiente sociomoral da classe e o tipo de relações interpessoais que são estabelecidas (VINHA & TOGNETTA, 2006, p.46).

As autoras chamam a atenção para formas às vezes arbitrárias com que são tratadas as normas na escola que, geralmente, desconsideram a diferença implícita entre regras negociáveis e não negociáveis, tratando todas como se fossem da mesma natureza.

Para Macedo (1996) as regras não negociáveis são as referentes à boa saúde, bom estudo e boa convivência social. São obrigatórias na medida em que valorizam o ideal de uma função. Se as interpretamos como simples e puros combinados, portanto, como regras negociáveis e convencionais, incorremos na farsa do “democratismo” que confunde tanto as crianças como os próprios adultos.

De forma ampla, as leis ou regras inegociáveis dizem respeito a não causar dano a si mesmo ou aos outros (incluindo o patrimônio). Em oposição temos as regras negociáveis, ou convencionais21, que podem e devem variar conforme o grupo sobre o qual vigoram. A formulação destas últimas é que denota em uma das práticas normativas.

Voltemos aos exemplos de práticas normativas, propostos por Puig (2004). O autor aborda duas dimensões para tais práticas: aprender a usar as normas e deliberação e

21 Elliot Turiel (1983) afirma que, desde cedo, as crianças fazem a distinção entre três domínios, o pessoal, o

convencional e o moral. O pesquisador define como convencional o “(...) conjunto de regras de conduta, obrigatórias para uma determinada comunidade, mas não universalizáveis (...)”. (LA TAILLE, 2002, p.16)

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reflexividade sobre normas. Para a primeira destaca as normas que regem as demais práticas morais (ou de valor, segundo o autor) e as que regem a vida escolar em todos os detalhes.

Para a segunda dimensão, propõe: atividades para trabalhar o conceito de “norma”; para abordar as normas cívicas, de circulação ou outros códigos; de revisão das normas da classe; atividades para analisar problemas de respeito a alguma norma escolar; atividades para explicar as normas de algum espaço ou lugar não habitual (saídas, excursões, acampamentos escolares...); e, atividades que provoquem a reflexão acerca de transgressão das normas.

Puig (2004) sobre a aprendizagem de normas pelo seu uso (a primeira dimensão) evidencia a necessidade de utilização das normas para que, de fato, sejam aprendidas. No entanto, acrescenta que as práticas normativas, embora pontuais, estão presentes em todo o espaço-tempo escolar, não sendo, portanto, atividades escolares típicas, com momentos específicos para ser desenvolvidas. Ao contrário, “surgem durante a realização de qualquer outra atividade ou prática escolar” (PUIG, 2004, p. 178). Conclui que elas, diferente das demais práticas morais, são realizadas de forma não programadas, quase que inconscientemente.

Já sobre a segunda dimensão, aprender por deliberação e reflexividade, o autor levanta alguns questionamentos para defender suas ideias: “Que utilidade tem os processos de deliberação sobre normas? Se as normas são aprendidas no uso, que sentido tem explicá- las, considerá-las e debatê-las com os alunos?” (PUIG, 2004, p.180).

Em resposta às próprias indagações, Puig (2004) afirma, primeiramente, que a formulação das normas dá uma explicação inteligível da vida social de maneira clara, coerente e regular, oferecendo segurança aos atores. Além disso, estabelece um horizonte de valor que propicia uma avaliação dos comportamentos e atitudes. E, finalmente, deliberar sobre as normas é útil e necessário para a tomada de consciência.

O autor finaliza comentando que o trabalho escolar com normas, tanto pelas práticas normativas ou pelas de deliberação e reflexividade, “permite melhorar a adaptação dos sujeitos a cada situação concreta de ação” (PUIG, p. 183).

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Buscamos no presente capítulo, apresentar ao leitor, a proposta de Puig (2004) em que apresenta a classificação e tipologia das práticas morais. O autor as classifica como práticas procedimentais e substantivas, esclarecendo que cabe às primeiras, o trabalho com situações não previstas, que permitem a expressão e criatividade moral dos sujeitos. Fazem parte dessa categoria as práticas de deliberação e reflexividade.

Já sobre as práticas classificadas como substantivas, o autor esclarece se tratarem de situações já previstas e existentes no cotidiano da escola, em que há o exercício de cristalização dos valores e virtudes necessários para uma convivência equilibrada. Há nessa categoria as práticas de virtudes e as normativas.

Apresentadas as categorias e tipos de práticas consideradas morais e favoráveis para a construção de personalidades éticas, passemos, no próximo capítulo, à metodologia adotada na presente pesquisa.

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5.

REGULANDO O TEAR - Os procedimentos

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